Ao ler um artigo sobre a Diamang, no Público, deparo-me com fotos que fazem parte de uma exposição do Departamento de História Contemporânea da Universidade do Minho, que constituem um acervo de 30 mil fotos da empresa de exploração diamantífera de Angola. Esta empresa, nos anos 50 e 60, recorreu ao trabalho ''forçado'' de africanos, eufemismo que esconde uma verdadeira escravatura praticada com capitais estrangeiros e coloniais portugueses. As fotos eram não só alvo de censura como de auto-censura dos fotógrafos da Diamang mas, mesmo assim, algumas delas são a face visível da indignidade com que era praticada a segregação e repressão coloniais.
Houve uma fotografia, todavia, que me fez parar a leitura e olhar longamente para ela, em busca de um sentido qualquer que fosse, porque não se encontrava na lógica formal do colonialismo violento. Não se tratava de homens negros que eram obrigados a despir-se e que caminhavam nus nos corredores da Diamang após um dia de trabalho forçado. Os homens brancos não passavam por este crivo securitário! Nem das mulheres e homens obrigados a permanecerem em campos de concentração da empresa durante três meses, prolongando-se a sua prisão por quanto tempo fosse necessário. Ou nas hortas e campos agrícolas de produtos europeus para bem-estar da população branca da administração da empresa.
Esta fotografia exposta acima é toda uma imagem do colonialismo português na base da pior da sua faceta: o chamado «luso-tropicalismo». Pior do que a repressão pura e dura é exercê-la com modos de falsa afabilidade e com uma suposta integração e miscigenação entre brancos e negros dando origem à mestiçagem, alegadamente tão querida por uns e por outros. A mentira que durante décadas, e com a anuência de muitos professores, foi vendida a gerações de alunos. A propaganda do regime teve algum efeito até depois de instaurada pela força a democracia parlamentar. Defendia-se (defende-se ainda hoje!), pela mão de Gilberto Freyre, que os portugueses não aplicaram no terreno a violência institucionalizada pelo colonialismo europeu, antes provocando uma verdadeira mistura de «raças», pelo que o tipo de presença portuguesa em África deveria ser tratada diferentemente da europeia, essa sim violenta, principalmente dos belgas, franceses, holandeses, espanhóis, alemães e ingleses. Nós, portugueses, éramos um caso à parte de todos os outros. Por muito que custe a acreditar isto tentou vender-se na ONU em plena guerra colonial e em três frentes (quatro se contarmos com a Índia), para vergonha de um país inteiro.
Esta fotografia (volto a repetir, porque volto sempre a ela como um íman) é sugestiva: trata-se do autor do luso-tropicalismo, Gilberto Freyre, que atrás de uma rede, presumo que divertido, observa os efeitos da tal miscigenação, «teoria» defendida por ele. Vestido de impecável branco, como aliás a sua pele testemunha, olha, embevecido, embora por detrás da rede, não vá haver misturas!, os efeitos da sua rebuscada idiotia. No pavilhão da Diamang, presume-se que numa escola, os africanos (só homens, não vá igualmente haver misturas de género) aprendem a dançar uns com os outros. Pena igualmente que as fotos não tenham música. Talvez uma valsa de Strauss, pois nunca se sabe do que é capaz um colonialista empreendedor, um missionário voluntarista! Poderia esta exposição ter esta única foto aumentada mil vezes com a legenda «luso-tropicalismo». Para vergonha dos «bons» colonialistas.
Aliás, esta fotografia (mais uma vez sempre ela!) que nos testemunha a presença deste propagandista brasileiro em terras do então império português, foi feita a convite do governo fascista que o levou à Guiné, a Moçambique, a Cabo Verde e à Índia, em 1951. E, claro, a Angola da Diamang, um verdadeiro estado dentro do estado, o que leva a crer que não terá levado somente fruta exótica na sua bagagem. A «teoria» afirmava-se pelo estudo burlesco desta espécie de filósofo de vão de escada: o luso-tropicalismo nesta fotografia mostra a verdadeira face da mentira muitas vezes repetida. Até aos dias de hoje!
António Luís Catarino