Festival Fim d'Ano (com concerto de passagem do ano)
de 29 de Dezembro a 1 de Janeiro
na Cripta do Marquês ( situada atrás da Igreja do Marquês (à Pr. do Marquês de Pombal, no PORTO)
Concertos e danças de músicas étnicas e tradicionais:
SEXTA-FEIRA, 29 DEZEMBRO
22H00 Mú
24H00 Monte Lunai
SÁBADO, 30 DEZEMBRO
18H00 Mosca Tosca acústico (bar)
22H00 Zef
23H45 Show de Dança Oriental
24H00 Uxu Kalhus
DOMINGO, 31 DEZEMBRO
18H00 Uxu Kalhus acústico (bar)
22H00 Naragonia (Bélgica)
24H00 Zef (França)
SEGUNDA-FEIRA, 1 JANEIRO
16H00 Naragonia
domingo, dezembro 31, 2006
Boas entradas para 2007: uma proposta decente
sábado, dezembro 30, 2006
Hoje, no Expresso, Filipa Leal como uma das 27 jovens promessas
O seu último livro, «A Cidade Líquida e Outras Texturas», impressionou Eduardo Prado Coelho ao ponto de lhe dedicar uma página inteira do «Mil Folhas», atulhada de elogios. Mas a verdade é que é muito fácil ficarmos impressionados com ela. Aos 27 anos, já arranjou tempo para escrever três livros, e fazer uma licenciatura em jornalismo na Universidade de Westminster (Londres), um mestrado em Literatura Portuguesa e Brasileira, no Porto, e um ano de estágio no Ballet Teatro. Para se ter uma dimensão um pouco mais completa da sua hiperactividade é bom sabermos que investe as noites de 5ª feira no Teatro do Campo Alegre, milita no grupo de intervenção cultural Caixa Geral de Despojos e colabora no suplemento «Artes e Letras», do «Primeiro de Janeiro». Se ficou cansado só de ler estas poucas linhas, imagine-a a ela, que vive esta vida, e perceberá logo porque é que Filipa promete viver o 2007 sem pressas - mesmo que numa correria.
Texto de Jorge Fiel
Texto de Jorge Fiel
quinta-feira, dezembro 21, 2006
Sophia de Mello Breyner Andresen e a sua obra para crianças e jovens, por José António Gomes
Segundo testemunhos da própria Sophia de Mello Breyner Andresen, a sua obra para crianças nasceu como reacção contra o infantilismo de alguma literatura que, nas décadas de 40 e 50, era dada aos mais novos: «Comecei a inventar histórias para crianças quando os meus filhos tiveram sarampo» — lê-se num depoimento publicado em 1986. «Mandei comprar alguns livros que tentei ler em voz alta. Mas não suportei a pieguice da linguagem nem a sentimentalidade da “mensagem”: uma criança é uma criança, não é um pateta. Atirei os livros fora e resolvi inventar. Procurei a memória daquilo que tinha fascinado a minha própria infância. (...) Nas minhas histórias para crianças quase tudo é escrito a partir dos lugares da minha infância.» (in Soares (org.), 1986: 19).
Não surpreende assim que, nestes contos, seja possível redescobrir referências ao Natal, à viagem ou a certos espaços quase mágicos, como o mar, a praia, a casa, o jardim e a floresta, que marcam também presença na lírica de Sophia e nas suas narrativas «para adultos»: Contos Exemplares (1962) e Histórias da Terra e do Mar (1984). No seu conjunto trata-se, de facto, de uma produção de grande unidade ideotemática e estilística, acerca da qual Maria Graciette Besse (1990: 11) escreveu: «A obra poética (...) exprime o amor da vida e uma profunda exigência moral, através de símbolos marinhos e aéreos, que revelam um cunho visionário e uma constante busca da perfeição. Esta exigência, herdeira da liberdade e da luta pela dignidade do ser, encontra-se também nos textos em prosa.»
A prosa de Sophia destinada a crianças, cuja harmonia no plano rítmico é por de mais evidente, produz um efeito quase encantatório, sendo as obsessivas enumerações presentes na sua prosa servidas pela sábia combinação de nome e adjectivo e por uma sintaxe peculiar que recorre com frequência a estruturas de tipo anafórico, ao polissíndeto e ao assíndeto. Das imagens emana uma sensorialidade que encontra paralelo num discurso fluente, marcado por aliterações e assonâncias, cujo léxico (obsessivo) se reporta sobretudo ao mundo natural, fixando-se nos elementos ligados à água, à terra, ao ar e ao fogo. Se, no plano sintáctico, esse discurso procura quase sempre ir ao encontro da limitada competência linguística do seu destinatário extratextual – a criança –, nunca resvala para a facilidade; antes encontra, em certas estruturas frásicas e textuais aparentemente elementares, o modo mais adequado de exprimir a beleza do mundo, a complexidade dos sentimentos e das fantasias pessoais. À maioria dos contos que constituem esta obra não é estranho o conhecimento da literatura de fantasia nórdica e anglo-saxónica, registando-se evidentes relações dialógicas quer com a restante obra lírica e narrativa da autora (v. Rocha, 1980: 65, sobre a intertextualidade homo-autoral), quer com grandes clássicos da literatura universal (para adultos e para crianças): os contos de fadas e as Mil e Uma Noites, Homero, Ovídio, Camões, Boccaccio, Shakespeare, Collodi e Andersen, entre outros.
Tanto O Rapaz de Bronze (1956), A Fada Oriana (1958), A Menina do Mar (1958) e A Noite de Natal (1960) como O Cavaleiro da Dinamarca (1964), A Floresta (1968), O Anjo de Timor (2004) e os recontos que é possível ler em A Árvore (1985) e «A cebola da velha avarenta» (in A Antologia Diferente: De que São Feitos os Sonhos, 1986), a par da curta peça teatral O Bojador (1ª ed., [1961]; 2ª ed., 2000), representam, na sua maioria, momentos altos da história da literatura portuguesa para crianças. Sem se assumirem declaradamente como obras moralistas, não restam dúvidas de que a sua inteligente urdidura aponta para um dever ser, em que surgem valorizados a Natureza, a harmonia, o equilíbrio e a justiça. À condenação do egocentrismo e do artificialismo, da hipocrisia e da perversão originada pelo apego aos bens materiais, opõem-se a amizade, o amor, a paz e a generosidade, bem como a exaltação do humanismo cristão, do valor social e ético da obra de arte e da fidelidade a princípios antigos e universais.
A atmosfera das principais narrativas para crianças (as dos anos 50 e 60) permite-nos quase sempre penetrar em espaços a cuja ordem subjaz uma lógica do maravilhoso – com a presença de fadas, anões, animais humanizados e transformações mágicas –, indissociável porém de um quadro ético, em que as acções «humanas» dos diferentes heróis (a que correspondem, normalmente, opções morais) surgem como determinantes no evoluir das histórias.
Em A Fada Oriana, a protagonista é vítima do seu próprio narcisismo e, após um percurso probatório, readquire a condição de fada. «Confia nas crianças, nos sábios e nos artistas» – recomenda o Rei dos Anões ao anão de A Floresta, uma parábola sobre a corrupção espiritual e os malefícios associados ao ouro e à riqueza, compreendidos por Isabel (a criança), por Cláudio (o músico) e pelo próprio anão. A Noite de Natal oferece-nos uma imagem renovada do maravilhoso cristão (e do ideal que o inspira), plena de significado social e individual. Várias das personagens infantis de Sophia apresentam-se-nos, é certo, como crianças sem dificuldades materiais. Mas, além da solidão e da orfandade afectiva que por vezes os caracteriza, e que são também atributos da protagonista de A Noite de Natal, surge neste conto a orfandade social de Manuel, como uma reencarnação de Cristo, que no final vem dar sentido aos valores da amizade, da partilha e da busca de uma união entre o humano e o sagrado. Sob a forma de uma quase-fábula poética protagonizada pelas flores de um jardim e por uma estátua viva – que nos traz à memória alguns contos de Hans Christian Andersen – O Rapaz de Bronze, por seu turno, antecipa a visão crítica de uma organização social hierarquizada e injusta que mais tarde reencontramos nos livros «para adultos» Contos Exemplares e Histórias da Terra e do Mar.
Obra de síntese, afirmando a vitória da inteireza moral e da abnegação sobre a vertigem e as forças da perversão, mais longa e complexa que os restantes livros, a narrativa O Cavaleiro da Dinamarca ilustra a grande viagem iniciática e probatória que – colocando o protagonista ante uma sucessão de figuras humanas, eventos e lugares míticos – tudo revela a esse cavaleiro impoluto: o perigo e as tentações, o valor da família, os exemplos de heroísmo, a paixão e a arte. Para não falar da tensão (não inteiramente resolvida) entre uma visão teocêntrica e um novo olhar antropocêntrico que emerge do Renascimento. Pelo meio, é possível revisitar a Dinamarca, a Terra Santa, a Itália do norte e a Flandres. Sente-se o fascínio pelo esplendor humanista (a acção desenrola-se no século XV) e pela grande aventura dos descobridores portugueses, no que é apresentado como «um tempo novo» para a Europa e o mundo, sem contudo se ignorarem as tensões decorrentes do (des)encontro de culturas e até de etnias. Tudo plasmado num encadeamento de narrativas modelizadoras encaixadas na história principal: a história de Vanina (quase uma versão de «Romeu e Julieta», de final não deceptivo), as vidas de Giotto, de Dante, e as aventuras de um marinheiro flamengo e de um português, Pero Dias. Deste modo, a obra representa também uma apaixonada homenagem, quase sempre implícita, às narrativas da grande tradição cultural do Ocidente: a Bíblia, a Divina Comédia, o Deccameron, os livros de viagens, as crónicas navais...
A Menina do Mar é na aparência talvez a mais simples, mas sem dúvida uma das mais belas narrativas de Sophia, onde os tópicos recorrentes na sua obra ganham novos matizes e os seus lugares de eleição (o mar, a casa nas dunas, o jardim de areia) adquirem dimensões simbólicas peculiares – resultado, afinal, de uma maravilhosa reelaboração de densas memórias de infância, ligadas à Praia da Granja. Sem enveredar pela dimensão trágica das «Ondinas» de Andersen e de Jean Giraudoux ou de L'Enfant de la Haute Mer, de Jules Supervielle, mas oferecendo-nos algumas descrições poéticas da natureza marinha que evocam as do grande romântico dinamarquês, a obra narra a história de uma amizade construída contra «um tempo dividido», entre um rapaz, uma menina do mar (que lembra também a Polegarzinha de Andersen) e os seus amigos: um polvo, um caranguejo e um peixe. Depois de aventuras e desventuras várias, por onde se insinuam a revelação mágica do mundo, a paixão pelo oceano e uma angustiada espera de ressonância sebastianista, surge enfim a festa, num palácio subaquático. Partindo da poderosa tradição simbólica associada ao mar e aos seus elementos, Sophia constrói uma narrativa de profundas implicações psicanalíticas (como a fantasia do regresso ao útero materno) que o limitado espaço deste texto não permite sequer aflorar. Uma narrativa que é simultaneamente a afirmação do direito à liberdade afectiva e a expressão de um anseio de equilíbrio e harmonia, no quadro de uma fantasia de retorno às fontes da vida – essa dimensão em que o ser não possui ainda a consciência do tempo e da morte.
É de recordar ainda que, além das narrativas originais que escreveu, das histórias tradicionais portuguesas e japonesas que recontou e da já citada peça O Bojador, Sophia de Mello Breyner Andresen organizou duas belíssimas antologias de poesia em Língua Portuguesa destinadas à infância e à juventude: Poesia Sempre e Primeiro Livro de Poesia – e pena é que a primeira, em dois volumes, não se encontre reeditada1.
A terminar, registe-se a profunda ligação dos contos escritos por Sophia ao Porto e suas imediações. Nascida nesta cidade, a autora passou parte da infância na Quinta do Campo Alegre (que inspiraria as florestas e jardins dos seus contos para crianças) e na Praia da Granja, a que A Menina do Mar veio conferir uma certa auréola mítica.
Nota
1 Quase todas as obras de Sophia de Mello Breyner Andresen destinadas a crianças se encontram editadas pela Figueirinhas, do Porto, e têm conhecido numerosas reedições, o que atesta a popularidade destes livros, confirmada também no facto de os programas e as práticas de leitura escolares os terem acolhido sem reservas (fazem parte, por exemplo, das listas de obras para leitura orientada do programa de Português do 2º ciclo do Ensino Básico). Apenas se não encontram editados pela Figueirinhas os livros O Bojador e Primeiro Livro de Poesia (1991) – que têm a chancela da Caminho –, O Anjo de Timor (obra publicada pela Cenateca, do Marco de Canaveses), «A cebola da velha avarenta» (que integra uma colectânea coordenada por Luísa Ducla Soares e editada pela Areal – v. Referências bibliográficas) e ainda a antologia Poesia Sempre I (em colaboração com Alberto de Lacerda; Lisboa, Livraria Sampedro Ed., s.d.) e Poesia Sempre II (Lisboa, Livraria Sampedro Ed., s.d.).
Referências bibliográficas
BESSE, Maria Graciette (1990). Sophia de Mello Breyner: Contos Exemplares. Mem Martins: Europa-América.
ROCHA, Clara Crabbé (1980). Os Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner Andresen. 2ª ed., Coimbra: INIC.
SOARES, Luísa Ducla (org.) (1986). A Antologia Diferente: De que São Feitos os Sonhos. Porto: Areal.
Não surpreende assim que, nestes contos, seja possível redescobrir referências ao Natal, à viagem ou a certos espaços quase mágicos, como o mar, a praia, a casa, o jardim e a floresta, que marcam também presença na lírica de Sophia e nas suas narrativas «para adultos»: Contos Exemplares (1962) e Histórias da Terra e do Mar (1984). No seu conjunto trata-se, de facto, de uma produção de grande unidade ideotemática e estilística, acerca da qual Maria Graciette Besse (1990: 11) escreveu: «A obra poética (...) exprime o amor da vida e uma profunda exigência moral, através de símbolos marinhos e aéreos, que revelam um cunho visionário e uma constante busca da perfeição. Esta exigência, herdeira da liberdade e da luta pela dignidade do ser, encontra-se também nos textos em prosa.»
A prosa de Sophia destinada a crianças, cuja harmonia no plano rítmico é por de mais evidente, produz um efeito quase encantatório, sendo as obsessivas enumerações presentes na sua prosa servidas pela sábia combinação de nome e adjectivo e por uma sintaxe peculiar que recorre com frequência a estruturas de tipo anafórico, ao polissíndeto e ao assíndeto. Das imagens emana uma sensorialidade que encontra paralelo num discurso fluente, marcado por aliterações e assonâncias, cujo léxico (obsessivo) se reporta sobretudo ao mundo natural, fixando-se nos elementos ligados à água, à terra, ao ar e ao fogo. Se, no plano sintáctico, esse discurso procura quase sempre ir ao encontro da limitada competência linguística do seu destinatário extratextual – a criança –, nunca resvala para a facilidade; antes encontra, em certas estruturas frásicas e textuais aparentemente elementares, o modo mais adequado de exprimir a beleza do mundo, a complexidade dos sentimentos e das fantasias pessoais. À maioria dos contos que constituem esta obra não é estranho o conhecimento da literatura de fantasia nórdica e anglo-saxónica, registando-se evidentes relações dialógicas quer com a restante obra lírica e narrativa da autora (v. Rocha, 1980: 65, sobre a intertextualidade homo-autoral), quer com grandes clássicos da literatura universal (para adultos e para crianças): os contos de fadas e as Mil e Uma Noites, Homero, Ovídio, Camões, Boccaccio, Shakespeare, Collodi e Andersen, entre outros.
Tanto O Rapaz de Bronze (1956), A Fada Oriana (1958), A Menina do Mar (1958) e A Noite de Natal (1960) como O Cavaleiro da Dinamarca (1964), A Floresta (1968), O Anjo de Timor (2004) e os recontos que é possível ler em A Árvore (1985) e «A cebola da velha avarenta» (in A Antologia Diferente: De que São Feitos os Sonhos, 1986), a par da curta peça teatral O Bojador (1ª ed., [1961]; 2ª ed., 2000), representam, na sua maioria, momentos altos da história da literatura portuguesa para crianças. Sem se assumirem declaradamente como obras moralistas, não restam dúvidas de que a sua inteligente urdidura aponta para um dever ser, em que surgem valorizados a Natureza, a harmonia, o equilíbrio e a justiça. À condenação do egocentrismo e do artificialismo, da hipocrisia e da perversão originada pelo apego aos bens materiais, opõem-se a amizade, o amor, a paz e a generosidade, bem como a exaltação do humanismo cristão, do valor social e ético da obra de arte e da fidelidade a princípios antigos e universais.
A atmosfera das principais narrativas para crianças (as dos anos 50 e 60) permite-nos quase sempre penetrar em espaços a cuja ordem subjaz uma lógica do maravilhoso – com a presença de fadas, anões, animais humanizados e transformações mágicas –, indissociável porém de um quadro ético, em que as acções «humanas» dos diferentes heróis (a que correspondem, normalmente, opções morais) surgem como determinantes no evoluir das histórias.
Em A Fada Oriana, a protagonista é vítima do seu próprio narcisismo e, após um percurso probatório, readquire a condição de fada. «Confia nas crianças, nos sábios e nos artistas» – recomenda o Rei dos Anões ao anão de A Floresta, uma parábola sobre a corrupção espiritual e os malefícios associados ao ouro e à riqueza, compreendidos por Isabel (a criança), por Cláudio (o músico) e pelo próprio anão. A Noite de Natal oferece-nos uma imagem renovada do maravilhoso cristão (e do ideal que o inspira), plena de significado social e individual. Várias das personagens infantis de Sophia apresentam-se-nos, é certo, como crianças sem dificuldades materiais. Mas, além da solidão e da orfandade afectiva que por vezes os caracteriza, e que são também atributos da protagonista de A Noite de Natal, surge neste conto a orfandade social de Manuel, como uma reencarnação de Cristo, que no final vem dar sentido aos valores da amizade, da partilha e da busca de uma união entre o humano e o sagrado. Sob a forma de uma quase-fábula poética protagonizada pelas flores de um jardim e por uma estátua viva – que nos traz à memória alguns contos de Hans Christian Andersen – O Rapaz de Bronze, por seu turno, antecipa a visão crítica de uma organização social hierarquizada e injusta que mais tarde reencontramos nos livros «para adultos» Contos Exemplares e Histórias da Terra e do Mar.
Obra de síntese, afirmando a vitória da inteireza moral e da abnegação sobre a vertigem e as forças da perversão, mais longa e complexa que os restantes livros, a narrativa O Cavaleiro da Dinamarca ilustra a grande viagem iniciática e probatória que – colocando o protagonista ante uma sucessão de figuras humanas, eventos e lugares míticos – tudo revela a esse cavaleiro impoluto: o perigo e as tentações, o valor da família, os exemplos de heroísmo, a paixão e a arte. Para não falar da tensão (não inteiramente resolvida) entre uma visão teocêntrica e um novo olhar antropocêntrico que emerge do Renascimento. Pelo meio, é possível revisitar a Dinamarca, a Terra Santa, a Itália do norte e a Flandres. Sente-se o fascínio pelo esplendor humanista (a acção desenrola-se no século XV) e pela grande aventura dos descobridores portugueses, no que é apresentado como «um tempo novo» para a Europa e o mundo, sem contudo se ignorarem as tensões decorrentes do (des)encontro de culturas e até de etnias. Tudo plasmado num encadeamento de narrativas modelizadoras encaixadas na história principal: a história de Vanina (quase uma versão de «Romeu e Julieta», de final não deceptivo), as vidas de Giotto, de Dante, e as aventuras de um marinheiro flamengo e de um português, Pero Dias. Deste modo, a obra representa também uma apaixonada homenagem, quase sempre implícita, às narrativas da grande tradição cultural do Ocidente: a Bíblia, a Divina Comédia, o Deccameron, os livros de viagens, as crónicas navais...
A Menina do Mar é na aparência talvez a mais simples, mas sem dúvida uma das mais belas narrativas de Sophia, onde os tópicos recorrentes na sua obra ganham novos matizes e os seus lugares de eleição (o mar, a casa nas dunas, o jardim de areia) adquirem dimensões simbólicas peculiares – resultado, afinal, de uma maravilhosa reelaboração de densas memórias de infância, ligadas à Praia da Granja. Sem enveredar pela dimensão trágica das «Ondinas» de Andersen e de Jean Giraudoux ou de L'Enfant de la Haute Mer, de Jules Supervielle, mas oferecendo-nos algumas descrições poéticas da natureza marinha que evocam as do grande romântico dinamarquês, a obra narra a história de uma amizade construída contra «um tempo dividido», entre um rapaz, uma menina do mar (que lembra também a Polegarzinha de Andersen) e os seus amigos: um polvo, um caranguejo e um peixe. Depois de aventuras e desventuras várias, por onde se insinuam a revelação mágica do mundo, a paixão pelo oceano e uma angustiada espera de ressonância sebastianista, surge enfim a festa, num palácio subaquático. Partindo da poderosa tradição simbólica associada ao mar e aos seus elementos, Sophia constrói uma narrativa de profundas implicações psicanalíticas (como a fantasia do regresso ao útero materno) que o limitado espaço deste texto não permite sequer aflorar. Uma narrativa que é simultaneamente a afirmação do direito à liberdade afectiva e a expressão de um anseio de equilíbrio e harmonia, no quadro de uma fantasia de retorno às fontes da vida – essa dimensão em que o ser não possui ainda a consciência do tempo e da morte.
É de recordar ainda que, além das narrativas originais que escreveu, das histórias tradicionais portuguesas e japonesas que recontou e da já citada peça O Bojador, Sophia de Mello Breyner Andresen organizou duas belíssimas antologias de poesia em Língua Portuguesa destinadas à infância e à juventude: Poesia Sempre e Primeiro Livro de Poesia – e pena é que a primeira, em dois volumes, não se encontre reeditada1.
A terminar, registe-se a profunda ligação dos contos escritos por Sophia ao Porto e suas imediações. Nascida nesta cidade, a autora passou parte da infância na Quinta do Campo Alegre (que inspiraria as florestas e jardins dos seus contos para crianças) e na Praia da Granja, a que A Menina do Mar veio conferir uma certa auréola mítica.
Nota
1 Quase todas as obras de Sophia de Mello Breyner Andresen destinadas a crianças se encontram editadas pela Figueirinhas, do Porto, e têm conhecido numerosas reedições, o que atesta a popularidade destes livros, confirmada também no facto de os programas e as práticas de leitura escolares os terem acolhido sem reservas (fazem parte, por exemplo, das listas de obras para leitura orientada do programa de Português do 2º ciclo do Ensino Básico). Apenas se não encontram editados pela Figueirinhas os livros O Bojador e Primeiro Livro de Poesia (1991) – que têm a chancela da Caminho –, O Anjo de Timor (obra publicada pela Cenateca, do Marco de Canaveses), «A cebola da velha avarenta» (que integra uma colectânea coordenada por Luísa Ducla Soares e editada pela Areal – v. Referências bibliográficas) e ainda a antologia Poesia Sempre I (em colaboração com Alberto de Lacerda; Lisboa, Livraria Sampedro Ed., s.d.) e Poesia Sempre II (Lisboa, Livraria Sampedro Ed., s.d.).
Referências bibliográficas
BESSE, Maria Graciette (1990). Sophia de Mello Breyner: Contos Exemplares. Mem Martins: Europa-América.
ROCHA, Clara Crabbé (1980). Os Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner Andresen. 2ª ed., Coimbra: INIC.
SOARES, Luísa Ducla (org.) (1986). A Antologia Diferente: De que São Feitos os Sonhos. Porto: Areal.
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João Pedro Mésseder,
Poetas
O Golfinho de Palembang, de Xavier Queipo
“Á ilha de Palembang chegou uma manada de golfinhos. Passados três dias, a manada partiu, mas um golfinho ficou desorientado e só. Quando souberam que aquele ficara atrasado, os rapazes sentiram pena dele, e decidiram ir visita-lo todos os dias. Ao primeiro não foi fácil estabelecerem contacto, pois não e simples perceberem o que dizem nem o que querem.
Umas semanas após, atendia ao chamado dos miúdos, que lhe acarinhavam no focinho, e ele deixava-se fazer, coma se estivesse á vontade. Uma tarde, uma criança, que atendia por o Kim, botou-se ao mar por imitar aos mais velhos. Não sabia nadar e começou balançar os braços ao tempo que afundava, e quando semelhava ir afogar, apareceu de súbito sentado no golfinho, pegando na barbatana dorsal, como se cavalgasse. O Kim agachou a cabeça para lhe falar ao ouvido, e o golfinho empreendeu o caminho do largo. Saíram na sua procura, mas por muito que vogaram não deram com o golfinho nem com o Kim, que desapareceram no mar para sempre jamais.
Passados os anos chegou á angra de Palembang uma manada de golfinhos. Todos lembravam a história do Kim, que os pais contavam ás crianças, para alerta-las dos perigos do mar, e temeram que acontecesse qualquer desgraça. Assim, armados com arcos e com setas, saíram navegar para expulsa-los da baía. Os golfinhos semelhavam não quererem internar-se no mar, e quando lhes disparavam mergulhavam de contado reaparecendo a várias braças de distância. Um golfinho mais branco que os outros afastou da manada, ergueu sobre a cauda, e viron que tinha barba e bigodes, e uns olhos distintos dos que têm os golfinhos, com pálpebras e pestanas, e abriu as barbatanas laterais, que eram braços unidos ao corpo com uma membrana.
Desde aquele dia, nas águas de Palembang, há um golfinho que fala a língua dos locais e conta mil historias, que leva aos rapazes de cavalo, que diz chamar-se o Kim e ter percorrido o mar oceano, que come peixe e vitela, frutas e deleites.”
Xavier Queipo, Dezembro de 2006
Umas semanas após, atendia ao chamado dos miúdos, que lhe acarinhavam no focinho, e ele deixava-se fazer, coma se estivesse á vontade. Uma tarde, uma criança, que atendia por o Kim, botou-se ao mar por imitar aos mais velhos. Não sabia nadar e começou balançar os braços ao tempo que afundava, e quando semelhava ir afogar, apareceu de súbito sentado no golfinho, pegando na barbatana dorsal, como se cavalgasse. O Kim agachou a cabeça para lhe falar ao ouvido, e o golfinho empreendeu o caminho do largo. Saíram na sua procura, mas por muito que vogaram não deram com o golfinho nem com o Kim, que desapareceram no mar para sempre jamais.
Passados os anos chegou á angra de Palembang uma manada de golfinhos. Todos lembravam a história do Kim, que os pais contavam ás crianças, para alerta-las dos perigos do mar, e temeram que acontecesse qualquer desgraça. Assim, armados com arcos e com setas, saíram navegar para expulsa-los da baía. Os golfinhos semelhavam não quererem internar-se no mar, e quando lhes disparavam mergulhavam de contado reaparecendo a várias braças de distância. Um golfinho mais branco que os outros afastou da manada, ergueu sobre a cauda, e viron que tinha barba e bigodes, e uns olhos distintos dos que têm os golfinhos, com pálpebras e pestanas, e abriu as barbatanas laterais, que eram braços unidos ao corpo com uma membrana.
Desde aquele dia, nas águas de Palembang, há um golfinho que fala a língua dos locais e conta mil historias, que leva aos rapazes de cavalo, que diz chamar-se o Kim e ter percorrido o mar oceano, que come peixe e vitela, frutas e deleites.”
Xavier Queipo, Dezembro de 2006
domingo, dezembro 17, 2006
Tinha de ser!
Tinha de ser. O Rivoli passou para as mãos de Filipe La Féria como diziam (ou avisavam) os mais pessimistas. Vamos gramar as músicas do coração da Amália, prima da Evita, cunhada da cocaína e muita, muita energia e mais cagalhões dos cães da classe sedenta de revista da caras da luz e da têvê-sete-dias ali para os lados de Sta. Catarina. Bostas do caraças!
sábado, dezembro 09, 2006
Filipa Leal em entrevista à Rádio Festival e presente em encontro ibero-americano «De Pedra e de Palabra» do Pen Club da Galiza, em Compostela
Filipa Leal será entrevistada este Domingo, entre as 12 e as 13 horas, na Rádio Festival (94.8 FM), no programa Vozes do Norte. A ouvir.
O PEN Clube da Galiza organiza «De Pedra e de Palabra» em Santiago de Compostela sobre literatura e poesia ibero-americana em 14, 15 e 16 de Dezembro. A Filipa foi convidada para duas ocasiões: (sexta 19:00h) recital de «Poesia na noite de Compostela» juntamente com Diego Bagner (Argentina), Pío E. Serrano (Cuba), René Arrieta (Colômbia), Francisco Álvarez Velasco (Espanha), Xosé Luis Méndez Ferrín (Galiza) e Miguel Anxo Fernán-Vello (Galiza): e uma mesa-redonda (sábado, pelas 10:00h) «Mulleres escritoras na avangarda» (Hotel AC Palacio do Carme. Salón Capela) moderada por Marilar Aleixandre e com o seguinte painel: Clara Obligado (Argentina) Filipa Leal (Portugal) Ada Castells (Catalunha) Luisa Castro (Galiza) María do Cebreiro (Galiza).
Também lá estarão (noutros painéis) Ferrín, Freixanes, Manuel Bragado, Manuel Rivas, Marilar Aleixandre, Ana Maria Matute, Nélida Piñon, António Skarmeta e Rui Zink, entre muitos, muitos outros.
Se puderem vão até lá e bom fim-de-semana em Compostela! Nada melhor do que uma ilustração «Mentes Positivas» de João Maio Pinto para acompanhar esta notícia.
domingo, dezembro 03, 2006
Festa da Poesia, de 7 a 8 de Dezembro na Biblioteca Florbela Espanca. O Aquário de João Pedro Mésseder presente
No dia 7, pelas 18:30h, apresentar-se-á «Um Conto com Música», adaptação musical de «O Aquário» de João Pedro Mésseder, com voz de Sílvia Correia, percussão de Pedro Oliveira e Direcção Artística de Jorge Carvalho.
Lembramos que O Aquário, editado pela Deriva e distribuído pela Centralivros, é uma das obras infantis mais marcantes de João Pedro Mésseder e é ilustrado por Gémeo Luís. Faz parte do Plano Nacional de Leitura, para o 3º ano de escolaridade e, neste momento, tem significativa procura por parte de professores para estratégias de motivação para a leitura de crianças do 1º Ciclo do ensino básico. Já foi objecto de várias dramatizações em escolas de todo o país.
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sábado, dezembro 02, 2006
De novo nas livrarias A Formação da Mentalidade Submissa de Vicente Romano
sexta-feira, dezembro 01, 2006
Eduardo Prado Coelho escreve sobre Filipa Leal no Milfolhas desta semana. A ler
«Parece que Filipa Leal já tinha publicado dois livros de poemas, mas devo confessar que não fazia disso a mínima ideia. São eles "Lua Polaroid" e "Talvez os Lírios Compreendam". (...) Acaba de publicar "A Cidade Líquida e Outras Texturas", na Deriva. É um livro - gostaria de o dizer com a maior convicção - de grande qualidade e de extrema originalidade.
Se tivermos em conta aquilo que aparece com a poesia portuguesa mais perto de nós (onde predominam memórias esparsas, o lirismo difuso, uma certa vulnerabilidade), podemos afirmar sem hesitações que Filipa Leal tem uma personalidade fortemente demarcada. Fui muito surpreendido pelo indiscutível valor do seu livro mais recente. (...)» 1
1. Em breve o artigo de opinião de EPC completo
Eduardo Prado Coelho. Milfolhas, Público, 1 de Dezembro de 2006
Se tivermos em conta aquilo que aparece com a poesia portuguesa mais perto de nós (onde predominam memórias esparsas, o lirismo difuso, uma certa vulnerabilidade), podemos afirmar sem hesitações que Filipa Leal tem uma personalidade fortemente demarcada. Fui muito surpreendido pelo indiscutível valor do seu livro mais recente. (...)» 1
1. Em breve o artigo de opinião de EPC completo
Eduardo Prado Coelho. Milfolhas, Público, 1 de Dezembro de 2006
O Blog da Caixa Geral de Despojos
Com o provocante lema de “Falhar, falhar de novo, falhar melhor” de Samuel Beckett, entra no campo da nossa melhor blogosfera o Caixa Geral de Despojos onde pontua a Filipa Leal e o João Gesta. Luís Tobias e pat perfazem este grupo de intervenção poética, portanto, política - no maior sentido da palavra.
Sejam bem-vindos e a que muitos depósitos depois, correspondam não menos iniciativas! Podem consultá-los aqui.
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