Pratiquei a deriva na Ilha da Madeira, embora de dia, embora de automóvel, embora consciente. Portanto, totalmente ao contrário da verdadeira teoria da dita deriva que se quer à noite, a pé e com eflúvios libertadores do real vivido. Fui ver, como não poderia deixar de ser e tendo a oportunidade de estar com gente funchalense boa, disponível e interessada, a exposição de António Barros «Escravos.Insulae_Do 25 de Abril, 50 anos depois». Até 28 de Outubro, podem vê-la num local extraordinário que é a freguesia dos Prazeres pertencente ao Concelho da Calheta. Sem pretender ser nenhum guia turístico (arreda!), aconselho o bife de atum e o bacalhau confeccionado nos restaurantes circundantes, para além de uma digestão necessária na casa de chá (mais que premiada) da vizinha Quinta Pedagógica dos Prazeres que, juntamente com o Mudas, Museu de Arte Contemporânea da Madeira, também foi um dos apoiantes desta exposição do António Barros. Portanto a freguesia faz jus ao nome. O mar, esse, sempre presente.
segunda-feira, setembro 23, 2024
Exposição de António Barros na Galeria dos Prazeres - «Escravos.Insulae_Do 25 de Abril, 50 anos depois»
O que encontrei nesta exposição de António Barros foi uma grande coerência e uma inquietação indisfarçável. A dependência que se criou, na sociedade portuguesa, perante a sociedade de consumo, paradoxalmente exponenciada após o 25 de Abril de 1974, elevando igualmente à liberdade a economia especulativa, produziu em António Barros, uma intervenção poética denunciadora da ignorância na educação e no pensamento crítico, na política vazia de propostas, nos cérebros formatados, na incapacidade de ler e de se ser entendido. Na inexistência, igualmente, de uma linguagem libertadora. É aqui que a escravatura reaparece que aponta paulatinamente o caminho da humanidade sem que esta se aperceba da tra(u)ma que a envolve. A figura tutelar de Frantz Fanon surge então como metáfora última dessa mesma possibilidade de libertação da escravatura, mas igualmente a escrita à mão do artista/poeta e os objectos que atingem uma necessidade imperiosa de serem interpretados como liberdade que nos é ainda inerente. Se puderem não percam esta exposição e será muito pedir que ela (re)volte ao continente? Será pedir muito que ela seja debatida em espaços educativos e museológicos nos meses que ainda faltam para o término dos 50 anos do 25 de Abril ou mesmo depois do número redondo?
Deixo-vos com uma trecho de Augusta Villalobos e Isabel Santa Clara inserida na folha de sala de «Escravos.Insulae_Do 25 de Abril, 50 anos depois»:
«Em contexto expositivo, as peças relacionam-se entre si e relacionam-se com as pessoas reais que por elas passam. Um encontro que pede para ser prolongado e aprofundado a posteriori (...). Para além da exposição como escrita, a escrita em torno da (ex)posição. Convite à leitura, desde o próprio espaço visitado. Um espaço_livro habitável. Uma arquitectura do livro_livre (AB, esGritar, o VERbo, 2024). Modos instrumentais para explorar com uma leitura alternativa, essa, geradora de descobertas múltiplas (AB, da flor, esse rosto de esGrita, FBB, 2024.). (...) Numa vascularização, por osmose discursiva, alimentando o diálogo convivial e o fórum gregário. (...) Resgatando a pessoa da condição de espectador [cobarde ou traidor - Frantz Fanon]. Numa implicAcção.»
Algumas intervenções de António Barros na Galeria dos Prazeres, na Madeira