Regresso ao livro mas sou incapaz de me concentrar. Olho em redor mas nada me capta a atenção, nada me entusiasma a curiosidade; a miúda continua a correr de um lado para o outro, juntamente com outros miúdos. Há mais mães espalhadas pelos bancos (óculos escuros no cimo da cabeça e telemóveis nas mãos, olhares absortos), alguns casais de avós com máquinas fotográficas nas mãos e tristeza (ou será apenas indiferença?) nos olhares;gritos distantes da gente que joga futebol na outra ponta do parque misturados com os ruídos do tráfego da cidade, dissolvendo-se no sussurro dos pássaros escondidos pelas árvores.
ELE (curioso): Qual é a tua?
EU (apontando): A que tem o boné cor de laranja.
[...]
Fico a Vê-lo afastar-se, caminhando lentamente; o cão vai farejando o chão, um pouco mais atrás, indiferente ao dono. Há crianças que param durante uns instantes a olhar o cão mas nenhuma se aproxima, talvez receosas, talvez envergonhadas.
Um homem passeia o cão. Como eu que passeio a minha filha.Paulo Kellerman, Chega de Fado
Chega de Fado, o quarto livro de contos de Paulo Kellerman editado pela Deriva, representa a consolidação do percurso discreto mas sólido, e em diversos aspectos ímpar, que este escritor tem vindo a desenvolver. Explorando ao máximo as potencialidade na narrativa breve e marcado por uma construção original. Chega de Fado é um livro habitado por vinte personagens que, unidas em duplas, compõem dez “capítulos” que o formam; em cada um destes “capítulos” (verdadeiros esquissos de potenciais romances), as estórias vão-se sucedendo sob diversas formas narrativas (contos, micro-narrativas, diálogos dramáticos) e evoluindo ou desenvoluindo até à inevitável, e por vezes inconsequente, confrontação total.
Desta multiplicidade de estórias, formatos e vozes nasce uma radiografia desapaixonada e incisiva do quotidiano, um retrato cru dos gestos e dos silêncios, das banalidades e das frustrações, das esperanças e dos secretismos que atravessam as relações e caracterizam a precariedade e imprevisibilidade dos comportamentos e sentimentos de todos nós. Numa escrita elegante e sensível, Paulo Kellerman compõe ambientes urbanos e impessoais perpassados pela omnipresença da incomunicação e da melancolia, ambientes sombrios povoados por seres ávidos de intimidade e compreensão mas incapazes de alcançar uma qualquer forma de felicidade, mesmo que transitória. Ambientes saturados de pessimismo e desânimo, de apatia e solidão, de impotência, de desconforto existencial; até que alguém se insurge e grita chega de repetição e passividade monotonia, chega de lamúria; chega de fado.
Desta multiplicidade de estórias, formatos e vozes nasce uma radiografia desapaixonada e incisiva do quotidiano, um retrato cru dos gestos e dos silêncios, das banalidades e das frustrações, das esperanças e dos secretismos que atravessam as relações e caracterizam a precariedade e imprevisibilidade dos comportamentos e sentimentos de todos nós. Numa escrita elegante e sensível, Paulo Kellerman compõe ambientes urbanos e impessoais perpassados pela omnipresença da incomunicação e da melancolia, ambientes sombrios povoados por seres ávidos de intimidade e compreensão mas incapazes de alcançar uma qualquer forma de felicidade, mesmo que transitória. Ambientes saturados de pessimismo e desânimo, de apatia e solidão, de impotência, de desconforto existencial; até que alguém se insurge e grita chega de repetição e passividade monotonia, chega de lamúria; chega de fado.
Chega de Fado nas livrarias e na loja online da Deriva.