56 anos não constitui nenhum número redondo, daqueles que
são lembrados porfiadamente pelos anais da História. Por isso mesmo, vou
lembrá-lo. 1961, foi o início do fim do Império português. Ainda hoje,
perguntamo-nos como aguentou Salazar na cadeira do poder, num ano que tinha
tudo contra ele. E não é nenhuma metáfora maldosa, visto que foi a queda numa
cadeira que, literalmente, o levou à morte. Neste ano, em fevereiro, deu-se
início à guerra colonial em Angola que se transmitiu rapidamente a Moçambique e
à Guiné-Bissau e Cabo Verde. Foram três frentes de guerra que obrigaram à morte,
durante 13 longos anos, de dezenas de milhar de vítimas. Em janeiro, Henrique
Galvão e um comando luso-espanhol, desviou o paquete Santa Maria para o Brasil,
tendo o governo brasileiro acolhido os «piratas» pró-liberdade como exilados
políticos. Em abril, o General Botelho Moniz tenta um golpe de Estado palaciano
para retirar o poder a Salazar. A extrema da extrema-direita impediu-o de levar
a cabo esta tentativa. Mas a coisa deu frutos. Meses depois, dá-se o ataque do
coronel Varela Gomes ao Quartel de Beja, para que se iniciasse um levantamento
militar geral. Mal preparado e mal planificado, o golpe morreu ali. Em
novembro, um avião da TAP é desviado por Palma Inácio que mais tarde funda um
movimento armado – a LUAR. Portugal é, sem dúvida, um pioneiro nos desvios de
paquetes e aviões. Em dezembro, dá-se a fuga da prisão política de Caxias, de
Álvaro Cunhal e de mais nove camaradas seus do PCP, num carro blindado
de…Salazar! Aliás, este partido aumenta os protestos de rua. É ainda em 1961,
que Nerhu, da União Indiana, anexa Goa, Damão e Diu, enclaves, até aí,
portugueses. É evidente que Salazar tinha tudo para ficar no poder. Ele era um
ditador. Portanto, ditava. Reprimia. Tinha tudo para continuar. Que democrata
conseguiria, hoje, suster-se assim? Ora, é aqui que me interrogo. Na época da
pós-verdade inaugurada por Trump, bastava twittar alegremente, semana sim,
semana não, uma espécie de «bad news» desculpabilizantes. «Portugal is attacked
by bad guys», «I will build a wall in the Atlantic!» etc. Mas o velho ditador,
astuto, sabia o que o esperava: em 1962, em plena contestação académica,
perguntou ao então reitor da universidade de Lisboa, Marcello Caetano, se tinha
dialogado com os estudantes. Este, mentindo, disse-lhe que não. Responde-lhe
Salazar: «Ah, ainda bem, por que se o fizesse, daqui a 10 anos, eram eles que
aqui estavam!». Errou por dois anos!
António Luís Catarino, 12/06/2017
António Luís Catarino, 12/06/2017