Capa de Gémeo Luís
É já em Fevereiro que a Deriva publicará Os Mundos Separados que Partilhamos. Metemo-nos à conversa com o Paulo Kellerman sobre o livro e outras coisas. Que seja a primeira de muitas é o que lhe desejamos.
Paulo, depois da edição de Gastar Palavras qual o balanço que fazes do livro, dos contactos com os leitores, das reacções de amigos?
PK- Faço um balanço extremamente positivo; o livro surgiu de forma natural, no momento exacto, e encerrou um capítulo da minha vida e da minha escrita, de certo modo libertou-me, permitiu-me continuar, crescer. Contém as estórias de que, naquela ocasião, mais gostava e é, parece-me, um objecto muito bonito, graças ao soberbo trabalho gráfico do Gémeo Luís.
Teve um percurso curioso porque a atribuição do prémio da APE lhe deu uma segunda vida, resgatando-o ao medonho destino de passear durante dois meses pelas livrarias e depois desaparecer, silenciosamente.
Proporcionou-me algumas surpresas, revelou cumplicidades inesperadas; causou uma forte impressão em meia dúzia de pessoas e mais não posso pedir.
A atribuição do Grande Prémio de Conto APE/CM Famalicão não te foi indiferente. Eu estava lá e vi que estavas, digamos, entre o comovido e um pouco incomodado. Hoje, a esta distância, o que achas do prémio. Algo mudou?
PK - Foi um pouco inesperado porque sempre me habituei a considerá-lo o mais importante e prestigiado prémio na área do conto, em Portugal. E foi-me atribuído à primeira tentativa, aos trinta e um anos de idade. Uma valente surpresa, que me alegrou e motivou muito.
Durante uns tempos ainda cometi a imprudência de me julgar importante mas, felizmente, passou depressa.
Diz-me como convives com estes dois aspectos aparentemente contraditórios: por um lado, pertences a uma geração (se assim se pode chamar) que veio directamente do DN/J onde pontifica Pedro Mexia, Possidónio Cachapa, José Luís Peixoto e Pedro Rolo Duarte que, aliás, te acompanhou na apresentação do livro em Leiria. Por outro, temos um outro grupo, extremamente interessante, que, na blogosfera, terá uma posição «não alinhada» com qualquer «corrente» literária. Como convives com as duas realidades?
PK - Para ser sincero, acho que não convivo muito com ninguém, estou um bocadinho à parte. Principalmente por feitio e opção: detesto insinuar-me, aparecer nos sítios certos, o que me prejudica um pouco; e sou ainda suficientemente ingénuo, ou utópico, ou estúpido, para acreditar que o trabalho pode valer por si, que o que conta é o que se escreve e não quem se conhece, onde se vai, quanto se vende. Mas também porque escolhi um formato literário que parece não ser muito apreciado (literária e comercialmente), que por vezes até é desconsiderado; acha-se muito interessante quando um Grande Romancista decide aproveitar os tempos mortos e escreve uma dúzia de contos; e quando um Grande Poeta se lembra de publicar o seu livrinho de histórias o povo delira e a crítica exulta. Que surja alguém que decida conscientemente, sem obedecer a estratégias nem fazer concessões, concentrar o seu esforço de criação na narrativa breve, no conto, na estória, é olhado com alguma sobranceria.
Não me lamento. Simplesmente, constato; e sigo em frente
Blogosfera onde continuas a publicar, não é? Qual a importância de A Gaveta do Paulo? Publicas lá para sentires o «pulsar» dos leitores? Ou por outra qualquer razão?
PK - O blogue começou por ser um mero complemento do Gastar Palavras, um arquivo público (que o conceito "gaveta" caracteriza bem) para onde iam as estórias que não estavam no livro mas poderiam estar. Depois, evoluiu para uma espécie de portefólio do meu trabalho, um veículo de divulgação. E, naturalmente, com o tempo, acabou por ser por lá que foi crescendo o embrião do meu próximo livro.
Paralelamente, serviu sempre de incentivo à escrita porque me impus um certo ritmo de publicação, obriguei-me a escrever para o alimentar. Foi também, e continuará a ser, um importante espaço de experimentação, temática e técnica, de reflexão sobre a minha escrita, de teste.
E depois há as pequenas alegrias, os pequenos prazeres que apenas o blogue, pelo seu carácter imediato e interactivo, pode proporcionar; um comentário inesperadamente generoso que surge, algum blogger extraordinário que se lembra de adicionar um link para a Gaveta, uma crítica virulenta que me obriga a pensar: pequenas satisfações que iluminam a monotonia dos dias.
Pareceu-me, aquando da apresentação do Gastar Palavras, que manténs uma relação muito próxima com os teus leitores. Como o fazes? És tu que provocas essa proximidade ou é inerente aos teus contos? Lembro-me da Filipa Leal que, aqui no Porto, e na apresentação do Gastar Palavras, referiu essa ligação muito íntima que se estabelece entre o leitor e a ambiência criada pela tua escrita. Alguns críticos têm referido isso mesmo. Que tens a dizer?
PK - A proximidade surge, suponho, por inerência à temática das minhas estórias, porque escrevo sobre sentimentos e situações de algum modo elementares e universais, extensíveis a todos; e pode surgir um certo grau de identificação, o leitor pode dar por si a pensar: isto podia ser eu, já passei por aqui. Claro que pensar isto é um tremendo pretensiosismo da minha parte; mas não é por isso que deixo de perseguir esse objectivo: que o leitor crie empatia com o que lê.
Não pretendo entreter nem distrair, não ambiciono resolver o mundo, não quero alegrar a vida de ninguém. Limito-me a escrever (que é um modo de reflectir) sobre o que me inquieta ou surpreende ou fascina, certo de que outras pessoas se inquietam ou surpreendam ou fascinem com os mesmos assuntos.
Quais são as tuas legítimas expectativas para Os Mundos Separados que Partilhamos? Achas que sentirás o «peso» dos prémios que te foram atribuídos no ano passado? Estamos a falar não só do Grande Prémio da APE, mas também do Manuel da Fonseca e do Teixeira Gomes! Levanta lá um pouco o véu sobre este teu último livro, também!
PK - Parece-me que Os Mundos… é um livro francamente superior ao Gastar Palavras, mais denso e multi-direccional, mais maduro e ambicioso, mais incisivo. As estórias seguem em diversos rumos e exploram possibilidades opostas, mas acabam por resultar numa razoável uniformidade e complementaridade temática, formam um universo homogéneo, que de algum modo espelha e concretiza as tais inquietações que despoletaram a escrita de cada estória. Por isso, confesso que não sinto grandes "pesos" porque acredito que este livro é melhor que o anterior, a diversos níveis.
Quanto a expectativas, nem sou muito ambicioso: gostaria simplesmente que daqui dois, três meses o livro não estivesse comercialmente morto e literariamente esquecido.
Porto/Leiria - 20 de Janeiro de 2007