sábado, dezembro 18, 2021

João Damasceno

 

Tive de conter alguma emoção ao passar com o neto da Ananda na Avenida Afonso Henriques e, enquanto ele brincava no jardim à frente do Liceu José Falcão, reparar no poema lindíssimo de João Damasceno que alguém colocou na fachada da já muito antiga escola onde passei e, sem qualquer nostalgia, os melhores momentos da minha vida estudantil: aí lutámos contra o marcelismo por associações livres de estudantes liceais, aí participámos na energia límpida do Prec, aí construímos sonhos em assalto contínuo aos céus, aí amámos e odiámos também. Este poema do João com quem partilhámos momentos inesquecíveis de rebeldia e de resistência tocou-me particularmente ao autor do inesquecível «Corpo Cru». A fotografia não mostra bem (a mão tremia-me?) mas o poema é este:

Pertenço a uma
comunidade de homens
que acordam a meio 
da noite para sonhar

Onde tu estiveres, João Damasceno, quero dizer-te que, em parte, levaste alguns dos melhores sonhos contigo. Parece que previste a modorra, o cansaço insuportável da vida social quotidiana. Hoje, acordamos a meio da noite para olhar, nas varandas, uma escuridão imposta e vislumbrar não o néon com que também iluminou muitos dos incêndios que ateámos em matilhas esfomeadas pela cidade de Coimbra, mas a forma como no dia seguinte, de dia, nos podemos alhear da sua luz já decadente. Isto hoje está tudo em paz. Esquisita, mas em paz.

António Luís Catarino