«Se queremos renovar o projecto comunista como verdadeira alternativa ao capitalismo global, temos de fazer uma cisão clara da experiência comunista do século XX. Devemos ter sempre em mente que 1989 representou não só a derrota do socialismo estatal comunista, mas também da democracia social ocidental. A miséria da esquerda dos nossos dias é demais evidente na sua defesa, «por princípio», da ideia social-democrata do Estado social. Na ausência de um projecto radical de esquerda viável, a esquerda não consegue mais do que bombardear o Estado com exigências de expansão do Estado social, sabendo perfeitamente que o Estado não as poderá satisfazer. Esta desilusão necessária vai então servir de recordatório da impotência básica da esquerda social-democrata e assim incentivar as pessoas para uma nova esquerda radical revolucionária. Desnecessário será dizer que uma tal política de «pedagogia» cínica estará destinada a falhar, pois está a travar que não pode ser ganha: na constelação político-ideológica contemporânea, a reacção à incapacidade do Estado social cumprir com as suas obrigações vai ser o populismo de direita. Para evitar esta reacção, a esquerda terá de propor o seu próprio projecto positivo para lá dos limites do conceito social-democrata de Estado social. É também por isso que é completamente falacioso ancorar as nossas esperanças em nações-Estado soberanas fortes capazes de defender o Estado social contra organismos internacionais como a União Europeia, que, segundo se diz, servem de instrumentos do capital global para destruir o que resta de Estado Social. A partir daqui, estamos a um passo de uma «aliança estratégica» com a direita nacionalista devido às suas preocupações com a identidade nacional numa Europa transnacional. (...)»
Da «Introdução», páginas 41 e 42 de «Lenine 2017», de Slavoj Zizek, Elsinore, 2017
Seria bom que aqueles que acreditam ainda na transformação radical da sociedade tal como ela é sob o comando do capitalismo concentracionário tenham a ideia de colocar entre parêntesis o Estado social. A esquerda não ganha nada em defendê-lo como solução única para os males da economia deficitária, porque o Estado, tal como o capitalismo já caminha nesse sentido. É isso que me faz reflectir, cada vez que ouço e leio artigos em defesa inconsequente do Estado «ao serviço dos trabalhadores». Chega-se a pensar que estamos perante uma nova filosofia da miséria!
António Luís Catarino