Ou de como, facilmente, se conseguem «best sellers» em
literatura. Prometi, a mim próprio, não colocar aqui qualquer ficha de leitura
que dissesse algo de negativo. Do imprestável, não escrevo. Abro, portanto, uma
exceção, porque esta senhora merece-o. Desta vez, li «La ridícula idea de no
volver a verte», de Rosa Montero, um livro de 2013. Nestes entretantos, Rosa
Montero escreveu «Lágrimas na Chuva» que se multiplicava em edições entre 2011
e 2015. Interessei-me por este último porque pensei que seria uma continuação
livre de «Blade Runner», filme que me marcou positivamente, ou talvez mais que
isso: continuarei, de tempos a tempos, a vê-lo sem me cansar. Não aconteceu
isso com «Lágrimas na Chuva». Parei a meio da leitura, coisa rara em mim, e
fechei-o para sempre. Acho que o despachei para alguém que gostava muito dela. Aquilo nada tinha a ver
com o «Blade Runner», nem com «Do Androids Dream of Electric Sheep?» de Philip
K. Dick. O que eu li, de Montero, foi um embuste, muito bem embrulhado numa
capa sugestiva dirigida ao filme e que supostamente lhe dava continuidade.
Há dois meses caí novamente na esparrela: comprei outro livro de Rosa Montero titulado «La ridícula idea de no volver a verte». Bom, só o título cheirava a qualquer romance de amor, daqueles que estão à venda nas tabacarias de bairro, junto aos maços de tabaco com fotos de moribundos, pulmões desfeitos, cicatrizes enviesadas, olhos cegos e impotências garantidas pelo uso abusivo da nicotina. Mas, por dois euros e meio, comprei o original em edição de «bolsillo» com a capa que podem ver em cima, com uma mulher que voa desbragada por uma Nova Iorque (porque Nova Iorque, não se sabe) com saia larga que lhe permite voar e um soutien aerodinâmico.
Há dois meses caí novamente na esparrela: comprei outro livro de Rosa Montero titulado «La ridícula idea de no volver a verte». Bom, só o título cheirava a qualquer romance de amor, daqueles que estão à venda nas tabacarias de bairro, junto aos maços de tabaco com fotos de moribundos, pulmões desfeitos, cicatrizes enviesadas, olhos cegos e impotências garantidas pelo uso abusivo da nicotina. Mas, por dois euros e meio, comprei o original em edição de «bolsillo» com a capa que podem ver em cima, com uma mulher que voa desbragada por uma Nova Iorque (porque Nova Iorque, não se sabe) com saia larga que lhe permite voar e um soutien aerodinâmico.
O livro tem receita e, mais uma vez, enganou-me. Não chorei
completamente visto ter dado somente 2,5 euros por ele, já manuseado. Trata-se
da vida e da morte dos Curie, Pierre e Marie, incluindo a filha Irène que não
sobreviveu igualmente devido à radioactividade do urânio e do plutónio que
manipulavam sem se protegerem. Morreram todos antes dos 60.
Estoicamente, iniciei a leitura e desta vez não o coloquei de lado.
1 - Primeiro engano: não se tratava de uma investigação
autoral sobre a vida dos Curie. Rosa Montero estava à beira da depressão, há
quase um ano e a sua editora mai-la contabilidade, pediu-lhe um novo romance,
desta vez com uma proposta que se baseava nos Curie. Isto salvou-a da depressão,
claro está, e foi uma boa ideia, sim senhor. Deram-lhe sete biografias de
diferentes origens e diários dos Curie e ela aqui e ali foi retirando o «estudo»
da família. Claro, que retirou o que quis. Não houve, portanto, investigação da
autora.
2 – Outro preceito para a leveza da sua escrita e que leva à
aquisição de milhares de livros: as fotos que povoam o livro que vão desde o
espião Litvinenko assassinado pelos russos através de doses de plutónio «en su
lecho de muerte», passando por uma gravura da Papisa Joana, por um quadro da
Paula Rego, pela calvície da Isabel I de Inglaterra (culpado: o chumbo que
usavam para branquear a pele), por uma foto de uma Nossa Senhora de Fátima
comprada por 6,70 euros na localidade e cujo efeito luminoso, pela noite, pode
ser de radioactividade mortal! Pior: pode-se comprar estas estatuetas da Nossa Senhora pela net! Relações entre as fotos e o texto são
completamente pueris.
3 – Mais modernaça do que nunca, Rosa Montero utiliza os
hastags para que os leitores não se percam ou se desliguem da internet. Vejam o
que é ler assim: «Y aquí hay que hacer un punto y aparte para hablar de la #DebilidadDeLosHombres,
ou ... #CoincÍdencia, ... #Lugar, etc... dá uma fluência de leitura que nem
queiram saber!
4 – A fragilidade da mulher e, aqui, Rosa Montero,
aparentemente feminista, deixa cair muitas contradições que não vale a pena esmiuçar. Constatar-se-iam
por uma foto aposta por ela do assassino de Milwaukee, Jeffrey Dahmer, que
mutilou, torturou, matou e canibalizou as suas vítimas, dezassete ao todo, fora
os que não foram descobertos, com a seguinte questão: «Mira este rostro, por
ejemplo: no crees que augura un temperamento dulce y delicado?». Após o
identificar, remata: «Creo que estos excesos de idealización los padecemos
sobre todo las mujeres, que mostramos una desmesurada facilidad para
inventarnos al amado.» Mau gosto e submissão é dizer pouco.
5 – Mas o mau gosto e a vaidade vão mais longe. É certo que,
Rosa Montero explora até ao limite a vida íntima e os «escândalos» de Marie Curie (porque não a
de Pierre?) e até de Irène Curie através do estudo enviesado das sete
biografias e dos diários que são revelados de Marie, mas escusava de a comparar
com a sua própria vida e aqui o caso é mais sério, razão pela qual me debruço
sobre este livro de que não gosto. Rosa Montero estava com uma depressão. Marie Curie teve várias. Rosa
Montero foi convidada pela editora a «trabalhar» os Curie. Rosa Montero, de
facto, leu as biografias de outros. Pierre Curie morreu atropelado por uma
carruagem. Segundo ela, não foi a carruagem que o matou, mas sim a
radioactividade que o enfraqueceu ao ponto de perder os vários sentidos. Marie
enviuvou guardando para si um pouco de osso do crânio e algum cérebro de
Pierre. Rosa enviuvou de Pablo que morreu de cancro há quase 20 anos. Guardaram
ambas recordações e memórias dos seus amados. Conclusão óbvia: como são parecidas Marie e
Rosa!
6 – Preceitos, portanto, para um êxito literário
contemporâneo de grandes vendas: morbidez, desgraça, citações (Pessoa calhou
bem), vulgaridade, fotos e hastags em catadupa, escândalos assassínios e cancros.
Depressões e ultrapassagens heroicas do estado de limbo em que se encontram as
personagens. Banalidades e assunção da banalidade enquanto tal «Ah, cuánta,
cuantísima # Intimidad hay en estas líneas! La vida real, la mas verdadera y
más profunda, está hecha de estas pequeñas banalidades. Marie le hizo las
natillas que le gustaban.»
7 – Não caio noutra.
António Luís Catarino
Coimbra, 12 de janeiro de 2020