quinta-feira, novembro 18, 2021

Sobre o quotidiano de miséria (hoje)...

 

Este desenho é icónico e os situacionistas inscreveram-no na sua revista. Sobre estes mesmos traços diz Anselm Jappe em «Capitalismo em Quarentena» o seguinte: «O mundo contra o qual lutaram os situacionistas parece, em comparação, quase idílico. Lembremos este exemplo, que vem dos estudos de Paul-Henry Chombart de Lauwe (1952): o registo de deslocações de uma jovem durante um ano desenhava graficamente um triângulo, apontando os vértices para a sua casa, a escola e as aulas de piano. Reproduzindo esse gráfico na sua revista, os situacionistas, para quem a vida deveria ser uma viagem, mostravam indignação perante uma existência tão limitada. Comparada com o quotidiano actual, com o trabalho à distância, as compras entregues ao domicílio e os «encontros» na aplicação Zoom, a vida daquela jovem adquire ares de aventura.» 
Após esta afirmação, Anselm Jappe tem o cuidado de nos avisar que se deve evitar qualquer tipo de nostalgia ou da lógica do «menos mal» ao ler o seu parágrafo, não vá a docilidade de uma suposta crítica ao estado das coisas impor-se e tornar-se o «novo normal»!

Revista da Internationale Situacioniste, número 1, Junho de 1958

António Luís Catarino

«Capitalismo em Quarentena», de Anselm Jappe, S. Aumercier, C. Homs e G. Zacarias


Uma das mais lúcidas análises sobre o capitalismo em estado de confinamento. Aliás, Anselm Jappe, que prefacia esta edição portuguesa da Antígona, já nos tinha habituado à crítica do valor (ou da tradicional ''mais-valia'' marxista) e do modo de produção como base de toda a crítica que quer realmente transformar o mundo. Daí, este livro não ser condescendente com as esquerdas altermundistas e altercapitalistas que não se acantonam na luta contra o fétiche das mercadorias, do trabalho e da vida quotidiana transformada em sobrevivência cada vez mais impossível de atingir nesta fase do capitalismo. Quando massas imensas da população mundial são tornadas supérfluas e aquelas que ainda não o são vêem a sua condição cada vez mais depauperada, só podemos esperar o pior nesta fase do capitalismo, ele próprio sobrevivente das bolhas especulativas que vai criando de crise em crise.

Os autores de «Capitalismo de Quarentena» partem de um pressuposto logo no Capítulo I »Crise e Crítica»: «A pandemia de covid-19 é o acelerador, mas não a causa, do agravamento da situação de crise global da sociedade capitalista mundial. Este novo acesso de crise económica global, ligado à pandemia, não aparece no céu sereno de um capitalismo em boa forma. É preciso, portanto, tentar compreender o vínculo entre a situação actual e o esgotamento estrutural do capitalismo, iniciado nos anos 1960, e que foi elucidado pela teoria crítica do valor. O conjunto do processo de crise fundamental, que abarca a crise da forma-sujeito moderna e as suas ideologias de exclusão (racismo, anti-semitismo, anticiganismo, populismo produtivo neo-nacionalista, darwinismo social, etc.), deve ser o ponto de partida da análise e da reflexão sobre a crise do coronavírus e das intervenções estatais correlatas.» (pág.17)

Após, em capítulos seguintes identificar, com dados concretos, a dicotomia Estado-Economia como sendo fortemente complementares e não inimigos ou de alguma forma incompatíveis, os autores desmontam a teoria da primazia do Estado sobre a Economia que a pandemia provocou. Nada mais falso, visto que o Estado visou fortemente o evitar da derrocada económica com o aumento vertiginoso e estratosférico das dívidas públicas soberanas. Onde se vê isso? Na verdadeira nacionalização, pelo Estado, dos lucros das empresas e dos salários dos seus trabalhadores, não permitindo as falências e o desemprego explosivo. Só que isto tem um fim, um limite que Marx e Debord previram com uma actualidade que nos faz admirar ainda hoje. O mundo invertido que nos falava Guy Debord, nos finais dos anos 60, vêmo-lo hoje quando neoliberais são neo-nacionalistas, ou quando a extrema-direita luta contra o estado de excepção, proclamando a liberdade! Pior é quando a esquerda quer atingir um outro mundo possível, sem pôr em causa o valor, a mercadoria e a produção, propondo um «decrescimento» em moldes de produção capitalista. Mais verde, menos produção, menos crescimento nada vale se o sistema de lucro não for realmente travado e destruído. 

Mas o confinamento trouxe com ele um fenómeno já em desenvolvimento desde os anos 70. O da quarta revolução industrial electrónica com adesão clara do espectáculo. O ecrã como alfa e ómega de uma nova «distopia» já em curso. Agora, é o teletrabalho que surge como a separação última do ser humano enquanto ser social, com as consequências que podemos adivinhar na saúde, na educação, no trabalho, na habitação (a casa como local de trabalho), na estrutura do núcleo familiar, na condição da mulher, na hostilização do estrangeiro e do não-vacinado ou do doente e dos velhos.

Os autores e Anselm Jappe em particular não encontram razões para estarem optimistas: «Os fanáticos do crescimento económico deverão conseguir mobilizar parte da população a seu favor, e o espírito do curto prazo ainda pode ter longa duração.» (pág.120) Com propostas políticas cada vez mais delirantes e perigosas a serem aceites pela população.

António Luís Catarino

quarta-feira, novembro 17, 2021

Aquisição do livro «Abjectos Surreais»

 

Neste momento, estou em condições de ceder-vos o meu livro sobre surrealistas portugueses, «Abjectos Surreais». São 14 desenhos meus, complementados com textos escolhidos dos autores e acompanhados pela bibliografia consultada. São eles: Pedro Oom, Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Mário-Henrique Leiria, António José Forte, Henrique Risques Pereira, António Dacosta, Carlos Eurico da Costa, Virgílio Martinho, Cruzeiro Seixas, Manuel de Castro, Manuel de Lima, Herberto Helder e Álvaro Lapa. A publicação foi das Artes Breves e o trabalho de composição foi de António Alves Martins. Tiragem 120 exemplares. A aquisição do livro far-se-á através do messenger e mail. Abraço-vos desde já.

domingo, novembro 14, 2021

«O Mito da Razão», de Georges Lapierre

Num momento em que a Conferência de Glasgow se transformou numa palhaçada trágica, chegando-se a propor não fazer mais nenhuma tal a dimensão do seu fracasso, surge-nos, pelas edições «Flauta de Luz» (sim, a da revista homónima) este importantíssimo trabalho de Georges Lapierre sobre o mito da razão. Aliás, ele afirma que o título deveria ser «O Mito do aparecimento da Razão». Deve referir-se igualmente a excelência da tradução de Ana Marques cujo trabalho não foi nada fácil visto que, sendo a linguagem ocidental uma forma de poder, de troca mercantil e de domínio, não se compagina muito bem com povos indígenas cuja linguagem é total, una de sentido e tem o gérmen perigoso da reciprocidade e da dádiva. 

Um exemplo dessa dificuldade de tradução vem logo com uma frase da comandanta (assim mesmo, comandanta) zapatista Ana María que no Encontro mundial zapatista de 1996 e em língua tojolabal brindou os presentes algo confusos com esta frase «Atrás estamos vocês»! É evidente que não tem tradução para nós ocidentais; aqui, nesta pequena frase de Ana María encontramos toda a subtilidade de um pensamento único, indígena. Aquele pensamento da unidade que não reconhece a natureza ou cultura porque o homem e a mulher são partes dessa realidade juntamente com o outro. É uma outra cosmogonia, uma mundividência que produz um modo de pensamento realmente recíproco.

O autor está empenhado na luta zapatista que conhece como poucos. Mas desenganem-se os militantes do logro da integração indígena, cujo pensamento nada tem a ver com a razão (aqui talvez com R maísculo tipo Kant ou Descartes) ocidental. Esta última terá nascido na Grécia Clássica e terá trazido consigo a escravatura, o dinheiro, a troca de mercadorias, a desigualdade de género e o afastamento político dos estrangeiros (os barbaroi), que predomina até hoje. Não é necessário partir a cabeça para saber que a Grécia e Roma foram sempre tidas como exemplos a seguir por todos os tiranos e «democratas», como se não houvesse outras alternativas. A escola e a empresa sabem reproduzir, juntamente com o viscoso «bom senso» a ideia base da razão filosófica ocidental que separou o indivíduo da natureza e da cultura. Para haver ligação entre este elementos, ténue que fosse, seria sempre preciso uma «religio», um mediador que tomou várias formas, principalmente o protestantismo do século XVI até hoje e que legitimou o lucro.

Uma das questões mais interessantes do livro de Lapierre é saber por que razão houve uma «paragem» ou «estagnação» do pensamento entre o período do Paleolítico Superior e do Neolítico até ao Crescente Fértil do Próximo Oriente quando a agricultura tomou a forma de acumulação excedentária mercantil. Desde Lévi-Strauss, passando por Vidal-Naquet, e com eles quase todos os académicos, fogem a esta questão. Dezenas de milhar de anos cujo pensamento estagnou na humanidade? Ora, a resposta de Lapierre é consentânea com a de John Zerzan em «Futuro Primitivo», editado pela Deriva. As comunidades humanas primitivas não viam vantagem nenhuma em transformar o seu modo de pensamento e igualmente de «produção» para se entregar à escravidão. Ou seja, da recolecção e da agricultura dita de subsistência para a troca de produtos transformados em valor. Porque o fariam? Não fosse a nova vaga de antropólogos onde se encontra Lapierre, e este na senda de um Pierre Clastres e de um Marshall Shalins («Idade da Pedra, idade da abundância») ainda hoje estaríamos a navegar pelas águas dos arautos da civilização e da razão.

Um livro a ler com a urgência. Urgência essa que não têm de modo algum aqueles que vêem com um sorriso nos lábios a Terra a deteriorar-se sem que levantem um dedo ou que recusem a revolta. Pior, que menosprezem e que denigrem os que lutam. As ditas elites que nos comandam já sabem onde podem colocar as bolhas de oxigénio em redor das suas casas e bairros, pagos por aqueles que sufocam com o ar que já respiram.

Em Glasgow, o tristíssimo documento que conseguiram publicar, mostra bem a indigência intelectual dos seus assinantes; mas é igualmente arrogante ao pretender «preservar a cultura indígena»!! Quando é exactamente o contrário de que se trata. Só nos salvaremos se os compreendermos em todo o seu pensamento racional tão subtil, como intrincado na totalidade da relação humana.

António Luís Catarino

quarta-feira, novembro 10, 2021

«Escada Líquida», de Maria Aurélia Marcelino e Eduarda Feio

O livro da Antígona, editado há pouco mais de um mês, apresenta-se como «conversas inéditas com surrealistas portugueses», realizadas por Eduarda Feio e Maria Aurélia Marcelino. Estas «entrevistas» tiveram lugar no ano de 1978 e as autoras eram alunas da ESBAL não conformadas com o ensino conservador que aí então se vivia e que era fruto do salazarismo e, simultaneamente, em profunda convulsão e transformação. Intui-se ao longo do livro que essas mudanças na ESBAL não foram tão profundas quanto necessitavam, mas isso levar-nos-ia a outra conversa.

Os surrealistas nomeados são cinco: Henrique Risques Pereira, Mário-Henrique Leiria, Mário Cesariny (que recusou o encontro), Cruzeiro Seixas, Fernando Alves dos Santos (que não foi encontrado) e Pedro Oom cuja entrevista decorreu numa «conversa com um surrealista morto», ou seja, tendo um carácter esotérico e mediúnico. 

Henrique Risques Pereira foi o mais contido, tendo já dado exemplos dessa contenção em outras publicações. Pouco diz e o que diz não esclarece, nem clarifica. A conversa com Cruzeiro Seixas é um resumo, visto que as autoras não a gravaram, tendo somente tomado notas que as editaram sem tratamento posterior. Já com Fernando Alves dos Santos limitam-se a dar-nos provas que estiveram no seu encalço a partir de informações dadas por Henrique Risques Pereira ou Cruzeiro Seixas, sem que o tivessem encontrado no Algarve segundo era a sua convicção. A «conversa» com Pedro Oom limita-se a um sessão quase de mesa pé de galo, em que tentam reconstruir impressões surrealistas ao poeta que morreu de comoção após o 25 de Abril de 1974. Pessoalmente, acho a experiência demasiado pueril.

A coisa muda de figura com Mário-Henrique Leiria que é de uma loquacidade invulgar para quem sempre se escusou a dar entrevistas públicas. Solta-se completamente com as autoras. Só por isso vale a pena ter o livro em mãos. Reparem no que ele afirma:

«Isto de dizer pintura surrealista, ou literatura surrealista, não há, pá. Há gajos surrealistas que fazem pintura, que escrevem, e de vez em quando extravasam tudo o que têm de extravasar, e catrapuz, deitam cá para fora, sai na pintura, sai na literatura, sai no que eles fazem, sai nos actos de vida até, o chamado processo do acto falhado. Nós tínhamos muito esse processo. O acto falhado. Sai cá para fora. É uma revolta. Quanto a mim, é uma posição de revolta perante a sociedade que nos rodeia. Agora surrealismo, surrealismo, é muito difícil dizer o que é o surrealismo. Para mim, não sou capaz.» (pág.33)

E mais à frente:

«Vivência poética? Sempre a tenho feito...ainda hoje. Poeta, quer dizer, dentro de uma forma de viver poeticamente.(...)» (pág. 51)

Um caso sério este Mário-Henrique Leiria. Um livro a ter.

António Luís Catarino


segunda-feira, novembro 08, 2021

António Barros - O poema acompanha a deriva


António Barros – O poema acompanha a deriva

Texto de António Luís Catarino sobre António Barros, parte integrante do projecto-livro “Uma Luva na Língua” (em preparação). [Texto]


Se não morrermos aqui, seremos capazes de ir mais longe?

Internacional Letrista, nº23 de Potlatch


Quando, pelos anos 60, começa a despontar a poesia experimental provocando a náusea aristocrática de muitos iluminados já então escurecidos pela falência filosófica, na decadência da palavra escrita e sentida como mercadoria, não se pensou que aquele tipo de expressão comum e vendável, bem suportado pelo «romance/poesia/imagem», teria muito tempo de vida, tal a vitalidade das novas formas poéticas. A poesia das «emoções», balofas, da virtualidade do pastel de nata e do café pessoano, do enaltecimento do quotidiano como possibilidade de uma falsa poesia da alegria alarve, mesmo que esse quotidiano fosse o da miséria repetitiva no gesto, os poetas experimentais e António Barros em particular, talvez dos poetas mais novos dessa onda purificadora, denunciaram isso mesmo: o objeto como fétiche acumulativo de capital. Nasce então o poema-objeto tão caro a Barros, ironizando toda uma sociedade de produção nas suas peças, mostrando o inconcebível que os arautos da arte sofrível nunca entenderam. O objeto contemporâneo, esse, é todo o fruto de um processo de produção, cujo valor se divide na troca e no uso. Ora, a tese de Marx é recuperada por Debord, chamando-lhe a esta diferença, o espetáculo. Barros e a Po.Ex e provavelmente a Fluxus, perceberam o que outros, excecionalmente dotados para o processo especulativo, nunca perceberam. A experiência, em Barros, toma o objeto em forma de valor de uso, através da apresentação metafórica deste e recusando o seu valor de troca. Essa produção poética verdadeiramente provocante, que nos incomoda e que nos obriga à reflexão, não é benquisto pelas hordas político-parlamentares que continuam a derramar aos borbotões a sua ideia de vidinha. A deriva é exatamente o corolário artístico de António Barros e explicado pelos situacionistas. É uma política notívaga que reage em círculos concêntricos atravessando uma quadrícula urbana repressiva e que se encontra no local onde nos sentimos identificados, livres, usando os objetos certeiros que apontam aos estômagos. Portanto, objeto-poema e deriva contra o quotidiano do tédio é o que se adquire observando e absorvendo cada poema-objeto. Como afirma Asger Jorn «A arte compõe-se, toda ela, de signos que, ao caracterizarem certas qualidades de um objeto, evocam a imagem deste». Justamente. António Barros transforma o valor de uso de um objeto na poética possível: retirando-o da cadeia de produção e propondo-lhe o signo.

António Luís Catarino

Coimbra 21 de abril de 2019

Foto: White Cube Blog

segunda-feira, novembro 01, 2021

«Viagens», de Olga Tokarczuk

Para uma prémio nobel, Olga Tokarczuk, até escreve bem. O que eu vejo e li neste livro foi que ela aderiu e optou completamente por uma escolha pensada na técnica dos fragmentos. Pouco interessa se terá conhecido ou não essa teoria em Pascal Quignard, em Claudio Magris no seu «Danúbio» ou, até em Kapuscinski, mas não deixa de ser de algum modo flagrante a semelhança da sua escrita com a de Magris. 

Não tenho a certeza que a coisa tenha saído bem: os fragmentos, para o serem, têm necessariamente de ter um fio condutor que una os cacos. Essa cola, esse cimento, é, em «Viagens» o corpo humano e a sua forma, levando-nos à descoberta quer do seu funcionamento através dos gânglios, veias, nervos, artérias, ossos, músculos, neurónios, tudo o que se pode imaginar que está cá dentro e a obsessão humana em mostrá-los com soluções químicas e líquidos tão excepcionais como misteriosos e a tanatopraxia, palavra nunca referida em «Viagens», mas sempre presente nas múltiplas variáveis de embalsamamento conhecidas, desde séculos atrás. Pelo meio, e aqui é que a técnica literária falha, coloca-nos em viagem, num diário estranho, envoltos em pormenores superficiais e histórias de desaparecimentos inexplicáveis. A opção da escritora polaca talvez tenha sido essa e aí nada a fazer. Quem pode, manda. Mas os fragmentos ficam de algum modo soltos em demasia, sem ligação entre si. 

De qualquer modo, há momentos bons de escrita, apostos no pensamento de um grande geógrafo holandês do século XVII, amputado de uma perna, e que nos leva directamente à teoria dos fragmentos sejam eles literários ou físicos: «(...) Será porque estamos condenados a ser um todo? Porque toda a mutilação e esquartejamento não passam de uma ilusão que ocorre ao nível da superfície, mas que, no fundo, mantém o todo intacto e imutável? Os mais pequenos fragmentos não pertencem ao todo?»

E sobre a Razão, o mesmo Philip, escreve: «Insistia que o tipo de razão superior não é o raciocínio lógico, mas o intuitivo. Aceder ao conhecimento através da intuição conduz-nos imediatamente à necessidade determinista da existência de todas as coisas. Tudo o que é necessário não pode ser diferente do que é. Quando nos consciencializarmos disso, sentiremos um grande alívio e experimentaremos uma sensação de purificação. Não iremos mais preocupar-nos com a perda dos nossos bens, com a passagem do tempo, com o envelhecimento e a morte. Desta forma, poderemos alcançar o controlo sobre os nossos afectos, bem como a paz de espírito.» E mais adiante: «Precisamos tão-só de esquecer aquela vontade primitiva de julgar as coisas em termos de boas ou más, da mesma maneira que um homem civilizado tem de se esquecer dos seus instintos primitivos - sede de vingança, ganância, desejo de posse. Deus, ou seja, a natureza não é boa nem má; é o intelecto, usado incorrectamente, que nos mancha com os afectos. Acreditava que todo o nosso conhecimento da natureza é, no fundo, um conhecimento de Deus. É este conhecimento que nos liberta da tristeza , do desespero, do ódio e do medo, que são realmente o nosso inferno.»

Aparte estes trechos de algum bom sentido literário deparamo-nos com algumas vulgaridades como a busca do significado estafado e tão académico da palavra grega «kairos», a ilegibilidade e falta de enquadramento literário dos mapas apresentados e uma diatribe, algo absurda, contra os «guias turísticos» que deram cabo do planeta. Olhe, Olga, não foram só eles...

António Luís Catarino