quinta-feira, fevereiro 24, 2022

A guerra começou

Entre falcões do complexo militar-industrial americano e a clique autoritária de Putin, vemos a guerra estalar, hoje mesmo, face a uma Ucrânia que agora veste uma pele de cordeiro, fingindo-se de vítima, quando esta provocou a Rússia e os russos que vivem em Donetsk e Lubansk. Ninguém sai daqui incólume e a Nato é a provocadora principal. Convém lembrar que Moscovo está a 10 minutos de um ataque com mísseis que estão ao longo de toda a sua fronteira desde o Norte até à Ucrânia que entretanto entrou em negociações com a Nato para aderir a esta organização «defensiva» do Atlântico Norte!

Dias a fio li aqui no FB piadas sobre a guerra que quase toda a esquerda não acreditava acontecer. Só num comentário de um amigo é que avisei que a guerra era uma possibilidade tanto mais possível, quanto Putin nunca definiu claramente os seus objectivos. Nunca me pareceu que o fim de Putin fosse só as regiões russófonas da Ucrânia; quer, de um modo radical, acabar com as veleidades agressivas da Letónia, Estónia, Lituânia, Roménia, Polónia, Eslováquia e Hungria, entre outros países liberal-autoritários ou claramente fascistas. A esquerda parlamentar preferiu o gozo, a piada fácil, o oportunismo de descalçar as imbecilidades de um jornalismo mal-feito, mal documentado, anedótico. 

Hoje, com a guerra bem presente no leste europeu, quero ver que análises aí vêm agora. Descontando os desgraçados que morrem nos bombardeamentos, como se fossem danos colaterais, continuarão a tergiversar como até aqui, comparando situações de 1914 e 1938. A direita exulta exigindo da Nato uma resposta à altura, ou seja, a guerra que está no seu adn político e a esquerda parlamentar, quer queira ou não, está metida num colete de forças votando ao lado da direita contra Putin ou desculpando-o, o que será um verdadeiro suicídio.

segunda-feira, fevereiro 21, 2022

«Vulcânico PaLavrador - Uma elegia a António Aragão», de António Barros




Recebi este livro há pouco e tive o enorme prazer de o ler, mas igualmente de o «ver». Em pequenos pormenores perscruta-se a intervenção da imagem no texto tornando-o, segundo António Barros, um livro «obgesto» que inaugura uma invenção em que já não existe arte, mas «artitude», recusando o estafado projecto em «progesto» e negando coerentemente o epíteto de artista, para se ser um «artor». Dos quatro itens aqui expostos, condição essencial para a existência provocante do artor, seguem-se mais três mandamentos, ou seja, a negação do retratar pelo «transfigurar», não querer ser, mas transcender e finalmente (?) transformar o dizer em «di_ser» com toda uma conjugação verbal aleatória, mas onde, parece-me, o indivíduo é a peça central. A partir da vida vulcânica de Aragão que foi acompanhada de (muito) perto por Barros, este amigo apresenta-nos um fio de existência que reputo de comovente e quase impossível de relatar pela escrita, propondo-nos que só o cinema poderia apresentar-nos o depoimento possível. Quem já se atreveu a escrever sobre um íntimo sabe que essa dificuldade é real: «Aragão é, no meu lugar de memória, um cenário de vida que só o cinema conseguirá soletrar de forma capaz.
Em texto, aqui, em mera Nota clandestina, o testemunho é refém da escrita. Por isso, fico-me, na narrativa, por escassas farpas e encantos que convidam a uma tese. Tese tão longa como o desfalecer da ave baleada que não quer morrer na insularidade. Um ápice.» 

Vale a pena voltar às memórias de António Barros e sublinhar fortemente a tinta escura a sua artitude com Aragão: «Um dia recebi um telefonema. Era Aragão a pedir-me autorização para usar (numa entrevista para a TV Globo na Bienal de S.Paulo) o meu objeto-texto ''Ver_dade - IgnOrar''. Um par de óculos, achados no jardim da Quinta, intervencionados (B.7).
Percebi então que Aragão estava cúmplice com a minha escrita (de «situacionistas» palavras agarradas à coisa, como quem manda calhaus sobre a multidão). Eu tinha sido aceite na guerrilha. Tinha bandeira no templo. Poderia contraDizer-me. Restar humano. Como um poeta. E que estava só, portanto. Percebi.»

Sobre a lucidez, o sarcasmo e a provocação de um artor como António Aragão, António Barros retém o seu conselho:
«Não queira ser artista! Em Portugal não! Não queira! Repetiu-me Aragão tantas vezes. Tantas.
Um Amigo. Sabedor.»

Não sei se portugal, a cidade ou território que o valha, merecerá um «livro-obgesto» assim, ou mesmo poetas como Aragão e Barros. Mas a coerência e a provocação moram aqui. É que se a dita arte está doente, parada, bolorenta, especulativa e tudo, no entanto há quem se mova. Noutros caminhos, mas movem-se.

Penso que a aquisição do livro far-se-á com pedidos expressos ao autor. Por aqui.

domingo, fevereiro 20, 2022

«Urro / Brüll'», de Júlio do Carmo Gomes


Isto não é um urro. É um murro. Uma estalada nas nossas caras. Um berro na esteira do que melhor se fez no campo dos revoltados e dos insubmissos. Fosse portugal (assim com letra pequena) um país em espelho do que se mostra em Urro, pudessem os grupos alternativos alimentarem este urro, pudesse-se transformar a escrita torrencial de Júlio do Carmo Gomes em oralidade pura, como somos levados pelo seu autor a gritar com ele, pudéssemos ter gente a sério que não fica a assinar em Avaazs (palavras do autor) as nossas pequenas incomodidades caseirinhas e teríamos dado mais alguns passos na dignidade já perdida há muito, divulgando o livro como o deveria ser. Para nos vermos ao espelho. Tal qual isso e se sairmos mal-dispostos, metam um guronsan que isso passa.

Depois do FMI de José Mário Branco que, aliás, veio mais tarde a refutar, um mistério nunca esclarecido ou explicado inteiramente, que não se fazia nada assim. Imaginei-me na leitura verdadeiramente fogosa de Júlio do Carmo Gomes a declamar alto, a voz em aliança clara das palavras que jorravam e a pensar no que seria se se interpretasse novamente Urro, facto que já aconteceu com a Seiva Trupe e acompanhar com mais atenção e divulgação o projecto ainda em trabalho de Rui Spranger. Porque Urro é manifesto, é poesia, é teatro, música concreta. Alguém que nos dê a provar estas palavras. 

Tudo em Urro é posto em causa: a expectativa pequenina do operário da Ikea, da EDP e o licenciado do Call Center, da classe média depauperada coitadinha, o precariado feito de ideologia neoliberal, o voto cândido na religião democrática, o emprego para manter mesmo com dores de estômago; e vamos lá ler (aos berros, ou de mansinho, como queiram) este pequeno trecho de Urro:

«(...) trufas é o que tu queres para enganares a fome
trufinhas trufinhas
enquanto das 9 às 5 essa grande ordem universal te trufla a vida, coração, alma língua, tudo em nome da Arte, ou achas que a Grande Ordem Universal te gala o tempo todo,
cadeias de supermercados, cadeias de shoppings, cadeias de empresas de comunicação, cadeias do estado e de multinacionais, cadeias de cadeias, te chulam o coiro e o melhor da tua vida em nome de quê? É só por causa da Arte Pós-Materialista, ou já te esqueceste que há um buraco-negro ideológico, um abismo de ideais? Alguma vez te deixarias trapacear se o teu patrão e o teu governo não fossem uns artistas? Algumas vezes te deixarias enganar pelas destilarias da Famous Grouse, pelos urinóis de malte invertidos?, descansa que a ti ninguém te engana, descansa
(...)» Pág.11

O Urro/Brüll', do Júlio do Carmo Gomes é uma edição bilingue português/alemão, visto que vive em Berlim. As ilustrações, a paginação e a capa são da Oficina Arara de Irina Pereira e de Miguel Carneiro. Não sei o preço, mas em qualquer livraria alternativa digna desse nome como a Gato Vadio e a Utopia no Porto, ou a Letra Livre em Lisboa, por exemplo, disponabilizarão exemplares de certeza.

sexta-feira, fevereiro 18, 2022

«Inferno» de August Strindberg

O desenho de Strindberg na capa da Sistema Solar é de Edvard Munch

«Insólito círculo vicioso que aos vinte anos previ quando escrevia Mestre Olof, o drama que se transformou na tragédia da minha vida.Terá realmente sentido eu arrastar-me por trinta anos de uma vida penosa, e ser a experiência a dar-me aquilo que eu já tinha previsto? Durante a mocidade fui devoto sincero, e fizestes de mim um livre-pensador; do livre-pensador fizestes um ateu, e do ateu um religioso. Inspirado por ideias humanitárias preconizei o socialismo, e cinco anos mais tarde mostrastes-me o seu absurdo. Tudo o que me entusiasmou fizestes enfraquecer. Votasse-me eu à religião, e estou certo de que iríeis dentro de dez anos refutá-la.
    Não é verdade que os Deuses se divertem connosco, mortais, permitindo que nós, os trocistas conscientes, saibamos rir nos momentos mais tormentosos da vida?
    Como quereis fazer-nos levar a sério o que se manifesta como um imenso gracejo?» (págs.229-230)

Não consigo explicar a atracção que este livro teve em mim. Li-o nos finais da década de 70, quando a &etc o publicou, com a mesma excelente tradução, notas e duas redacções cronológicas de Aníbal Fernandes com que a Sistema Solar o publica agora.

Strindberg, neste livro, é inclassificável. A Menina Júlia, outra das obras que conheci dele, está neste momento que escrevo em exibição no Teatro Carlos Alberto no Porto, com encenação de Renata Portas. Inferno foi escrito nos finais da década de 90 do século XIX, possivelmente em Lund, na Suécia e revela um Strindberg atormentado pela doença. Ou melhor, pelas doenças, visto que padecia de várias. Apontar-lhe esquizofrenia, assim, sem mais, é muito redutor, embora a sua obsessão pelo ocultismo e teosofia e pelas Potências malignas fosse uma realidade. A noção que tinha de perseguição à sua pessoa era tal que chega a atribuir uma enorme tempestade de trovões e relâmpagos como um acontecimento que o teria como única vítima. 

Católico, não o chega a ser por inteiro, visto que se acantona somente no Antigo Testamento, principalmente nas figuras de Elias, de Job e de Jacob, desprezando o Novo Testamento. Muitas vezes recorre aos Salmos de David para castigar os seus próprios inimigos, existentes ou não, e, não sem grande surpresa, vê-se a ligar o AT à filosofia de Nietzsche. Contraditório e provocador, por vezes violento, a sua vida está intimamente ligada à sua obra, tendo inclusive uma tetralogia que a descreve em romances ainda não completamente conhecidos em Portugal.

Os medos e as obsessões de Strindberg não se podem contar pelos dedos das nossas mãos. As dele, afectadas pela psoríase, levavam-no a pensar que eram estigmas iguais aos de S. Paulo cujo corpo era deformado e dorido. Desde a eletricidade, passando pelos relâmpagos, figuras incrustadas em plátanos malhados, correntes de ferro emaranhado, tudo eram sinais de forças maléficas de demónios que se incarnavam em figuras naturais, animais ou humanas. Alquímico, tentou fazer ouro a partir do carbono e do chumbo, presumo que para mal da sua saúde. 

Como ele via a Terra? «Tradução livre: a terra é uma colónia penitenciária onde temos de expiar a pena de crimes cometidos numa existência anterior, e a nossa consciência conserva deles a vaga memória que nos impele a uma melhoria. Como somos todos criminosos, tem razão o pessimista que pensa e constantemente diz mal do próximo» (pág.87)

Aníbal Fernandes, por diversas vezes, aponta algumas incorrecções, contradições e erros, em Inferno, fruto talvez de uma escrita torrencial , mas há uma que não posso deixar de sublinhar pela não compreensão total, quer da mensagem de Jesus Cristo inscrita no Novo Testamento, quando Strindberg o compara a um demónio (já Pasolini o faz com o evangelista Lucas) ou quando afirma que este veio para acabar com a alegria e com o prazer. Para quem admite somente o Antigo Testamento, não deixa de ser um pouco incongruente. Mas a Strindberg tudo lhe é permitido, não fosse ele um escritor dos diabos! Mas o que o liga verdadeiramente ao catolicismo é a sua necessidade de o ligar à «fé dos antepassados».

Não deixa igualmente de ser curioso que eu, neste momento em fase algo depressiva, me tenha dado à leitura de Strindberg. Pela fórmula matemática do - por - dá +, eu já estaria totalmente liberto. Mas não. Esperarei mais um pouco, então.

Nota: a escritora Cristina Carvalho escreveu um livro sobre Strindberg que adquiri há dias e que está na minha lista de leitura. 

domingo, fevereiro 13, 2022

«Sétimo Dia», de Daniel Faria


Não são sete dias. São cinco. E aqui está todo problema que vos coloco. Editariam um livro assim? explico melhor a minha dúvida: quem conhece a poesia de Daniel Faria e já se espantou  (na perspectiva emocional do espanto) com ela sabe a que se refere o «sétimo dia»; logicamente é o dia do descanso após a criação do mundo. Tendo sido Daniel Faria monge em Singeverga faz todo o sentido. Mas em primeiro lugar, não foi ele que o escolheu, visto que a edição é póstuma. Sendo uma edição póstuma e editada pelo seu prefaciador, Francisco Saraiva Fino, e tendo este encontrado os poemas em disquetes juntas ao Macintosh que o poeta usava e impressas em papel, paginadas e rasuradas, poder-se-á pensar a legitimidade da sua edição, mesmo que se tenham assinalado as rasuras e palavras apostas por cima de outras, também rasuradas? Eram 17 as páginas que estavam impressas e que o prefaciador terá publicado com anotações em pé de página, incluindo seis páginas em branco. Tem sentido? E terá sentido «leituras conjecturadas»? Conjecturadas por quem? Em poesia podem-se conjecturar palavras, mesmo que nos pareçam as mais óbvias? Em poesia existe o «óbvio»?

De qualquer maneira, ficamos com alguns poemas belíssimos de Daniel Faria neste livro que, quanto a mim e pese as horas de trabalho que presumo terem existido pelo prefaciador, são passíveis de alguma atenção:

«Falar é uma morte muito violenta. Mas nos teus braços morrerei, se me escutares.» Nota de Daniel Faria neste poema: «...Mesmo assim morrerei nos teus braços. Se»

«Nunca cumpras todas as promessas. É um modo muito triste de morrer»

«Aproxima-te. Preciso dos teus olhos acesos para não me despenhar no vazio. Para não ter frio.»

«D. Afonso Henriques», de José Mattoso


Até agora o livro mais honesto e mais completo que se escreveu sobre Afonso Henriques e o que ele significa para os portugueses. Tive a sorte de ter José Mattoso como professor, convidado por José Antunes, e somente uma vez por mês, para o Curso de História da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, integrado na disciplina de História de Portugal I. Portanto não chegou a uma dezena de vezes as suas aulas nesse ano, mas sei que o anfiteatro I da Faculdade se enchia e, caso talvez único, eu antecipava-me à hora do início da aula nos dias em que ele estava presente para ter lugar. De voz baixa, de barba bem mais comprida do que tem agora mas já então branca, era de uma clareza e rigor impressionantes, o que demonstra a excelência do seu saber construído e trabalhado ininterruptamente até hoje.

O que traduz a importância desta obra é que, talvez sem o autor o querer directamente, desmente e até destrói, quase todas as narrativas contemporâneas sobre Afonso Henriques, a maior parte encomiásticas e de loas nacionalistas ridículas. Aqui, nas 425 páginas deste livro não há panegíricos que valham a construção da personalidade do homem; mas o seu contrário também é verdadeiro: também não embarca nas críticas racionalistas e liberais que quiseram fazer de Afonso Henriques um mata-frades medieval, isto pela mão de Alexandre Herculano. Os fascismos português e espanhol também são aqui escalpelizados como intrusos propagandísticos que só atrasaram e desviaram os estudos sérios sobre Afonso Henriques. 

O homem não era um santo, mas era cristão; seria talvez colérico e boçal, poderia somente saber assinar o seu nome e escrever o símbolo da cruz entre as palavras «Portugal», mas era igualmente capaz de alguns gestos magnânimos e rodear-se de bons conselheiros como a figura ímpar de João Peculiar ou de Alberto, ou ainda de Gonçalo Mendes de Sousa; era audacioso, mas foi derrotado várias vezes, menos do que ganhou em combate, é certo; era um estratega de grandes batalhas, mas não se coibiu de se juntar a bandidos cristãos como Geraldo Sem Pavor em fossados repentinos e pela calada da noite. Tomou vários castelos em combate, mas muitos deles foram-no combinando traições internas de almorávidas contra almóadas, prometendo isto e aquilo a uns e outros; muitos castelos houve que nem luta deram como Santarém e Palmela, aproveitando as revoltas populares de moçárabes contra principalmente os almóadas, os mais rígidos na «sharia»; a conquista de Lisboa foi infame pela violência dos cruzados flamengos e alemães contra a população a quem tinha sido prometida uma, digamos, «pax lusa», mas nem por isso Afonso Henriques não se deixou indignar, tentando, sem o conseguir inteiramente, expulsar estes cruzados e elogiando o comportamento de ingleses e franceses; combatia o infiel muçulmano, mas não deixava de se lhes juntar para atacar o seu genro leonês Fernando II, ou o sobrinho castelhano. E por aí fora... Mas a leitura de José Mattoso dá-nos a certeza, tal a profusão de notas documentais que exibe e cruza com um saber e oportunidade tremendos, que Portugal nasceu pela divina graça de uns quantos cavaleiros que se estavam a marimbar para uma Hispânia unida coisa que nunca existiu nos anais da História e como hoje ainda se vê. Os ataques à Galiza não eram tanto para a conquista, mas mais para obrigar às conversações entre os magnatas, a custo da fome e destruição de colheitas e casas para as populações que adviria destes ataques feudais. Sim, feudais. Em José Mattoso percebe-se a recusa da discussão tão académica como inútil de saber se a sociedade portuguesa era senhorial, enfitêutica ou feudal. A perspectiva que nos dá é que a vassalagem exigida por Afonso Henriques aos senhores do Norte foi claramente aceite por estes, mesmo quando essa vassalagem diminuiu e passou a ser imposta às Ordens Religiosas e Militares do Sul. Os contratos vassálicos eram claros no deve e haver que os suseranos impunham.

Três pontos dos muitos que valem a pena sublinhar: i, não terá sido Egas Moniz o preceptor de Afonso Henriques, mas sim o seu irmão Ermígio que esteve com ele até à sua morte e um destacado conselheiro; ii, o desastre de Badajoz, em que o rei parte uma perna e o torna inapto para o governo traduz uma verdadeira crise de governo. O rei é preso durante dois meses por Fernando II de Leão que se tinha juntado aos muçulmanos, terá pago um resgate e dado os castelos da Galiza que tinha tomado e perdeu o prestígio que tinha em toda a Europa de então, incluindo o papado, o que levou a uma deserção enorme do seu governo tendo perdido vários chanceleres e alferes que se passaram para Castela e Leão, enquanto Afonso Henriques recuperava em Lafões, mais precisamente em S. Pedro do Sul. A historiografia portuguesa nunca dá relevo a esta questão; iii, quem esteve a gerir esta crise foi o seu filho Sancho, na altura príncipe que continuou a fazer doações em seu nome e a combater a Sul, sendo que muitas vitórias dele foram atribuídas ao pai devido a confusão nos nomes que os muçulmanos davam a Sancho com o patronímico de Al-Rink (corruptela de Henriques, «filho de Henrique»); iv, Em 1179, Afonso Henrique faz o seu testamento pressentido a morte que veio aos 76 anos. Doa a este a àquele, principalmente aos concelhos e aos forais de fronteira. Cria hospitais e mosteiros, aumenta os censo ao Papa. Está claramente a redimir-se. José Mattoso afirma, com factos, que, quanto menos se esperava do papa, vem a bula Manifestis Probatum, reconhecendo-o finalmente como rei, 36 anos após 1143. Dá para pensar. Provavelmente, terá morrido sozinho ou a brincar como uma criança com os seus 10 netos. Sabe-se lá...