sábado, fevereiro 22, 2014
segunda-feira, fevereiro 10, 2014
Novos rostos, novas vozes para outra poesia portuguesa - Artes - DN
segunda-feira, fevereiro 03, 2014
Literatura para a Infância e a Juventude e Educação Literária
Crónicas Peugeot: «Não sei se algum dia partirei da fábrica»
«Não
sei se algum dia partirei da fábrica. Porque vou contar-te uma coisa
perfeitamente parva, mas... há um ano, estivemos uma semana no desemprego,
mesmo antes das férias, portanto isto dava cinco semanas. Ao fim de quatro
semanas de férias – estávamos perto de Cherbourg – já não dava mais. Estava a
bater mal lá. Estava a bater mal, fui obrigado a vir embora. Sabes, uma espécie
de necessidade masoquista. Não estava bem. Quatro semanas, tudo bem, vês:
recuperas fisicamente, fazes o ponto da situação na tua cabeça, tudo bem,
descontrais... e depois, dizes para contigo: ‘O que é que me espera quando
regressar? Portanto preciso de voltar. Preciso de voltar para ver, para estar
ali porque... Começo a estar farto das férias, começo a andar às voltas. Ando
aqui a coçar os tomates, tenho que bazar’. E foi o que nos aconteceu. Viemos
embora uma semana antes. Demos cabo de uma semana de férias para vir embora.
Precisava de ir ver a fábrica durante as férias, vês, quando a fábrica está
parada. Ir diante da porta e dizer para comigo: ‘Merda, mas como é que a gente
vai fazer para desmontar esta coisa?’ Fazer isto...
Crónicas Peugeot, de Michel Pialoux e Christian Corouge. Deriva
De «Compositores do período barroco», de José Ricardo Nunes: Pergolesi, Giovanni Battista
PERGOLESI, Giovanni
Battista
(1710-1736)
Só o breve, curto
verso que em Pozzuoli,
no derradeiro Inverno, não ousei
apontar para não interromper
a composição do Stabat
Mater, teria feito
justiça à minha vida, eu que mal
dispus dela, a despejá-la
à pressa, servo e senhor
ao mesmo tempo, como procurei
desajeitadamente esclarecer
no intermezzo, incapaz
de mando, obediência, prestes
a desconjuntar-me.
De «Suicidas»: Jack London, de Henrique Manuel Bento Fialho
JACK LONDON
Vou falar-te de excessos. Já
estive à beira da morte. Pensando no assunto, estamos cada segundo das nossas
vidas à beira da morte. A vida é um excesso, o meu nome é excessivo, eu
acredito que não acredito em nada, a minha boca é excessiva. Vou contar-te do
excesso. Vou contar-te de um corpo pendurado a seis passos do chão, a balouçar
como se fosse um ponteiro de um relógio danificado, e o tempo a passar pelos
músculos rasgados de tanta força fazerem para trazerem de novo à tona o corpo
pendular. Vou contar-te da jóia negra que um dia comi sem sabê-la contaminada.
Nunca fiz o teste, receei o resultado. Vou contar-te de uma coisa parecida com
um corpo humano a saltar de um veículo em andamento, numa estrada atlântica
ladeada de canaviais onde tantas vezes procurei esconder-me das luas cheias que
me açoitavam as hormonas. Vou falar-te de uma orgia a céu aberto, com dois
corpos rebolando-se sobre as brasas extintas de uma fogueira apagada, e de como
cada um desses corpos ao rebolar-se daquela maneira deixou escrito a carvão, na
pele que trazemos sobre a nossa própria pele, o quanto era importante activar
todas as glândulas num único sentido: o do excesso que nos faz sentir vivos nem
que seja por brevíssimos e esplendorosos e absolutamente únicos instantes. Vou
falar-te de uma salada de maconha, respiração boca a boca em pleno deserto, com
o mundo inteiro a transformar-se numa miragem. Quando morreres, que te prestem
contas pelo que não fizeste. Que a vida te seja proveitosa no céu. A vida é um
alvo ao alcance da mira excessiva, a vida é a bala em trânsito. Às vezes compro
caixas de lua cheia e devoro-as num segundo, só para sentir o açúcar a
embebedar-me o sal do sangue; sempre que bebo, bebo predispondo-me para a
bebedeira com que um dia levantei ao ar um caixote do lixo com nome de mulher.
Tinha um nome complexo. A revolução acabou de começar, mas é já a história a
repetir-se. Isso mesmo, a revolução acabou de começar, mas é só a história a
repetir-se. Toma lá um bafo, leva-o bem ao fundo dos pulmões, encolhe a
respiração, explode de alegria e, faz-me esse favor, não lhe chames artificial.
No fundo, é apenas a chama do riso a ser ateada. E nos meus pulmões o ar dos
teus pulmões refazendo, como se diz, toda a perspectiva do mundo. Os meus olhos
vêem-te por todo o lado sob todas as formas. E eu mudo-te o nome a cada
instante. És igualzinha a um banho de sol em delírio, a uma guitarra
distorcendo as ancas que dançam e pulam e giram e se abanam como se quisessem
espanar do ar as poeiras que o vento traz. De onde traz o vento todas estas
poeiras? Não quero saber. Já preparei a mochila, em breve seguirei por aí à
procura de um rumo para os estilhaços espalhados pelo chão. Estou no ir. Há
algo no ar que o vento traz, estou no ir. Todas as evidências enterradas, um
passado inteiro atirado para a berma da estrada, estou no ir, uma ossada
ganhando músculos, desabrochando, os nervos crescendo no corpo como uma flor na
terra, sementes de pele rebentando sobre a carne viva, desnascer só pode ser
isto, estar no ir, e eu estou a chover dentro de mim próprio para que alguma
coisa nova nasça, estou a fecundar as terras do meu corpo para que alguma coisa
nele brote, alguma coisa que se possa cultivar sem os cuidados exigidos das
hortas lavradas, alguma coisa selvagem, um silvado carregado de amoras, um
silvado excessivo onde alguém um dia mergulhará cada um dos seus anseios para
de lá sair com o corpo cravado de espinhos, estou a flectir as pálpebras, a
revirar os olhos para melhor observar o que dentro me vai impedindo de estar em
sintonia com o que está fora, estou no ir. Para os teus banhos de sol, uma das
minhas caixas de lua cheia. Podes ficar com a poesia.
Dos Espaços Confinados, de Catarina Costa. Um trecho
V
Vagueio indefinidamente
nas ruas sossegadas, ando até cansar o corpo em acordo com a alma, dói-me até aquele
extremo da dor conhecida que tem um gozo em sentir-se, uma compaixão materna
por si mesma, que é musicada e indefinível.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
A produção das coisas do mundo fascina-o e oprime-o.
Acorda querendo ouvir debaixo de si as grandes rodas da maquinaria, apesar de
não ser mais que um operário a fazer render o material que lhe dão para as mãos
no isolamento do seu posto. O ruído das máquinas embala-o ao longo das horas,
amolecendo-as, oferecendo o prazer de as esquecer, o deleite de não guardar
mais do que o seu movimento infernal. Porém, às cinco da tarde sai da fábrica e
é deixado a sós com as suas suposições de vida que depressa se traduzem na
necessidade de dar um sentido à constância do aperto frio no peito. E o extravasar
da alegria ao longo destes anos de juventude é um longo júbilo tosco, gáudio
que brota e se encaminha para a morte. Logo no primeiro dia, acabado de chegar
à cidade fabril, ao mesmo tempo que acabando de encontrar o cenário ideal para
os seus passeios demasiado desatentos ao próprio cenário, soube que ali lhe
seria dado espaço para dar vazão aos seus dons subterrâneos para a alegria.
Quantas vezes, desde então, ele passa entre os carros repetindo o roteiro desse
primeiro dia, quando descendo do miradouro, de onde nada observou, à praça, em
cuja estátua ao centro não viu mais que um monólito, percebeu que era por ali
que poderia andar, sozinho, até ao soçobro. Por vezes, para aplacar a
indispensabilidade do prazer, corre por atalhos afastados que o levam ao teatro
ver uma peça que põe em cena, com toda a parafernália, alguma das suas
obsessões. É porém certo que quando regressa, a cena derradeira da peça é-lhe
já indiferente e sente apenas as influências do clima no corpo enquanto avança
nas ruas, indefinidamente, sem que nenhum obstáculo súbito embargue os passos
que se queriam deter em alguma circunstância.
domingo, fevereiro 02, 2014
Curso de Literatura. Shakespeare em crise. Miguel Ramalhete Gomes
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