Numa praia, ao sol ibérico escaldante, deverão ler livros
sóbrios, dos que fazem pensar, sem rir. Nada de policiais, de humor ou de
autoajuda. Precisamos pensar nos interstícios dos dias livres. Assim,
proponho-vos pensar o Homo Sapiens, esse grande culpado de tudo o que de mal
existe na Terra. Exagero? Pois bem, sentem-se numa cadeira ao sol com um boné
da Repsol, afastem as crianças e os vizinhos que em vez de colocarem os phones
ouvem música aos berros, cuspam em cima dos que apagam as beatas dos cigarros
na areia. Estão em condições de lerem «How to Think Like a Neandertal», de Winn
e Coolidge. A simpatia destes autores por esta espécie que o Sapiens dizimou,
propositadamente ou não, é ótimo para ler vendo os neandertais modernos que
povoam as nossas praias e esplanadas. Contudo, colocam a vida mental deles no
centro das suas investigações na Universidade de Colorado. Os neandertais
ririam? Produziriam arte? Eram capazes de rituais funerários? Teriam deuses?
Bom, eles acham que sim. Através da arqueologia, esta espécie canhestra, recoletora,
incapaz de elaborar grandes tecnologias de caça, bronca, teria alguma
sensibilidade (estranhamente comparam-no a um skinhead), embora rechaçada pelo
bom do Homo Sapiens, incapaz de o seduzir para dentro dos seus clãs e sofisticadas
tribos. Mesmo que um Casanova sapiens declarasse o seu amor por uma neandertal,
o filho que eventualmente nasceria seria infértil, tal a diferença de genes.
Quem nos diz isto? É Yuval Noah Harari em «Sapiens, História Breve da
Humanidade», outro livro que aconselho. A simpatia deste investigador da U. de
Jerusalém por neandertais está aqui bem expressa em contraponto com a antipatia
pelo Homo Sapiens culpado de tudo o que de mal aconteceu na Terra. Era feliz
como recoletor. A agricultura escravizou-o, o Estado castigou-o sem piedade, as
religiões espremeram-no, os impérios utilizaram a cultura única como modo de
dominação, a técnica e a ciência foram o maior logro da Humanidade porque
estamos a desejar sempre mais do que alguma vez poderemos vir a alcançar. As
utopias desfizeram-se em areia depois de milhões de mortos tal e qual como o
capitalismo, o zénite da morte programada por esta espécie. Acabamos de ler o
livro e sentimo-nos incomodados por sermos Sapiens. Mas como começou tudo,
segundo este autor? Pela criação dos mitos e do boato, do dizer bem ou mal do
tipo dentro da tribo. Pela maledicência. Só assim, o Sapiens «prosperou» e
desenvolveu a linguagem, essa forma torpe de poder. Haverá outros que nascerão
dele? O autor hesita entre o Homo Theologicus e o Homo Aeconomicus. Entre um e
outro, oremos aos deuses para que não se cruzem!
António Luís Catarino, 21 julho 2017