«Classico» é o
último livro de José Ricardo Nunes, um poeta que sigo com cada vez
mais interesse. Conheço-o como excelente pessoa e é inquestionável que temos
diante de nós um grande poeta. O seu percurso é singular pela coerência formal,
pela diversidade dos temas, por uma ironia desoladora e tão inquietante que nos
leva a interrogar-nos, não sobre o que o poeta escreve, mas sim pelo efeito que
produz em nós.
Não, não foi uma desatenção. O título é mesmo «Classico». Sem acentuação, o que me levou a investigar o étimo da
palavra. Deparei-me com o latino classĭcus com várias definições,
sendo que a mais natural e consultando o Dicionário da Língua Portuguesa
Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa é tudo o que não se afasta das regras estabelecidas; que segue os usos,
os costumes ou que adquiriu o valor de norma. Não se trata de eu estar
enganado nesta perspetiva, ou não. É mais provável que esteja errado. Mas toda
a poesia do livro, dividido em três capítulos nos aponta nesse sentido – o da Norma. Diria, até, eivado de um certo
conservadorismo que chama o divisor comum da vida e também da morte. O capítulo
I é preenchido com o binómio luz e
sombra onde a música também está presente, não sendo a primeira vez na obra
já extensa do autor que este a utiliza, com os Nocturnos de Chopin e o BWV
147 de Bach. Tal como uma religiosidade implícita a que só o José Ricardo
pode dar voz.
Mas pode não ser nada disto e atermo-nos ao Kaffeehaus Classico de Bremen ou o quarto 53 do hotel homónimo onde
provavelmente nasceu esta experiência poética e que vem inscrita logo na página
9 do livro. De qualquer modo juntei as duas hipóteses. Sou um mero leitor,
avançando com possibilidades várias.
«(...)
O cigarro
tépido no banco do adro,
O desespero
e tudo o mais que não tem fim,
Tudo sobre a
loucura e a ausência
E a ausência
de saudades,
Tudo sobre o
amor,
A vida, o
desgarrado mundo,
A vida
perdida, a vida ainda.»
Nos campos II e III (tal como nalguns versos do I capítulo)
podemos sentir a memória e o futuro,
o passado e o presente, quase sempre o futuro em que já vivemos projetado nas
palavras e uma memória que nos remete para um registo poético da infância e da
adolescência do autor, e tentar o futuro em transubstanciação:
«(...)
Foi o corpo
dar o corpo a comer à alma
E a alma dar
a alma a comer o corpo.
E depois,
não sei muito bem porquê,
Associei
tuso isto ao amor.»
Este livro é
uma relíquia.
Editora Companhia das Ilhas
Pedidos a companhiadasilhas.pt
Tiragem: 100 exemplares
António Luís
Catarino
Coimbra, 20
de janeiro de 2020