quinta-feira, setembro 26, 2024

«Hotel Savoy», Joseph Roth

 

D. Quixote, 1991. Tradução de José Sousa Monteiro
Publicado em 1924, em plenos «roaring twenties», eufemismo para os gastos sumptuários dos mais ricos e dos especuladores de um mercado negro florescente após a I Guerra Mundial, Joseph Roth encontra-se em Viena nas cinzas do antigo Império Austro-Húngaro fruto de uma nova geopolítica arrancada a ferros no Tratado de Versalhes de 1919. Mas também se morre de fome nas ruas. Os emigrantes são cada vez mais a sair e a chegar num vaivém penoso, temperado muitas vezes por uma perspectiva de uma grande revolução soviética igual à de 1917 na Rússia e fracassada no soviete de Munique de 1918. Também os emigrantes são refugiados políticos de uma nova tentativa de assaltos aos céus na Mitteleuropa, lavada a sangue e a uma repressão brutal. 

Joseph Roth encontra-se nos quartos cimeiros do hotel Savoy, os das classes subalternas, visto que os ricos ocupavam os de baixo e em trânsito para os Estados Unidos. Tem, contudo, tempo para registar as suas impressões da vida socialmente absurda e decadente deste famoso hotel transformado, no final do livro, numa Bastilha ou num Palácio de Inverno a quem, com todo o gosto dos seus intervenientes, lhe é lançado um enorme incêndio, metáfora expressionista da ruptura social que Roth propõe. É aqui, no decorrer da leitura deste livro, que é impossível não vermos a paleta viva de um Otto Dix ou de um Georg Groz. 

    «Os emigrantes são meus irmãos e estão esfomeados. Mas dantes não eram irmãos, nunca foram. Nas campanhas de guerra, não, quando, levados por uma vontade incompreensível, matávamos homens que não conhecíamos, e também não nas lutas travadas na rectaguarda quando todos, obedecendo às ordens de um homem malvado, esticávamos ao mesmo tempo braços e pernas. Hoje, porém, já não estou sozinho no mundo, hoje, pertenço aos emigrantes.
    Vagueavam em grupos de cinco e seis pela cidade, pouco antes de chegarem às barracas dispersavam. Cantavam diante de quintas e de casas, vozes desafinadas e ferrugentas mas donde saíam lindas canções, às vezes nas tardes de Março um realejo rouquenho também pode ser melodioso.
    Comiam na cozinha dos pobres. As rações eram cada vez menores e a fome maior.
    Os operários grevistas, sentados, gastavam o dinheiro da greve em copos e bebiam nas salas de espera da estação, as mulheres e as crianças passavam fome.
    No bar, o industrial Neuner apalpava os seios das raparigas nuas, as senhoras respeitáveis da cidade recorriam a Xaver Zlotogor para que ele as magnetizasse tirando-lhes as dores de cabeça.»  (pág.195 de 207. ed. digital).

alc