«Os ‘’Antifa’’ é melhor esperarem que o outro lado
não se mobilize...porque se virem, o outro lado são
os militares. É a polícia. São montes de pessoas muito
fortes, muito duras. Mais duras do que eles.
E mais espertas do que eles.»
E mais espertas do que eles.»
Donald Trump, declaração televisiva em 2018
Uma vez, já há alguns anos, um grande amigo ligado à coordenação de uma grande editora hoje ainda em expansão,
disse-me «Não edito mais nada sobre globalização. Parecem moscas a editar tudo
e o seu contrário sobre a globalização. Já ninguém compra nada que tenha esse
nome na capa!». Isto vem ao caso sobre o tema «Populismo». São tantos os livros
publicados sobre o populismo de direita e de «esquerda» que nos arriscamos a
deixá-lo passar nos nossos dedos por enfarte.
Desta vez li «Do Fascismo ao Populismo na História», de
Federico Finchelstein, um professor especializado em história do fascismo e
colunista em jornais como o Guardian, Washington Post e New York Times, entre
outros... Simpático da parte dele, acrescentar um prefácio à edição portuguesa
que data de 6 de janeiro de 2019.
Não creio que o livro seja de rejeitar à partida,
principalmente pela esquerda. Primeiro, porque não concorda com
Chantall Mouffe e Laclau que defendem claramente o desenvolvimento de um
populismo de massas no campo da esquerda, segundo porque conduz-nos a uma
leitura mais metodológica da diferença entre fascismo e populismo e terceiro
porque engloba o populismo como fenómeno mundial e não eurocêntrico, original
da América do Sul e da Índia. Não deixa de ter razão neste perspetiva teimosa
do europeu em ver-se a si próprio como protagonista de uma História total que
passa necessariamente pela Europa e só na Europa.
Contudo, embora não se opondo totalmente a Enzo Traverso
deixa algumas considerações que o afastam dele, talvez pela persistência em
analisar populismos de esquerda que situa principalmente no peronismo e no
movimento guerrilheiro que lhe deu forma na Argentina: os «Montoneros». Localiza
os movimentos populistas de esquerda na Colômbia, no Uruguai, Na Síria e Egito,
no Brasil no 2º mandato de Getúlio Vargas (!!), na Venezuela de Chávez e Maduro, na Bolívia de Evo Morales (o livro foi editado antes do golpe) e hoje e à direita, claro, no Brasil de
Bolsonaro, nas Filipinas de Duterte, no Trumpismo americano (identificando vários populismos antes dele,
como George Wallace, Ross Perrot, por ex.).
Na Europa, não há um único governo fascista com esse nome, segundo Finchelstein, porque os movimentos fascistas se transviaram em populismos quando estão no governo ou perto dele, como na Polónia, na Itália de Fini, Salvini e, antes, de Berlusconi, na Hungria de Victor Órban, na Holanda, na Suécia, na Finlândia, na Grécia (o único populismo de esquerda que ele identifica com o renovado Sirysa), Boris Jonhson, na Grâ-Bretanha e por aí fora.
Na Europa, não há um único governo fascista com esse nome, segundo Finchelstein, porque os movimentos fascistas se transviaram em populismos quando estão no governo ou perto dele, como na Polónia, na Itália de Fini, Salvini e, antes, de Berlusconi, na Hungria de Victor Órban, na Holanda, na Suécia, na Finlândia, na Grécia (o único populismo de esquerda que ele identifica com o renovado Sirysa), Boris Jonhson, na Grâ-Bretanha e por aí fora.
Concordamos que o título do livro está longe de nos dar uma
visão pormenorizada da História do populismo (teríamos de ir a Péricles e a
César, não?). Seriam precisos muitos volumes e é com imensa pena que digo que o
autor não peca por ser sintético, antes pelo contrário, repete até à exaustão
ideias e conceitos que cansam quando o lemos. Vale também pela apresentação de
uma bibliografia exaustiva sobre o tema. São dezenas e dezenas de páginas. Mas
vale por colocar a limpo certos conceitos com os quais os leitores podem
concordar ou não. O que liga, então, o populismo de esquerda e o de direita,
qual ou quais os fatores comuns de um e de outro? Vejamos o quadro que nos
apresenta Finchelstein:
1. Uma
ligação a uma democracia antiliberal, eleitoral e autoritária que rejeita na
prática a ditadura (diferente do fascismo)
2. Uma
forma extrema de religião política (apresenta o caso dos Kirchner, de Eva e
Péron e de Chávez)
3. Uma
visão apocalíptica da política que apresenta os sucessos eleitorais e as
transformações que esses sucessos transitórios permitem como momentos
revolucionários na fundação e refundação da sociedade
4. Uma
teologia política fundada por um líder do povo messiânico e carismático
5. A
perceção dos antagonistas políticos como o antipovo – isto é, como inimigos do
povo e traidores da nação
6. Um
fraco entendimento do Estado de direito e de separação dos poderes
7. Um
nacionalismo radical
8. Uma
ideia do líder como a personificação do povo
9. Uma
identificação do movimento e dos líderes com o povo como um todo
1. A
afirmação da antipolítica
1. O
ato de falar em nome do povo e contra as elites dirigentes
A
autoapresentação da defesa da verdadeira democracia e a oposição a formas
imaginárias ou reais de ditadura e tirania (UE, o Império, o cosmopolitismo, a
globalização, etc...)
1. A
visão de um povo como entidade única que, após se tornar regime é equiparada a maiorias
eleitorais
1. Um
profundo antagonismo ao jornalismo independente
1. Uma
aversão ao pluralismo e à tolerância política
1. A
insistência à cultura popular e até em muitos casos, no mundo do entretenimento
como representações de tradições nacionais
Depois desta exaustiva apresentação do divisor comum dos
populismo de direita e esquerda o autor avisa-nos, entretanto, que o populismo
pode não nascer fascista, mas que, invariavelmente, o populismo tornar-se-á fascista
no futuro. Seja orgânico ou protecionista, corporativo ou neoliberal, pouco
importa. O papel que cabe à violência é outro dos casos em que me interrogo
sobre esta questão. O fascismo que se formou pela violência das suas hordas na
rua é recusado pelos populistas, mas não quer dizer que não o aplique pelas
massas, pela legislação teleguiada para dar plenos poderes ao justicialismo, à
polícia ou ao exército, pelos media, pelo incentivo dos jornais de estado, pela educação, as
novas hordas engravatadas do futuro tecnológico que não rejeitam desde que estejam
controladas pelos governos populistas ou fascistas, pós-populistas.
Relembro a citação de Trump no início deste artigo e vejam
se o populismo recusa a violência, a prisão, o assassínio (Putin é um ás, neste
particular), ou o recurso ao exército para reprimir a população que diz
defender...como um todo.
António Luís Catarino
Coimbra, 17 de janeiro de 2020