quinta-feira, janeiro 23, 2020

«Classico», de José Ricardo Nunes


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«Classico» é o último livro de José Ricardo Nunes, um poeta que sigo com cada vez mais interesse. Conheço-o como excelente pessoa e é inquestionável que temos diante de nós um grande poeta. O seu percurso é singular pela coerência formal, pela diversidade dos temas, por uma ironia desoladora e tão inquietante que nos leva a interrogar-nos, não sobre o que o poeta escreve, mas sim pelo efeito que produz em nós.

Não, não foi uma desatenção. O título é mesmo «Classico». Sem acentuação, o que me levou a investigar o étimo da palavra. Deparei-me com o latino classĭcus com várias definições, sendo que a mais natural e consultando o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa é tudo o que não se afasta das regras estabelecidas; que segue os usos, os costumes ou que adquiriu o valor de norma. Não se trata de eu estar enganado nesta perspetiva, ou não. É mais provável que esteja errado. Mas toda a poesia do livro, dividido em três capítulos nos aponta nesse sentido – o da Norma. Diria, até, eivado de um certo conservadorismo que chama o divisor comum da vida e também da morte. O capítulo I é preenchido com o binómio luz e sombra onde a música também está presente, não sendo a primeira vez na obra já extensa do autor que este a utiliza, com os Nocturnos de Chopin e o BWV 147 de Bach. Tal como uma religiosidade implícita a que só o José Ricardo pode dar voz.

Mas pode não ser nada disto e atermo-nos ao Kaffeehaus Classico de Bremen ou o quarto 53 do hotel homónimo onde provavelmente nasceu esta experiência poética e que vem inscrita logo na página 9 do livro. De qualquer modo juntei as duas hipóteses. Sou um mero leitor, avançando com possibilidades várias.

«(...)
O cigarro tépido no banco do adro,
O desespero e tudo o mais que não tem fim,
Tudo sobre a loucura e a ausência
E a ausência de saudades,
Tudo sobre o amor,
A vida, o desgarrado mundo,
A vida perdida, a vida ainda.»

Nos campos II e III (tal como nalguns versos do I capítulo) podemos sentir a memória e o futuro, o passado e o presente, quase sempre o futuro em que já vivemos projetado nas palavras e uma memória que nos remete para um registo poético da infância e da adolescência do autor, e tentar o futuro em transubstanciação:

«(...)
Foi o corpo dar o corpo a comer à alma
E a alma dar a alma a comer o corpo.
E depois, não sei muito bem porquê,
Associei tuso isto ao amor.»

Este livro é uma relíquia.

Editora Companhia das Ilhas
Pedidos a companhiadasilhas.pt
Tiragem: 100 exemplares

António Luís Catarino
Coimbra, 20 de janeiro de 2020