Poema retirado da Revista Nova 1, Inverno de 75/76.
O que existiu entre mim e as figuras desfeitas pelas sombras
por escultores? Os bustos entre as abóbadas dos jardins mortíferos
com cálices espadas as legendas intactas de cada autor
que é único e consuma um desejo ou o terror deixaram-me atónita.
Perante o agrupamento mítico das chamas das charruas
e das rodas recolhia-me longe do veneno destilado pelas bocas
do mal das pedras antigas. Uma estátua com o tridente
um jorro de sangue sobre os limos o meu coração esvaído desfigurado
pela saudade instintiva de todas as formas do mundo antes de nascer
aquela escultura que não evoca a ninguém a cronologia mas o seu corpo entrelaçado
à náusea a convicção de que a história da circum-navegação grega
se perde e de que a desfiguração do passado é exacta instantânea.
Esse corpo fendido de que brota para o ócio a água ordena
o jogo dos arcos com uma cruz na transparência a marca
da vida vulnerável na morte dos personagens da batalha
que no socalco no sopé em torno da coluna sombreada
pelas glicínias plantas que rastejam e adornam partes do tórax
de século para século acompanham a nudez do obelisco
das filas de habitantes imóveis destinados à cena
do reverdecer das ervas subterrâneas. Quando na praça o pavor que a eternidade
no jardim me comunica através da distribuição dos afectos da relação
e da exaltação que as figuras petrificadas ao viver entregues às sombras hirtas
me transmitem quando me sento no interstício do conjunto bélico nos reflexos
de lanças quando observo o alheamento a paz com que os destruo.
fotografia de Maria João Palla
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