sábado, fevereiro 05, 2011

Palavras, Palavras [poetas na Elle de Março]

[por Inês Fonseca Santos, Elle, Março 2011]


«A matéria delas são as palavras. Simples, como elas definem as dos poemas que escrevem. Mesmo que às vezes lhes faltem, ou demorem a cair no papel, as palavras delas permanecem; mesmo que se fechem as páginas que elas têm publicado, as vozes delas continuam a ouvir-se. Porquê? Porque nos levam pela mão e «grande é a mão que toma a de outrém/ sem prepotência».
Elas são Margarida Vale de Gato (autora dos versos citados), Catarina Nunes de Almeida, Filipa Leal, Margarida Ferra e Renata Correia Botelho. Nasceram entre o fim dos anos 70 e o início dos 80, e é mais antiga do que elas a relação que têm com a poesia. De que outro modo poderiam dialogar com poetas medievais, como faz Catarina; com Borges, como faz Renata; com Sylvia Plath, como faz Margarida V.G.; com Marguerite Duras, como fazem Filipa e Margarida F.? São exemplos, apenas. Ou provas de que os poetas escrevem com a memória. «Não é uma condenação, é uma benção», assegura Renata. «Se um dia não for capaz de dialogar com a memória e com o que nela vive (filmes, quadros, vozes, os pássaros e o mar, roulotes no meio da neve), quero ter a certeza de que não escrevo mais».


Assim se cumpre o ofício destas poetas. Ou poetisas? Pouco lhes importa, até pelo facto de, como sublinha Margarida F., «as palavras não valerem por si, mas pelo lugar que lhes é dado». Catarina, para quem «o poeta é um arqueólogo da linguagem», não o distingue da poeta, tal como não distingue o malabarista da malabarista. «A palavra é um género em si mesma», acrescenta Filipa. E lembra um verso da brasileira Marize Castro: «Amo as palavras./ Por elas também virei homem». Na verdade, apenas porque Filipa um dia deixou escrito: «Esta sou eu que fiz uma pausa na palavra».

E a palavra pode ser «bolso, miopia, pássaro» (Margarida F.) ou «chuva e pólvora» (Margarida V.G.); seja qual for, ao tornar-se habitante dos poemas destas autoras, adquire «um certo grau de nevoeiro» (Catarina), aproxima-se das «fronteiras silenciosas dos mundos» (Renata). Significa mais – e, por isso, escolhemos lê-las. Aqui, são elas que escolhem. E assinam autobiografias sumárias. Como um dia fez Adília Lopes. Desviam-se dela. A poesia é isso mesmo: um desvio capaz de transformar atalhos em v(e)ias principais, comunicantes.

A poeta que, em Bailias, o terceiro livro, recria cantigas de amor e amigo diz não ter jeito para falar de si. Mas deixa pistas.


«O que escrevi, desde cedo, tinha uma dimensão física grande. De certo modo, o meu crescimento nas palavras acompanhou o cres¬cimento do meu corpo. Quando começamos a escrever, estamos comprometidos com a nossa aldeia de afectos, com o nosso umbigo. Não retiramos grande a brincar aos poetas-fingidores. Falta, nos primeiros poemas, pouco de sombra»




Uma canção: Hey, That's no Way to Say Goodbye, de Leonard Cohen.
Uma cantiga de amigo: Cantiga de Amigo, dos meus amigos Guta Naki.
Uma cantiga de amo: Valsinha de Chico Buarque.


 
Filipa Leal

Um dia será conhecida a verdadeira autobiografia de Filipa Leal. Menos sumária do que a de Adília Lopes.
«Nasci em 1979, ano em que Mar­garet Thatcher se tornou a pri­meira primeira-ministra britânica. Quando era pequena queria ser cientista ou palhaço. Tinha, como se calcula, a mania das grandezas. O primeiro poema que escrevi não era um poema. Era uma folha de Outono que apanhei do chão e que pedi à minha avó Isabel para enviar à tia Zélia»


Um filme. India Song, de Marguerite Duras.
Uma cidade. Porto, meu marido; Londres, minha ex-mulher.
Um verso que sabe de cor. As coisas. Que tristes são as coisas consideradas sem ênfase. (G. Drummond de Andrade)



[por Inês Fonseca Santos, Elle, Março 2011]