sexta-feira, julho 29, 2016
Outros títulos recentes
Marcadores:
Deriva Editores,
Elfriede Jelinek,
ILC,
João Carlos Louçã,
Le Monde Diplomatique,
Maria Leonor C.Figueiredo,
Olivier Py
A Deriva em Agosto
Marcadores:
António Alves Martins,
Carlo Ginzburg,
Deriva Editores,
Gonçalo Vilas-Boas,
ILC,
Ricardo Gil Soeiro
domingo, julho 24, 2016
Intervenção de António Luís Catarino em «Cidades Materiais», de António Alves Martins, a 15 de Julho. Teatro da Cerca. Coimbra
Nos catorze anos que já leva a Deriva e
após inúmeras apresentações públicas (talvez de mais), esta é, sem dúvida, a
que mais dificuldade tive em fazê-la. Liga-me uma amizade de dezenas de anos ao
Tó Martins e projectos em comum, ideias partilhadas, outras nem por isso, grandes
hiatos e ausências, pedidos de informações sobre a vida um do outro, a
existência de grandes amigos presentes aqui e uma que não posso deixar de
referir, o Francisco Pedroso Lima, infelizmente impedido de estar aqui
presente, hoje, por motivos particulares.
Cidades
Materiais impressionou-me. Nas suas várias releituras emergiam
situações, diálogos, descrições a que não me pude furtar, parecendo-as viver,
ou tê-las vivido de uma outra maneira e atacando-me sobremaneira nomes,
vivências e fisionomias, sendo isto um direito de leitor, e nomes com os quais
me identifiquei tais como William Morris pela natureza e pela ligação ao Homem,
Stevenson e Lafargue pela presença límpida do ócio, Thoreau pela contemplação
activa, Corto Maltese pela ambivalência de um espírito livre, Burroughs e a sua
procura incessante do humano e do amor.
Para mim, esta dificuldade reside no tema
incontornável que levou à edição deste livro. Cidades Materiais poderiam ter sido ao mesmo tempo imateriais, tais
como as personagens que as habitam, ou talvez não, e por conhecer o autor num
tempo já longínquo. Veremos. Resta-me, e não é pouco, acreditem, falar no autor
e na realidade que nos cercou durante anos. Só me resta isto, recusando
qualquer veleidade crítica ao livro. Se o farei aqui e ali é somente para
sublinhar uma experiência vivida em comum, com outros companheiros. Aqui vai um
conjunto de impressões que partilho convosco:
Primeira impressão –Antero. Em meados dos
anos 80, tínhamos todos 20 e tal anos. Miúdos da Faculdade de Letras que
dizíamos abominar, sob a fórmula de palavrosas parábolas coimbrãs: «faça-se
luz, incendeie-se a universidade!». Não desgostávamos assim tanto da faculdade,
mas a verdade é que nos foi ensinado muito mais nos cafés adjacentes à Praça da
República onde o prazer de falar, de conhecer e de debater era superior a tudo.
Com algumas substâncias e segmentos aditivos que o facto de já terem prescrito,
e apesar de uma louvável loucura que contrastava por vezes com imprevisíveis
depressões, não me fazem aqui desenvolver e muito menos pormenorizar, por
irrelevante. O agir concreto apareceu com o convite para fazer parte de um
colectivo editorial da Centelha, e mais tarde Fora do Texto, então e segundo
palavras de Soveral Martins, estando em plena crise de criatividade. Contactei o
Tó e durante alguns anos a coisa rolou editando alguns livros a que já se
referiu na sua descrição biobibliográfica.
Segunda impressão – o espírito da revolta.
In girum imus nocte et consumimur igni, o
último filme de Debord realizado em 1978 e editado finalmente em 1981, com
peripécias várias que, mais tarde, inclusive, levaram ao assassinato do editor
da Champ Libre, Gerard Levobici (e não foi o único), constrói a ideia do
consumo e da alienação como alfa e ómega do capitalismo em fase de mutação para
a pós-modernidade. Esta frase latina atribuída a Virgílio é a descrição real do
que nos levou à deriva nocturna e à necessidade imperiosa de lutar contra a
alienação do público que nos olhava de soslaio. Consumimos a noite e
pegávamos-lhe fogo mesmo com acendalhas já usadas por outros. Creio não me
enganar que entre blusões negros e echarpes negras ou canadianas verdes
militares, construímos à nossa maneira um fogo permanente que nos devorou
igualmente na ânsia da revolta e na dramatização do sem sentido de uma vida
quotidiana que negávamos. Recusávamos o tédio. Recusávamos a mercadoria,
recusávamos qualquer valor de troca. Preferíamos a poesia e o pensamento como
as únicas vertentes que não se podem domar. E o amor. Esse, sempre presente no
fogo quotidiano em que geríamos a noite em chamas. As chamas, essas,
devoraram-nos? É possível, mas nas regras do Potlacht primitivo, este com coincidências inquietantes com o
cristianismo também ele primitivo, quem perde ganha, quem ganha, perde. A noite
consumiu-nos, sim, mas com a voragem da revolta romântica.
Terceira impressão – «Numa sociedade
invertida, o verdadeiro é o momento do falso». Isto foi dito em 1967 e corresponde
a uma realidade já indesmentível e com contornos que o seu autor, Debord, provavelmente,
não imaginaria na enorme dimensão espectacular que nos rodeia hoje. Assim, se
nenhum movimento reivindicativo da arte revolucionária foi superado desde 1916
com Dada, esta tornou-se uma mera mercadoria, que vale o que vale consoante o
valor das trocas. Assim, o livro do Tó adquire a faceta da verdade, num mundo
realmente invertido. Porque utiliza as palavras certas nos lugares mais
recônditos e os que estão mesmo juntos a nós, no prazer da viagem e da aventura
e na própria visão do amor, a única realidade impossível de subverter. Talvez
por isso, quase de certeza por isso, na Centelha, ainda antes de haver a
internet e as redes sociais foi formada uma verdadeira rede (net) em forma de
papel com todos os movimentos alternativos europeus dignos desse nome, da
América e Canadá, passando por Seul e Tóquio onde então a luta antinuclear e
libertária começava a fervilhar. Era a Ekomedia a que demos corpo, denunciando,
partilhando experiências e informação de revolta internacionalistas e cujo
símbolo era um gato preto assanhado. Nessa ocasião, editámos Os Novos Espaços de Liberdade na Europa,
de Félix Guattari e de Toni Negri, preso na Itália e que hoje toma o seu rumo
de vedeta antiglobalização com o nome de Antonio Negri que juntamente com
Michael Hardt editou o best seller Império.
O Tó Martins, enveredou por Ramos Rosa, com As
Mãos de Água e as Mãos de Fogo, com os Pés
Luminosos de Jorge de Sousa Braga, de Gil de Carvalho, Constantin Kavafy e
Philip Larkin. O lado lunar e o lado solar da Centelha e da Fora do Texto.
Adivinhem agora quem foi quem.
Quarta impressão – A Deriva
Nos anos 80, vivia-se por toda a Europa a
ressaca dos anos de chumbo criados por Andreas Baader e Ulrike Meinhof que
proclamava em livro «vocês falam do tempo, nós não!» e pelas Brigadas Vermelhas
de Renato Curccio na Itália, estas últimas teleguiadas, como se soube, pela
polícia secreta. Tudo isto gerou uma impossibilidade poética, uma forma de ver
a política e de destinar uma vida quotidiana não marcada pelo tédio e pelo
aborrecimento, ou, se quiserem, pelas cadeias infernais do trabalho. Mas como
promover isto mesmo numa sociedade alienada pelo medo, pela vingança dos anos
pós-prec e pelo espartilho terrorista no Portugal mesquinho dos anos 80 e da
recuperação yuppie? Foi a altura também dos anos criadores e libertadores do
rock com o aparecimento de Johnny Rotten, dos Clash, de um Lou Reed já sem os
Velvet Underground, do Bowie tornado pop, de Ian Curtis dos Joy Division e
depois com os New Order, de Iggy Pop, de trautearmos Jim Morrison pelas ruas
desertas de Coimbra e aclamando o Jazz, recuperando para nós o be-bop e o free
como forma de dizermos: «Falem do tempo, falem do tempo, nada temos a ver com
vocês!» Aderimos à arte contemporânea e às possibilidades do vídeo, do teatro e
da performance sendo que estas foram, exceptuando alguns, poucos, casos,
rapidamente recuperados. Identificávamo-nos pela música e pela deriva. A deriva
consubstanciada todos os dias numa cidade que cada vez mais se tornava um
labirinto de cimento corbusiano. A deriva que aqui se fala é a de Thomas de
Quincey que, nas suas «Confissões de um Opiómano Inglês», tradução forçada,
diga-se, afirmava haver uma rede subterrânea, marginal, na cidade de Londres,
não cartografada pela polícia e pelas instituições políticas. Era terreno
livre. Os dadaístas, os letristas e os surrealistas e muito mais tarde os
situacionistas praticaram-na na forma de desconstrução da palavra e da
deambulação livre em corredores libertários. Na construção de situações
irreversíveis. Mas sem se superarem. Precisamente: o verdadeiro aqui, não
superou o falso. Assim, toda a deriva que realizámos, muitas vezes sem sentido,
nas ruas e becos nocturnos, só teve consequências na construção de mercadorias
irrevogáveis: os livros e as ideias que eles trazem. O teor do que são feitos.
A forma. A cadência e a recusa da «inovação». Até porque, sabemo-lo, quando o
patrão exige inovação, o escravo honesto é o primeiro a proclamá-la. Por isso
também, Tó, o teu livro tem um valor imenso. Por isso a nossa deriva teve
consequências até no envelhecimento de cada um. Mas, pelo menos, fomos
coerentes.
Quinta impressão – a sociedade do cansaço
ou o tardomodernismo
No ano passado, editámos, no Porto, um
livro apresentado por Rosa Maria Martelo e a autora de Calma é apenas um pouco tarde - A Resistência na Poesia portuguesa
contemporânea, de Maria Leonor C. Figueiredo. Falavam no leitmotiv da poesia e da literatura
tardomoderna, isto é, pós-pós-modernista e, recusando todo o aspecto político e
partidário da resistência «poética e literária» que pouco, ou mesmo nada, terá
a ver com isso; baseavam-se num autor até aí desconhecido para mim. Era
Byung-Chul Han que publicou A Sociedade
do cansaço. Era, segundo essas autoras um dos principais campos de
intervenção da poesia e literatura actuais. Vale a pena citá-lo um pouco porque
o ritmo ritualizado do livro do Tó (e também o meu, o nosso, cansaço, ou o
actual e colectivo burnout) vai nesse
preciso sentido. Diz Han: «a sociedade disciplinar, tal como Foucault a
concebe, formada por hospitais, manicómios, prisões, quartéis e fábricas, [e
como contra elas nos batemos nos anos 80, digo eu!] já não corresponde à
sociedade dos nossos dias. Há muito tempo que ela foi substituída por uma
sociedade completamente distinta de ginásios, torres de escritórios, bancos,
aeroportos, centros comerciais e laboratórios genéticos. A sociedade do século
XXI já não é uma sociedade disciplinar, mas, sim, uma sociedade de produção.
(…) A sociedade disciplinar é uma sociedade de negatividade. Ela é determinada
pela negatividade da proibição. O verbo negativo que a domina é o “não poder”.
Ou seja, até a palavra de ordem “é proibido proibir” foi absorvida pelo sistema
(…) A vida cultural da humanidade, na qual se inclui também a actividade
filosófica, só é possível e só se desenvolve quando existe uma atenção profunda
e contemplativa. A atenção profunda tem vindo a ser cada vez mais suplantada
por um tipo de atenção completamente diferente – a hiperatenção, dispersa e
distraída caracterizada pela mudança brusca do foco da questão, pela alternância
constante das tarefas, fontes de informação e processos. A tolerância ao tédio
é bastante limitada e acaba por não deixar muito espaço livre àquele tédio
profundo propiciador do processo criativo. É precisamente este tédio profundo [um
outro tipo de tédio que abominávamos nos anos 70 e 80 na esteira política dos
anos sessenta, mas que hoje tem este sentido que lhe dá Han] que Walter
Benjamin descreve “a ave do sonho que choca o ovo da experiência”». Por isso o animal laborans da sociedade
tardomoderna é hiperactivo e hiperneurótico, nervoso, odeia o silêncio e vem em
sentido completamente contrário às personagens que dão vida ao livro do Tó
Martins que segundo a minha opinião reivindicam a vida humana total. Talvez
Nietzche, um filósofo a que demos sempre muita atenção nas nossas derivas
filosóficas dos anos 80, tenha resumido tudo isto neste aforismo: «Ao homem
activo falta, regra geral, a actividade superior, o que faz dele, sob este
ponto de vista, um homem preguiçoso. Tal como a pedra, o homem activo rebola ao
sabor da estupidez da mecânica». Para que não haja dúvidas, escreveu-o ele no Humano, Demasiado Humano.
Esta foi sem dúvida a grande aventura do
pensamento que um grupo de jovens dos anos 80 e inícios dos anos 90 e dos quais
quase nenhum, hoje, se encontra radicado em Coimbra, realizou. Tentámos o
impossível. Lutar contra a opacidade que então já se elevava na sociedade
circundante e que varreu o mundo, tal como é definida, hoje por Steiner, pelo
facto de hoje sermos incapazes de saber, ou querer saber, o que o outro ser
humano está a pensar. Não prestamos atenção suficiente ao outro. Ora, o Tó
Martins, teve a coragem de fazer-se ouvir, pensando Outro, onde as tonalidades
da mentira são inúmeras, na tal sociedade invertida, onde o verdadeiro é
somente o momento do falso.
Sexta e última impressão – Volliamo Tutti, foi o grito de guerra dos
operários e estudantes de Bolonha que queriam simplesmente tudo, tal como os comunnards franceses de 1871, ou os
estudantes de 68 e os mais radicais de 69 em Coimbra, cidade que, vejam, foi referida,
num posfácio, por Vaneigem no seu livro icónico A Arte de Viver da Geração Nova. Nunca foi compreendido em toda a
sua extensão esta reivindicação tão simples. Foi-o por nós. Disse ele: «Aqueles
que falam de revolução e de luta de classes sem se referirem explicitamente à
vida quotidiana, sem compreenderem o que há de subversivo no amor e de positivo
na recusa de coacções, esses têm na boca um cadáver»; mesmo dentro da
experiência editorial que partilhámos os dois, juntamente com outros
companheiros, isto nunca foi compreendido nos anos 80 e nos que se seguiram.
Tratava-se de ligar um movimento alternativo e libertário à arte e à cultura ou
que existe ainda dela. Entre o niilismo terrorista dos anos de chumbo por que
passámos nos anos 80, não houve espaço para demonstrar a equivalência e a
necessidade das duas reivindicações. Não há verdadeira política sem arte, não
há arte sem polis ou na poesis. Fomos,
então, à nossa vida. Nenhum de nós ficou cá. Acompanhados pelos anjos da
impotência de Klee, o seu Angelus Novus,
ou dos de Walter Benjamim, ou os anjos do desespero de Heiner Muller, talvez
ainda com os de Wim Wenders, que hesitam entre a queda e o voo. Porque já não
acreditam nas suas próprias asas ou vivem aterrorizados, perante o mal de
Arendt, construído por funcionários subalternos ou pelos burocratas de Kafka. A
guerra, essa, instalou-se no nosso campo. O livro do Tó é o verdadeiro que se
arremete contra o falso. Tem asas. Oxalá voe. «Restam, portanto, os
irrecuperáveis, aqueles que recusam os personagens, aqueles que elaboram a
teoria e a prática dessa recusa». É nessa inadaptação à sociedade do
espectáculo, ou tardomoderna, que virá a poesia do vivido, uma reinvenção da
vida. O que foi realizado em Cidades
Materiais ou nos que o Tó ajudou a editar pela sua vida fora e em
diferentes situações. Aqui, e com ele, cantam os «anjos da pureza» de Mallarmé.
É assim que eu o vejo. Ao teu livro, Tó. Ele voa. E como dizes, em completa
consonância, julgo eu, do que aqui disse e que partilharei convosco:
«Quero acreditar que no choque dos
contrários, nessa violência que habita a ambivalência, é possível um movimento
de descanso do olhar, de tranquilo desejo, de pasmo e de alucinação sublime, de
descoberta, de risco. Talvez assim a vida sobreviva, talvez…»
António Luís Catarino, Porto/Coimbra,
Julho de 2016
Marcadores:
António Alves Martins,
Artigos,
Deriva Editores
Apresentação de Cidades Materiais, de António Alves Martins (Deriva Editores, 2016), por Isabel Calado
Teatro da Cerca de São Bernardo, Coimbra, 15 de Julho de 2016,
18h30
Estou aqui, com
imenso gosto, para apresentar estas Cidades
Materiais, uma obra que me foi dado acompanhar no seu processo de gestação,
e portanto à qual me liga um vínculo muito particular. Agradeço desde já ao seu
autor ter-me mostrado este caminho que a arte da escrita sonha e abre e vai
construindo, peça a peça, para que possamos agora ter nas mãos um livro que
vivamente aconselho a quem aprecia coisas destas, belas, que estão muito
distantes daquelas publicações, hoje tantas, que as pessoas consomem, julgando
que são leitores: receituários de tudo e mais alguma coisa, receituários para
os males do corpo, da alma e das vicissitudes da vida.
Este livro de contos,
assim nos aparece, tem, como poderão ver, três partes, cada uma dela em
diferentes estilos literários: a poesia pura (a abrir e a fechar a obra), uma prosa
poética, muito assumida, nos cinco contos da série “De Lisboa” e finalmente,
num último conto intitulado “Cidade branca cidade vermelha” algo diferente, num
outro ritmo, diria eu da natureza mesma da prosa – da qual se diz também “prosaica”,
mas aqui num sentido muito diferente daquele outro que liga a palavra à ideia
de banal ou comum. Aviso-vos que o que têm nas mãos (espero!) não é nada banal.
É tudo novo – e isso sabe bem à farta!
A escolha, feliz, do
título deixa por sua vez estabelecido que o que acharemos nesta narrativa não é
do domínio do não existente, da pura ficção: as cidades que constituem os
palcos onde as personagens das histórias vão existindo, existem também elas. E
são Lisboa (a cidade branca), mas também, entre outras, Marraquexe (a cidade
vermelha). Quando lerem o livro, perceberão a dimensão material destes lugares
e o peso que a vivência deles imprime ao desenrolar dos acontecimentos. E entenderão
também, no mesmo passo, que mesmo aquilo que não é palpável, aparente à vista,
cartografável, aquilo que é do domínio do sonho e até do onirismo (digamos, na
acepção médica do termo, da alucinação visual), existe tanto quanto tudo o
resto. Talvez mais. O autor usa a dada altura a expressão “tumulto orgânico” para
referenciar, imagino eu, a conjunção destas duas dimensões de uma cidade.
Aliás, no último
conto, “Praça das Amoreiras”, pode ler-se:
Os lugares têm esta coisa própria, chamemos-lhe espírito, energia, que
faz com que aquele que os visita seja, quando a isso permeável, impregnado por
um desvario.
Gostaria de dizer
ainda, neste momento das apresentações, que nunca percebo muito bem por que me
solicitam estas intervenções em acontecimentos que são a apresentação de obras
literárias. Não tenho qualquer especialidade em Literatura, sequer em
Linguística; não sou crítica de arte nem articulista de opinião. Sei que o que
desta vez me trouxe aqui, e seria ingrato não o reconhecer, foi uma forte
amizade com o autor e alguma ligação também ao editor, que não via há mais de
trinta anos, mas que fez parte dos tempos de Coimbra quando éramos muito jovens
e nos cruzávamos por aí.
Digo-vos isto para de
algum modo justificar que o que quer que seja que vos diga aqui sobre Cidades Materiais é dito a partir do
lugar em que elas me colocam – e que é, pura e simplesmente (o que contudo não
é pouco!), o lugar do leitor.
Daí que vos peça a
gentileza de aceitarem que me debruce sobre aquilo que no livro mais me
provocou, aquilo a que a minha leitura conferiu importância, aquilo que, numa
palavra, me tocou. Certamente deixarei de lado outros aspectos, mas o valor de
uma obra literária é também este: cada um se apropria dela a seu modo.
A não ser que tenha
uma matriz pré-estabelecida de interpretação, fundada num qualquer saber ou
cânone académico – e essa não é, como vos disse, a minha condição.
Entremos então no
miolo da coisa para, entre outros aspectos, ir conhecendo as personagens destas
histórias: para captar os seus movimentos na cidade, as suas razões de
deambulação por ela, as suas naturezas. Para também sentir como os
protagonistas dos contos desta série – homens e mulheres – de algum modo
esboçam uma personagem transversal a todos eles que passará a ser, de facto,
aquela sobre que me debruçarei.
1. Andamentos
Convido-vos então a
observar um dos modos como caminha a primeira personagem da série “De Lisboa”.
Ele surge a abrir o conto intitulado “Cais das Colunas”, onde se diz:
Vemos agora o
homem que ensaia um passo em frente. Talvez procure tocar nas águas, ou entrar
nelas. Ensaia, mas hesita. Suspende o gesto. O olhar permanece fixo na
distância e nas águas, violento. E então volta-se, mãos nos bolsos do casaco.
Pouco depois, “O
homem avança […] sem hesitar, em direcção à praça.” E quando a mulher diz “Vem” ele
“segue-a e os dois entram no rio.”
Citei-vos estas
passagens iniciais para poder deter-me nos passos deste homem, nos seus passos
que quase sempre obedecem a impulsos controlados e decidem as direcções; passos
que não são arrastados nem irreversíveis, tão-pouco leves ou inocentes; passos
que, ademais, definem um andamento que se pauta por um ritmo binário: o tempo
da hesitação e o tempo da decisão. No primeiro deles, a personagem parece não
sair do mesmo lugar, ela avança e recua, vai e volta atrás. No segundo, parte –
e esquece.
Mais do que
evidenciar o que é próprio de qualquer decisão (ninguém decide sem ter
hesitado, qualquer resolução é sempre precedida de uma dúvida), o que aqui se
assume é uma tensão contrária ao deixar-se ir – algo que a personagem central
destes contos não sabe, não quer fazer.
Creio que é assim
porque se trata de alguém que não é movido por apelos externos, ou não essencialmente
por eles, mas por um conjunto de forças interiores acumuladas ao longo da vida,
que apenas encontram no apelo externo o momento propício ao movimento. Quase
como se pudéssemos pôr as coisas nestes termos: o chamamento do mundo não
funciona para esta personagem como uma pergunta a que ela dará ou não resposta,
mas como uma possibilidade de resposta para a pergunta, múltipla, que desde
sempre traz dentro de si. De tempos a tempos, em ocasiões mais ou menos
fortuitas, ela sente-se escutada pelo mundo e é então que julga ter encontrado
nele o que procura. Nesses momentos, a indecisão resolve-se e o homem da
encruzilhada segue uma direcção, arrisca, vai.
Este seguir (ia dizer
em frente, mas não sei se é excessivo ou sequer fiel ao andamento de que aqui
me ocupo) é, por outro lado, talvez, o motivo mais profundo de uma obra como Cidades Materiais, diria eu o seu desejo
tornado consciente. E tem por isso, como todo o desejo, uma imensa força
transformadora e um poder de sanação.
Eis porque as cidades
que aqui se convocam, lisboas de Lisboa, são territórios de inquietação, lugares
de encontros irresistíveis, sim, mas sobretudo plataformas de partida. Creio
que não é por acaso que o primeiro dos contos é passado num cais: a presença
das águas, a constante visão do rio (outras vezes mar) é outra das marcas
materiais destas cidades. Mas é também e sobretudo um horizonte imagético do
que, na narrativa de António Alves Martins, nada tem de materialmente
cartografável. O mapa do devaneio e da deriva (palavras tão do vocabulário do
autor… e do seu editor) é impossível de fixar num roteiro urbanístico destinado
a orientar os passos de quem o segue para que não se percam. Neste mapa, também
imaterial, é todo o contrário que sucede: ele desenha-se à medida que se torna
possível o desvio para um outro rumo, subitamente sugerido pela palpitação
subterrânea e invisível do território. Quase sempre este outro rumo é um
espaço-tempo, algo que imagina um lugar, ao mesmo tempo que convoca, para
atingi-lo, um tempo fabuloso, quiçá mais semelhante àquele que a História
remete para as épocas anteriores ao século XVI, um tempo que, não deixando de
sentir-se como a medida aplicada à duração das coisas e indicada pela revolução
aparente do sol, recusa essa clausura e se reinventa livre:
Aqui não há nem
passado, nem presente, nem futuro, apenas um vislumbre de espaço, na distância,
nessa linha de luz talvez imaginada, sem juízo, sem argumento, apenas uma
vertigem, uma alucinação. (Cais das Colunas)
2.
Círculo-triângulo
Experimentando os
traçados, ensaiando os passos, buscando os absolutos do tempo e do espaço,
desafiando, sempre, o mais-além, há uma segunda pulsão que sentimos na dinâmica
de Cidades Materiais, no movimento
que elas propõem: o livro, escrito num momento (por mais demorado que um
momento possa ser) dominado pela exigência da circularidade (a que a memória,
matéria-prima assumida desta obra, não pode furtar-se), constrói um conjunto de
histórias que vão achando soluções outras para essa forma fechada e a-temporal.
É desse modo que, em
pequenos passes de mágica, manifestando-se frequentemente em desenlaces
inesperados, o círculo (o eterno retorno) vai dando lugar a uma forma angular
dinâmica que passa a desenhar-se em esquinas e vértices, definindo pontos de
fuga e zonas de tensão, mas que não perde, por isso, a poesia, a densidade, o
odor telúrico e orgânico de tudo o que é redondo e curvilíneo. António Alves
Martins cria deste modo uma nova matriz para o movimento: algo como uma
amálgama de triângulo-seta e círculo-redondez, que alia um regresso insistente
ao âmago e uma largada, por vezes impetuosa como uma flecha, para a imensa
aventura que existe fora dele. Chamemos-lhe, como o autor gostaria de
chamar-lhe, uma dança.
“J’ai tendu des cordes de
clocher à clocher; des guirlandes de fenêtre à fenêtre; des chaînes d’or
d’étoile à étoile, et je dance”, são versos de Rimbaud que
reencontramos no “Jardim Cesário Verde”.
O dançarino aparece
de facto nas páginas deste livro: como aquele que regressa lá, onde a vida pulsa.Leio
em “Praça das Amoreiras”:
a figura do dançarino [é então quem] marca o
ritmo dos dias [substituindo a] mecânica, aquela necessidade alimentada por uma
energia compulsiva sem o mínimo eco alquímico.
Tudo isto igualmente
se reflecte numa intenção bastante evidente da personagem transversal aos
contos de Cidades Materiais: esta
personagem foi criada para concretizar o projecto de deixar para trás voltando
lá, e nasce por isso da consciência muito clara de que a melhor forma de
esquecer é regressar.
Mas à questão da memória iremos mais adiante.
Permitam-me agora (e
para rematar a ideia do círculo que se transforma em seta, do movimento que se
decide pela aventura da dança, uma dança sem coreografia pré-definida), ampliar
a remissão que é feita, na parte final do “Beco do Jasmim”, para a fala do anjo
em Asas do Desejo de Wim Wenders e
Peter Handke. Antes de dizer “é agora ou nunca”, o anjo fala assim:
Lembras-te da
primeira vez que aqui estivemos? A História ainda não tinha começado.
Deixávamos que fosse dia, que viesse a noite e aguardávamos o que viesse. Levou
muito tempo até o rio encontrar o seu leito, até a água parada começar a
correr.
E prossegue:
E a dada altura
um rompeu subitamente o círculo e correu para fora. Ao correr em frente e às vezes
curvado de alegria, só aparentemente ficou livre e mais uma vez rimos. De
súbito ainda, correu em ziguezague e as pedras voaram. Com a sua fuga começou
outra história…
O outro anjo
pergunta:
Então?
E ouve a resposta:
-Vou entrar no
rio. Ouvi um aforismo antigo, mas só hoje compreendo. “É agora ou nunca”. No
momento em que vaza. Mas não haverá outra margem. Só vaza quando estivermos
dentro do rio.
3. Alucinação
Outro dos motores de
dinamismo destas cidades que não conseguem encerrar-se em si próprias, estas
lisboas marítimas, estas cidades brancas, é aquilo que, nos contos de António
Alves Martins, aparece sob o efeito da alucinação,
por vezes também chamada vertigem, intensidade ou desmesura, algo tendendo para
o absoluto, e por isso também algo que antecede a morte.
“Querer insistir nesta intensidade, arriscar o absoluto,
não seria uma provocação à desmesura? Não seria esse o momento em que a hybris começava a toldar,
sorrateira, os nossos destinos? Para mim, não.”, diz a personagem do “Jardim
Cesário Verde”.
A alucinação é
simultaneamente o grilhão que prende o andar e o magma indeclinável de onde nascerá
a possibilidade mais radical de superação de uma espécie de loucura, que é a de
perder-se o homem que caminha num labirinto sem saída.
É a alucinação, “sem
juízo, sem argumento” (como a que experimentara aquele que se encontrava “na
plataforma inclinada do cais”), que gerará a(s) perspectiva(s) e, como sabemos,
só estas permitem a projecção no espaço de uma outra imagem, liberta das molduras
que antes parecia impossível quebrar. É do interior quase negro da alucinação, “que
se manifesta nas palavras traços que o homem risca no papel porque ela é desde
sempre o seu centro” (diz-se no “Beco do Jasmim”), … é desta alucinação que
surgirá a claridade.
Passo a ler um
extracto deste conto, a este propósito, mas não só: creio que saberão que o
autor da obra que hoje aqui se apresenta é um profissional da palavra, não só
como contador de histórias e obreiro de poesia (como escritor, assim se diz),
mas também como desenhador dela, dessa palavra que, na sua dimensão escritural,
exige igualmente a compêtencia do artista visual. O troço que vou ler-vos
reflecte, parece-me, essa experiência delicada e rigorosa, mas também
particularmente criativa, do designer gráfico, que já foi tipógrafo e antes
calígrafo. Ora ouçam:
Comecei a
folhear o caderno e de início vi as palavras [“vestígios de
memórias esquecidas”, tinha-se dito mais atrás] que me pareciam filigranas como se fossem as redes que sustêm o risco
provável do trapezista, que suavizam o risco apelando à queda. As palavras
começavam, por exemplo, no canto inferior esquerdo da página e subiam na
vertical sem temor, sem hesitação; depois, bruscas, como que possuídas por
uma vertigem, um demónio, pareciam descer oblíquas em direcção ao canto
inferior direito, movimento que era interrompido por um novo lance, rápido,
para a direita, agora recto, como um precipício que tende para o seu abismo,
derradeiro, e que no último momento é tomado por nova vertigem, agora
absoluta, e rodopia, rodopia, rodopia em direcção ao centro em anéis cada
vez mais precisos, mais ínfimos, até se tornar um ponto.
Podia dar-se o
caso de as palavras começarem por dizer: vou partir / Para outras terras, para outros mares / Para uma cidade
tão bela / Como esta nunca foi nem pode ser... e terminarem, depois de toda essa perturbação circular,
alucinante, assim: queria fechar-se inteiro num poema.
Ou então, num desenho
geométrico quase horizontal, mais dramático, apenas e na ânsia da viagem / eis
que, por fim, / eu parti... para não
interromper o sonho. A inquietação…
Para além das
palavras, em várias outras páginas sucediam-se traços, uns finos, outros
mais espessos, densos, que se cruzavam como se procurassem ferir o silêncio da
página, o que resultava num negro quase total que tudo absorvia e calava.
Mas, súbita,
uma página interrompeu o movimento intercalar dos dedos. E essa página
incluía uma foto, uma foto que tinha anexa a legenda, rasurada: “caminhos que
se bifurcam 1. algures no norte de...”. E foi nesse preciso momento que a
inquietação, esta sombra espessa que me silenciava o desejo, começou,
ténue, a perder a sua espessura quase vulcânica.
A foto era uma
perspectiva tirada a partir de um pátio, …
Seria indelicado,
creio, não referir que a descrição gráfica da página que acabámos de ouvir tem,
assumida, uma primeira inspiração: em certos poemas ilustrados de António
Poppe. E também, ou estarei enganada?, uma homenagem a Italo Calvino no conto
“O Nascimento das Aves” de Novas
Cosmicómicas, de que certamente todos se lembram.
Mas adiante. Falei-vos
há pouco da claridade. E é verdade que a luz desde sempre um cartão de visita de
Lisboa, é outro dos apelos irrecusáveis do espaço aberto que a cidade parece
oferecer a quem a visita e a quem a habita. A luz que chama e anima, a luz que
estende a vista, a luz “em direcção à qual corre, escadas abaixo, a criança” que
entregou ao escritor um caderno misterioso (e isto ocorre no”Beco do Jasmim”).
Acontece que, mais
tarde, vimos a perceber que esta luz de Lisboa (inicialmente operando a possibilidade, o vislumbre, mesmo o milagre da epifania)
pode ser afinal uma armadilha, um trompe
d’oeil, um encantamento falso que, em vez de libertar, aprisiona e estanca
o movimento. A luz, que marcara o rumo do Sul, enquanto o sul fôra o lugar da
esperança, transforma-se a dada altura, na vida da personagem central de Cidades Materiais, numa ameaça: logo nas
primeiras linhas do “Jardim Cesário Verde”, é assim mesmo que os primeiros
raios de luz da manhã são sentidos por ela.
E lê-se em “Cidade branca cidade vermelha”:
Tudo acontecia
agora nesses tempos em que a cidade, Lisboa, era violenta na forma como sugava
qualquer indício de afirmação pura. Diziam-na branca, mas essa tonalidade
não passava de um mero reflexo no calcário da imensidão do rio, simulando um
abismo, uma turbulência, uma inquietação que tornavam a energia num elemento
fóssil, quase invisível. Alguns falavam em saudade, em fado; outros em
aborrecimento, em sonolência líquida, vaporosa, uma urgência de viagem.
Eis a razão por que
esta personagem se vê impelida para outros lugares: primeiro ainda dentro de
Lisboa, depois fora dela. É pois, também, o carácter enganador da cidade
luminosa que justifica novas partidas, sempre em busca da luz, e também da
verdade. Chegar-se-á por fim a Marraquexe.
Deixem-me ler-vos um primeiro momento desses, ainda
passado no “Jardim Cesário Verde”:
O caos do tráfego que passa dilui-se no perfume a menta que chega do café
em frente; memórias do magrebe, neves eternas, cânticos gnawa, vibração do deserto que habita em mim; e
logo a canela e a curcuma e o caril e a noz-moscada numa mescla infinita de
oriente; e também as estepes longínquas nas palavras que soam como lâminas
que cortam a respiração trémula – Eu
vi a luz em um país perdido.
4. Bifurcação
Sigo para uma
nova palavra que seleccionei para a colecção das que persistem no texto de Cidades Materiais e que me parece
constituírem o espólio imaterial do que nelas vai acontecendo: essa palavra é bifurcação.
Com ela se
defronta, por várias vezes, a personagem dos contos. E nesses momentos o homem inquieto e em dilema, o homem confrontado
com uma das experiências mais comuns aos percursos de todas as existências,
sonha uma vez mais. Porque o sonho é, afinal, o que lhe comanda a vida. Sonha
com uma alternativa à compulsão da escolha entre dois caminhos. Sonha talvez,
se o fizéssemos herói de algo mais que um destino individual, se o fizéssemos
protagonista de uma história colectiva, com um abandono corajoso da lei do
binário que durante muito tempo marcou, e marca ainda, o pensamento ocidental e
os aspectos da vida que dele dependem. É sonhando que este homem – cujos
caminhos, oriundos de ruínas, a dado passo se bifurcam, exigindo uma escolha – …
é sonhando que ilude o dilema e recusa a ferida decorrente da tomada de uma
decisão, entre duas. A recusa do no,
a aposta no múltiplo – é o princípio
da viagem.
Ouçam como
prossegue, no “Beco do Jasmim”, a descrição da foto que há pouco aparecia como
uma tomada de vista, uma perspectiva:
A foto era uma
perspectiva tirada a partir de um pátio, ou uma rua interior, e mostrava no
plano de fundo uma abertura para uma outra rua, ou um outro pátio. Um portão,
um arco talvez. Nos dois lados dessa abertura, chamemos-lhe arco, vêem-se, de
um lado, à esquerda, um homem que, apoiado num motociclo, hesita, ao mesmo
tempo que olha para trás, receoso, e no outro, à direita, dois homens que
caminham em frente, decididos, ignorando aquele que olha para trás, que recusa
a aventura. Aquilo, quero dizer, a foto, naquele instante, equivalia ao momento
em que uma decisão é tomada. Sabemos que qualquer decisão marca uma escolha
entre uma afirmação e o seu contrário, a sua negação; o que significa que
escolher implica também uma anulação, uma rasura, uma ferida. Mas nesta foto
o que vejo é a escolha que acontece na coincidência dos opostos, sugerindo que
ela, essa decisão, essa escolha, não determina a anulação do seu
contrário, abrindo, assim, para a possibilidade infinita dos encontros, um
caos de labirintos. Esta é a escolha que, ao afirmar a possibilidade pura,
quando anula o juízo, cala a inquietação. Esta foi a escolha que calou a
minha inquietação.
E depois, no “Jardim
Cesário Verde”, esse troço que podem ler na contracapa do volume.
Dizem-me que a escolha implica a rasura de uma
possibilidade, de um devaneio; que ao determinar o olhar dilui a
inevitabilidade da dança que subjaz ao pacto do amor. Será!?
Quero acreditar que no choque dos
contrários, nessa violência que habita a ambivalência, é possível um movimento
de descanso do olhar, de tranquilo desejo, de pasmo e de alucinação sublime, de
descoberta, de risco. Talvez assim a vida sobreviva, talvez…Esquecer a
morte.
5.
Sul/norte/este/oeste
Os trajectos que
manifestam a cidade, todos estes passos que vimos observando, que parecem
perder-se para se encontrar, que encontram na deriva o sentido mais fiável de
orientação, que desmarcam os roteiros previsíveis e recusam a clausura dos
lugares – a morte – estão porém bem conscientes das memórias concretas impressas
neste e noutros territórios. E por isso não são outras, mas estas as cidades
que encontramos no livro: Lisboa, depois Tânger (a segunda cidade branca) e Marraquexe,
e ainda Tavira, Vila Real de Santo António, Algeciras, Valência, Barcelona, Marselha,
Argel, Paris, Aden, Harar. E bem assim lugares muito concretos como a Rua das Amoreiras, o Largo do Rato, a
Rua de São Bento, o Poço dos Negros, a Mãe d’Água, o Terreiro do Paço.
E pairando sobre
todas estas referências, enquanto coordenadas do espaço, os pontos cardeais, a
que alguns gostam de chamar rosa dos ventos (e quando assim é não consigo
deixar de ver as suas pétalas ao vento…): Norte, Sul, Este, Oeste. Sente-os em
particular aquele que, sentado num banco no Miradouro da Senhora do Monte, onde tinha chegado em busca de
recolhimento e silêncio, se deixa invadir pela “imensidão da cidade, em cortes
sucessivos de colinas marcadas por uma arquitectura líquida, calcária, matizada
por [um] céu que se aproxima do crepúsculo deixando a luz que chegou pelas
costas, na manhã” e sente que vive “no centro dos quartos pontos cardeais e [que]
gira, gira, gira em busca de uma ponte, de um sinal.”
6. Morte
Neste livro a
presença da morte é também
determinante.Alice diz em “Cidade branca cidade vermelha”:
A morte é uma
sombra que me persegue. Não repouso.
A morte é na verdade,
em Cidades Materiais, algo a que o
leitor não pode furtar-se. Chego mesmo a pensar que tudo o que de mais
importante acontece nas histórias deste livro, no modo como cada uma delas se
resolve, traduz um exercício de esgrima em que a morte é um adversário poderoso
e os outros, jogadores sucessivos que lutam incansavelmente para a derrotarem.
Esses jogadores, unidos na convicção de que a Vida é tão certa quanto a morte,
são o sonho, a liberdade, a viagem, o desafio (a que é inerente o risco) e,
mais forte que todos os outros, o amor.
É a constante
presença (e pressentimento) da morte que confere a estes contos, pelo menos a
alguns, um pendor trágico. E, ao mesmo tempo, o que neles se trabalha é,
justamente, a negação da fatalidade.
Em vários momentos da
narrativa, a morte aparece no princípio e no fim, mas raramente é ela que
encerra essa narrativa.
No princípio
encontra-se associada a uma memória e também à rejeição da inércia, da
passibilidade. Outra coisa não poderíamos esperar da alma andarilha, nómada e
inquieta que é aqui a dominante. É a rejeição da morte que obriga a partir – e por três vezes, senão mais, o
remate do movimento dos protagonistas desenvolvido na série “De Lisboa” é a
partida ou a decisão de partir.
permanecer
quieta seria recusar a aventura, pensar frio, ser calculista, e essa não sou
eu. Hesitar, vacilar, seria render-me ao pântano que sem tréguas suga o corpo
para as profundezas do vazio, da impassibilidade. Resta-me partir
é o que pensa a
mulher no passo final do “Jardim Cesário Verde”.
E depois a morte regressa, aqui sim com toda a
tragicidade herdada da longa história da literatura e também da consciência
filosófica. Regressa como uma inevitabilidade, algo que não pode esquecer-se
(ou poderá?), mas que pode sempre iludir-se e até vencer-se. No tal duelo a que
acima nos referimos, não é garantido a quem pertence a estocada final. O
segredo para a vitória cada um de nós o vai descobrindo a seu modo, mas decerto
muitos acabam, mais cedo ou mais tarde, por achá-lo numa espécie de ‘tomada de
posse’ que se traduz em não recusar a vida,
pese embora, a longo termo, a saibamos efémera. E assim também esta mulher que
todas as tardes se senta no banco do “Jardim
Cesário Verde” (e pego na deixa que acima ficou em suspenso), diz:
Resta-me partir. A certeza da morte não pode calar este desejo. Esqueço-a
e arrisco. Se ela me surpreender mais cedo que o esperado, interrompendo brusca
a leveza do momento, pelo menos sei que nesse risco revivi aquele limite que em
tempos senti. E é isso que quero. E isso ninguém me pode tirar, nem a morte.
Vale a pena, ainda a
propósito desta constante, referir uma outra dimensão que dela encontramos no “Miradouro
da Senhora do Monte”. Uma vez mais, como noutras passagens de Cidades Materiais, a história enraiza-se
na experiência do tempo, muito concreta, e do contexto político que explica as
suas mutações: neste conto, evocam-se as memórias do período em que se
assistiu, em Portugal (e um pouco por toda a Europa), aos movimentos da
esquerda extremista, traduzidos aqui e ali em episódios de guerrilha urbana, e
também na deriva para os ópios do oriente, que manifestavam um alastrado
sentimento de decepção e revolta face ao fracasso da utopia de um mundo novo, todo
o imenso sonho que o desmoronamento das ditaduras (e de todo o período que o preparou)
havia alimentado. É com o pano de fundo desta memória histórica que as questões
do absoluto e da morte voltam a ser tratadas: ao entusiasmo dos tempos novos (conduzido
pelo apelo dos poetas e das vanguardas artísticas), vividos sob o signo
impaciente da juventude (a atracção do Sul) suceder-se-ia a desilusão, o ódio e
a rebelião, apontados ao Norte. Mas também, por outro lado, convém lembrá-lo, a
nova utopia do campo e dos ideais ecologistas.
Leio-vos algumas
passagens do “Miradouro da Senhora do Monte”:
Tudo começou, então, no sul, quando o apelo da noite marcava os ingénuos
pássaros diurnos que éramos experimentando o limite quase perfeito da
provocação da morte.
Vivíamos tempos de claridade mediterrânea [e]… [E]ram assim os dias,
completos, diurnos e nocturnos, plenos.
[Avançávamos]…. pelo caminho da revolta e da afirmação do desejo pleno,
da iluminação dada pela palavra dos poetas que líamos incansáveis nas
tardes que invadiam as noites. […]
Tempos estes, primeiros, de desafio do absoluto. A que se seguiram outros,
introduzidos no conto pela partida de uma personagem algo misteriosa, Antero. E
que assim se relatam:
Memórias. Este foi o primeiro momento em que a certeza da morte, pela
emergência da própria memória, começou a definir fronteiras, rumos, destinos,
esquecimentos, arquivos, atentados. A partida de Antero, uma simples partida,
num dia tranquilo de verão, nem sequer muito quente ou húmido, um dia banal
de verão, surpreendeu-nos nesse fim da estrada que era o momento derradeiro da
nossa juventude, o fim da nossa ingenuidade, da nossa impaciência.
E foi então que começou o inferno, nesse litoral que fomos pouco a pouco
esquecendo e trocando pelos labirintos das cidades. E assim crescemos nas
cidades do norte, numa vertigem viagem louca de esgotamento que acreditávamos
nos levaria a um destino: o inevitável. E levou, sim, embora com outras
determinações.
Mais adiante, no texto, são fornecidas as referências:
Maio de sessenta e oito, Paris... e as primeiras fugas... alucinações no
oriente... depois Santiago, em setembro... ainda Abril antes de Moro abandonado
numa bagageira qual resto do festim romano na via Caetani, tempos de chumbo, a
Palestina e de novo as fugas, agora para as margens do Índico...
Rasuras, derivas, esquecimento de nós, silêncio. O que resta? Que
resistência poderemos ainda forjar? [nas[…] cidades esfrangalhadas, agora sem
história?
Tudo isto, e de novo a solução da partida – agora
expressamente assumida como uma fuga:
para Oeste, desta vez a saída possível.
Uma parte do conto a que agora me dediquei, é atravessado
pela letra da canção de Peter Hammill, “Refugies”, mesclada com palavras do
autor. É para elas que agora vos encaminho, girando também eu ao sabor da rosa
dos ventos:
south
prenúncio pleasant fogo lands deserto profundezas secas das águas devaneio líquido dry da matéria
North was
somewhere years ago and cold: / Ice locked the people’s hearts and made them
old.
East was dawn emergindo na explosão do sol lavado pelos ventos gentis
unidade essencial das vontades paz partilha corpos que se envolvem em
verdadeiros remoinhos no verão
West is where I
love, / West is refugees’ home.
7. Memória.
Escrita
Consideremos, last but not least, a importância da Memória.
Ela perpassa toda a obra. Na “Praça das Amoreiras”, surge como uma necessidade, algo que urge recuperar, e que tem um
poder sanador. E desde logo recuperar, não exatamente no plano dos conteúdos,
mas do próprio funcionamento. Nesse conto, o narrador é bem claro:
não eram as
imagens, as palavras, os gestos, as cores e odores ou os rostos que a tecem que
procurava, mas o seu mecanismo, aquilo que faz o tempo suspender o movimento de
um corpo ou de uma palavra e fixá-los no espaço, determinando-lhes um
destino.
Esta
reconstituição do mecanismo serve-se de instrumentos: caminhar é um deles [e,
no caminhar, acolher a deriva: “Havia sempre, mas sempre, alguma coisa que lhe
alterava o sentido dos passos: por exemplo, uma distracção provocada por um
aroma de Cabo verde.” (Praça das
Amoreiras”)]. E mais tarde, em “Cidade branca cidade vermelha”, Vicente, a
personagem central, percebe que caminhar (neste caso empreender a viagem) é “ir arrumando a desordem em que vivia.”
O outro é
escrever. É neste conto, e depois em “Cidade branca cidade vermelha”, que mais
de perto nos encontramos com a personagem do escritor, com um escritor. Para
quem a razão da escrita é justamente a capacidade de fazer dela a tessitura e a
tecedura da memória. O sentido da palavra tessitura, de âmbito musical,
refere-se àquilo que encadeia as partes de um todo; por seu lado a tecedura, a
manufactura dos tecidos, é uma operação, uma arte que lhes dá origem e os cria
a partir de muito pouco: fios, que podem ser, no caso de certos povos menos
ocidentais, também folhas, peles, pêlos e mesmo ossos. Creio que ambas as
metáforas podem aplicar-se ao trabalho de reconstituição da memória através da
escrita, que justamente resgata a palavra do silêncio e do esquecimento. É a
este trabalho que se refere a abertura da “Praça das Amoreiras”, e depois
veremos que ele não é somente nem sobretudo um voltar atrás, mas ousar outra
coisa – lá mais à frente. Essa outra coisa, neste último conto da série “De
Lisboa”, dá pelo nome Beirute.
Beirute que já aparecera n “Jardim Cesário Verde”
como um destino realmente possível para a viagem e que, sendo inicialmente
isso, se transforma progressivamente n’ “um
devaneio da ideia da viagem”, e
depois n’ “uma outra coisa, mais
abrupta, mais inexorável”; acabamos
por ficar a saber que coisa é essa, quando o escritor nos diz: “Beirute não [é]
a memória da cidade material que pensava existir. Talvez [seja] um livro, um
livro por vir”.
Acabei de citar.
E quero tomar o que li como uma declaração. Perante ela, não posso deixar de
dizer: cá o esperamos, a esse novo livro, para já intitulado Beirute. E mais não ouso.
Regressemos à
palavra, esse lugar onde tudo se perde e onde tudo se acha, onde palpita a
inquietação e onde se encontra o sossego.
Regressemos à
palavra, onde a agitação do movimento se apazigua, do mesmo modo que talvez
Beirute (a deriva) deseja regressar a Ítaca (a casa).
Soa na cabeça da
personagem deste último conto, a personagem do escritor, um verso de Cavafy:
Quando partires
de regresso a Ítaca / deves orar por uma viagem longa / plena de aventuras.
Mas Ítaca não é mais
que uma memória que o trabalho das palavras recuperou. Palavras que os
percursos pelo interior de Cidades
Materiais foram deixando chegar e que, no lance final, instalam no coração
da personagem o desejo intenso de partir. É então que se torna irresistível a “saudade
de estar fora”.
Leio-vos o que ela, a
personagem, ou seja ele o escritor, experimentou quando, tendo entrado
clandestinamente na Mãe d’Água, junto à Praça
das Amoreiras, e subido pelas escadas da parede norte, avista o rio:
A perspectiva
que o amplo terraço oferecia, como que vista a partir do tecto do mundo, era a
de um aglomerado irregular de estruturas urbanas que culminava, ao fundo, numa
mancha em tonalidades de chumbo e prata quando tocada pela luz que descia
oblíqua do levante. E aquela mancha era, sabia-o agora, o rio, na sua ampla e
quieta imensidão que dominava a cidade branca, permitindo-lhe uma certa
sensação de caminho cumprido, de chegada a esse centro que procurava desde o
início: a memória da casa.
Mas algo sobrava, porque uma ligeira impressão de uma presença fugaz
permanecia, impedindo aquele respirar tranquilo que liberta o corpo da pressão
do tempo. Deixou o muro do terraço e sentou-se nos degraus que desciam para o
que poderia ser uma piscina seca. Percebeu que não poderia tardar em sair; e
assim fez, regressando ao jardim e ao banco, lugar que sabia certo para rasurar
essa impressão de sombra.
A memória de Ítaca, ou o que ela poderia significar, tinha sido
recuperada, captada nessa viagem de regresso iniciática que culminou com a
subida ao terraço e a visão do rio. Restava Beirute.
“no sé cuál de
los dos escribe esta página”.
Estas são as últimas palavras que constam de um caderno encontrado num
sótão abandonado, faz agora precisamente dois anos. Desde esse dia, quando mo
fizeram chegar, retomei e repeti os percursos nele registados, num gesto
provocado por um pressentimento urgente que me levou, por fim, a este banco
onde me encontro.
À minha direita, o edifício calcário, imponente, resistia ao tempo neste
espaço aberto, sabia-o agora, a um rio. Aqui chegado, percebi que eu não era
outro senão o autor das palavras escritas no caderno, e era a mim que cabia
decifrar, neste tempo, o significado da palavra Beirute.
8. Cidade
branca cidade vermelha
Não quero usurpar mais o tempo desta sessão, e vou terminar
já já com apenas mais um momento de atenção sobre o último conto, extra-série
“De Lisboa”, de que gosto particularmente, e que é escrito com uma outra
dinâmica, mas apesar disso profundamente ligado à série anterior.
Nessa série, por exemplo, tínhamos ficado a saber da
existência de um caderno misterioso que, no “Beco do Jasmim”, vem parar, não
por acaso, às mãos do narrador. É nesse caderno que, entre outras provocações
ou chamamentos, se encontra a tal página de um poema gráfico desenhado em meio
de uma alucinação, que atrás vos descrevi.
Na “Praça das Amoreiras” o narrador confessa que foi num caderno
que lhe tinham entregado havia dois anos, encontrou o desafio que o levara a
“retomar…. os percursos nele registados”: são
esses os percursos que Cidades Materiais
recupera.
Acontece que a “nota necessária” que o autor inscreve no
final do livro informa-nos que
‘Cidade branca cidade vermelha’ reproduz o texto, manuscrito, de um caderno
esquecido numa pensão de Mértola… [que foi] deixado por um viajante que visitou
a vila…., viajava sozinho e não era de trato fácil….
Servem estas observações para realçar um último elemento,
assaz importante, da tecelagem de António Alves Martins: ela recorre muito
frequentemente a estes jogos de cruzamento que nos obrigam a descobrir pontes,
ligações ocultas, sinais que mobilizam expectativas e, muito em especial, como
alvitrei, expectativas de que novos livros deste autor aparecerão dentro de
algum tempo. São igualmente pistas para a busca de filões destinados a coser as
referências na perseguição do sentido – quase como se, de algum modo, também
existisse nesta narrativa um toque de história policial, obrigando o leitor a
vestir aqui e ali a pele do detective. Poderia agora, por exemplo, convidar-vos
a descobrir onde existe o “Al Café”, um estabelecimento que aqui no conto “Cidade
branca cidade vermelha” é localizado junto às docas de Marselha…
Mas o que me parece obrigatório dizer sobre o cruzamento
de referências de que faz uso o autor, é que muitas destas, para além de se
inscreverem na rota interna das histórias e das suas personagens, expandem-se
para além delas – fazendo remissões algo frequentes para textos e canções,
outros autores e outros imaginários: o que, só por si, já é próprio daquilo
que, no que respeita ao escritor de Cidades
Materiais, é uma espécie de parceria com Jorge Luis Borges, uma das inspirações
muito evidentes do diálogo inter-autoral a que estou a referir-me. Mas há
também, como já fui anotando, Cavafy e Peter Hammill, Herberto Hélder e Rosa
Oliveira, Paul Bowles e ainda outros que encontrarão identificados.
Não vou contar-vos a história de “Cidade branca cidade
vermelha”, mas sei que vão gostar muito de chegar a ela depois da série
inicial. Tem como principais personagens Vicente, Alice, Malloufe, Raimon, Theo
e ainda Marta – esta última que, de algum modo, personifica aquilo que
atravessa todo o livro e de que já falei abundantemente: o esgotamento do sonho
e a consequente necessidade de partir.
Dizer-vos apenas que o fôlego deste texto manifesta, de
um modo triunfal, o fôlego da vida vencendo
a morte. E por isso ele é
absolutamente necessário depois de tudo o que havia acontecido na série “De
Lisboa”, atravessada, toda ela, pela certeza de que partir acabaria por ser
inevitável. É Marraquexe quem acolhe o homem que finalmente deixou Lisboa, o
viajante, e é Marraquexe, a cidade vermelha, a cidade-oásis, que pulsa no final
do livro, com toda uma outra atmosfera física e humana diferente da de Lisboa,
com outro horizonte. De Marraquexe se diz a páginas tantas:
A cidade vivia o ritmo habitual dos movimentos incessantes dos habitantes,
entretidos nas suas trocas materiais, muitas vezes do espírito. Em fundo, a
imagem sempre constante das montanhas; uma marcação própria da cidade,
inspiração de guerreiros, comerciantes, arquitectos e operários que
laboraram, cada um à sua maneira, para o buliço, a energia, a arquitectura de
palácios e jardins, a sua beleza. Todos trabalhando para esse fim único. Só
quem visitou a cidade pode entender a carga emotiva e essencial que emerge da
visão súbita ao dobrar de uma esquina, ao subir a um terraço, dessa linha
final no horizonte. Uma linha espessa, materialmente intensa. Mágica.
O livro fecha com um poema precioso (havia outro, como se
recordam, no início) e, mesmo antes do poema, com o nascimento de Theo, a quem
Vicente, segurando a criança e erguendo-a “em direcção à noite estrelada”
indica o caminho:
Desfruta, Theo, e nunca desistas do sonho.
Subscrever:
Mensagens (Atom)