quinta-feira, agosto 18, 2022

4 policiais 4. O mundo mudou e o policial também

 


Gosto de policiais e se forem de bolso melhor ainda. Não gasto muito dinheiro, podemos tratá-los mal e lê-los de uma assentada sem grandes preocupações que a escrita dita literária obriga. 

Neste Agosto, contudo, observei uma regra: em dez dias levei para férias dois autores considerados antigos e dois «novos»; destes últimos só conhecia toda a saga dos «Homens que odeiam as mulheres» de Stieg Larsson e um de Camilla Läckberg de que já não me lembra o nome.

Os da conhecidíssima coleção Vampiro, agora nas mãos da Porto Editora, temos boas traduções e são bem revistos, coisa que não acontecia no passado. Li E.C.Bentley com agrado. Claramente socialista, o livro escrito em 1913, logo antes da guerra retrata como ninguém a voragem que já se fazia sentir em Wall Street por «capitalistas sem escrúpulos» cujo assassinato de um deles terá sido obra de um sindicato vingativo e arquivado pela polícia. Com alguma simpatia, dá-nos a verdadeira razão desse crime, mesmo que o relatório do detective esteja completamente errado. Por isso, acaba com a sua profissão num belo jantar com o verdadeiro homicida. Lindo! Psicologicamente algo denso, a trama é extremamente bem feita e obriga-nos a pensar, mas isso são contas de outro rosário. O Último Caso de Trent foi adaptado ao cinema nos anos 30 o que o obrigou a ressuscitar a personagem. 

Dashiell Hammett é outro que tal: membro do Partido Comunista Americano, nem por isso se deixa acometer por algum racismo em relação aos negros e «mulatos» como lhes chama... mas a história deixa antever os ricos como os maus da fita, tipos vulgares, odiosos, que não se detêm perante nada, passando por cima de tudo e todos. Assassinos com fartura e sangue aos borbotões. Mas ainda assim é um gosto ler Hammett e vê-lo no cinema com um Bogart a fazer de Marlowe. A Maldição dos Dain foi igualmente levado ao cinema nos anos 30, claro.

Jeffrey Archer pia mais fininho com um livro de 2019, não fosse ele um ex-vice-presidente do grupo parlamentar torie, dos conservadores, para os mais desatentos. Atenção que isto não é uma história inventada. Faz parte da autobiografia do autor: apanhado nas teias da bolsa de Londres, o tipo fica a dever meio milhão de libras a uma data de gente e indo a tribunal cometeu perjúrio o que lhe valeu 4 anos de prisão onde escreveu, em 3 volumes, os Diários da Prisão, pois claro! Hoje voltou à política, pagou as suas dívidas e é um milionário por vende 250 milhões de livros em 37 países. Portanto, o livro que li titula-se Quem Não Arrisca... caso para dizer que sabe-la toda, o homem!

John Grisham, escreveu o manuscrito e é outro que tal: é lido aos milhões pelo universo conhecido, mas é honesto pelo que se sabe. Escreveu O Manuscrito e pode dizer-se que é um bom escritor. A história envolvem milhões de dólares e são fruto da especulação alfarrabista (!?) de 1ª edições assinadas. Sendo o livro um objeto mais apetecível que o ouro, acções da bolsa ou mesmo os dólares, dá que pensar ao amante de livros que se viu sempre rodeado deles, certamente. Que sejam objecto de especulação nos States é de abrir a boca de espanto. Mas estamos aqui para aprender sempre.

Qual a diferença entre os «novos» e os «velhos» policiais? É que, nestes, os criminosos geralmente pagam sempre os seus crimes hediondos ou talvez nem tanto, conforme a moral e a ética de quem os escreve. Quem com ferro mata, com ferro morre é o bíblico refrão que se aplica aqui. A trama policial é composta pelo desenrolar de mentes inteligentes o que obriga a equacionarmos possíveis soluções à medida que as páginas avançam. Há tiros a rodos e frieza dos detectives que prendem belas mulheres e homens de fora de qualquer suspeita social. A polícia científica é a de laboratório de vão de escada. Lá ajudar, ajuda, mas pouco. A mente é que descobre, desfaz a teia construída com denodo pelos criminosos e somos convidados a participar na descoberta da coisa.

Já com os «novos» não se vislumbra castigo nenhum para os criminosos. Antes pelo contrário. É tipo «Ocean's Eleven», topam? Os ambiciosos se forem espertos continuam as suas actividades com ambição e inteligência. A polícia científica toma o lugar da dedução ou indução do leitor. As câmaras de vigilância sabem tudo. A mínima lã deixada numa carpete é caso para levar um tipo 30 anos para a prisão. A marca de batom nos cigarros é mentira porque já ninguém fuma.  A observação mórbida dos cadáveres dizem mais do que os desgraçados que são abertos ao ritmo das anedotas dos médicos legais que é para descontrair! Os dólares já não são o objetivo, nem os milhões ou ouro, mas sim a arte e os manuscritos e 1ª edições valiosos que sempre valorizam a cada dia que passa. Livros e quadros? Museus a serem assaltados? É claro como água e todos os que se arrebanharam à grande contra os bens públicos têm a medalha dos bons e intocáveis. «Quem não arrisca...», não é? Mesmo assim, a polícia perde sempre. Sim, os policiais mudaram muito, mesmo com as câmaras de vigilância e a chafurdice nos cadáveres que nos permitem preguiçar na solução dos crimes. Querem alimentar a mente? Joguem xadrez!