quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Inês Santos Fonseca conversa com Filipa Leal


[A propósito do artigo da Elle (ed. Março) sobre 5 poetas portuguesas, eis todas as respostas de Filipa Leal]


 
Inês Santos Fonseca. A Adília Lopes escreveu a sua autobiografia sumária (e é simultaneamente uma autobiografia simultaneamente ligada ao real e à poesia, à vida e à obra). Consegues escrever a tua?


Filipa Leal. A minha autobiografia é muito pouco sumária, Inês, como viste no texto que entretanto foi publicado na edição d’A Cidade Líquida em Espanha: http://www.sequitur.es/la-ciudad-liquida-y-otras-texturas/. Sei que é longo, mas a minha resposta aqui seria esse texto.

IFS. Lembras-te do primeiro poema/ verso que escreveste? Tinha alguma palavra no feminino?

FL. Cheguei recentemente à conclusão de que o primeiro poema que escrevi não era um poema. Era uma folha de Outono que apanhei do chão e que pedi à minha querida avó Isabel se enviava para uma tia dela muito simpática que vivia em Lisboa, a tia Zélia. Sendo assim, o meu primeiro poema tinha pelo menos três palavras femininas: folha, Isabel, Zélia.
IFS. Hoje, no século XXI, ainda se escreve poesia no feminino ou o(s) género(s) caiu(caíram) em desuso?

FL. Há uma poeta brasileira muito interessante, Marize Castro, que a certa altura escreve: “Amo as palavras. / Por elas também virei homem.” É também através da palavra que viramos, mulheres e homens, os géneros do avesso. A palavra é um género em si mesma.

IFS. E voltando ao nosso século XXI, ainda temos palavras para usar, para gastar nos poemas (quer seja no feminino, quer seja no masculino)? Ou já foi tudo dito como se anunciava nos anos 70 do século passado?

FL. Enquanto continuarmos a gastar a vida, a gastar a imaginação, haverá sempre palavras para gastar no poema.

IFS. E há palavras para recuperar? Como, por exemplo, a palavra "poetisa"?

FL. Sim, talvez seja tempo de recuperar a palavra poetisa. Há uma solenidade quase excessiva na palavra poetisa que me interessa cada vez mais. A antologia da Adília Lopes organizada pelo valter hugo mãe (que tudo o que faz, faz bem) tem um título que alterou a minha visão desta palavra “polémica”: «Quem quer casar com a poetisa?». Apetece dizer: eu quero. Ou então ir para a janela de casa perguntar o mesmo.

IFS. E tu és poeta ou poetisa?

FL. Como escrevi no texto «A Varanda» (publicado na revista Mealibra e mais tarde na antologia luso-brasileira «Um Rio de Contos»): “Esta sou eu que fiz uma pausa na palavra”.

IFS. Março é o mês da Primavera, e a Primavera costuma associar-se à mulher, ao feminino. Lembro-me de uma história em que o Manuel António Pina dizia ter levado anos para conseguir usar a palavra "pétala" num poema. Conseguiu, mas assumiu que sempre teve medo dessa palavra. Alguns poetas - homens - têm realmente medo de algumas palavras. E tu, Filipa, consegues identificar palavras que te assustam, de que desconfias, e que recusas quando escreves?

FL. Durante muito tempo, tive medo da natureza. E por isso, até alguém me lembrar que o mar também era a natureza, não me sentia, por uma questão de pudor, no direito de escrever sobre uma coisa que não compreendia. Tinha medo das palavras da natureza.

Via Facebook de Inês Santos Fonseca.