sexta-feira, novembro 30, 2018

Culpado? O Sapiens, claro! 10


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Numa praia, ao sol ibérico escaldante, deverão ler livros sóbrios, dos que fazem pensar, sem rir. Nada de policiais, de humor ou de autoajuda. Precisamos pensar nos interstícios dos dias livres. Assim, proponho-vos pensar o Homo Sapiens, esse grande culpado de tudo o que de mal existe na Terra. Exagero? Pois bem, sentem-se numa cadeira ao sol com um boné da Repsol, afastem as crianças e os vizinhos que em vez de colocarem os phones ouvem música aos berros, cuspam em cima dos que apagam as beatas dos cigarros na areia. Estão em condições de lerem «How to Think Like a Neandertal», de Winn e Coolidge. A simpatia destes autores por esta espécie que o Sapiens dizimou, propositadamente ou não, é ótimo para ler vendo os neandertais modernos que povoam as nossas praias e esplanadas. Contudo, colocam a vida mental deles no centro das suas investigações na Universidade de Colorado. Os neandertais ririam? Produziriam arte? Eram capazes de rituais funerários? Teriam deuses? Bom, eles acham que sim. Através da arqueologia, esta espécie canhestra, recoletora, incapaz de elaborar grandes tecnologias de caça, bronca, teria alguma sensibilidade (estranhamente comparam-no a um skinhead), embora rechaçada pelo bom do Homo Sapiens, incapaz de o seduzir para dentro dos seus clãs e sofisticadas tribos. Mesmo que um Casanova sapiens declarasse o seu amor por uma neandertal, o filho que eventualmente nasceria seria infértil, tal a diferença de genes. Quem nos diz isto? É Yuval Noah Harari em «Sapiens, História Breve da Humanidade», outro livro que aconselho. A simpatia deste investigador da U. de Jerusalém por neandertais está aqui bem expressa em contraponto com a antipatia pelo Homo Sapiens culpado de tudo o que de mal aconteceu na Terra. Era feliz como recoletor. A agricultura escravizou-o, o Estado castigou-o sem piedade, as religiões espremeram-no, os impérios utilizaram a cultura única como modo de dominação, a técnica e a ciência foram o maior logro da Humanidade porque estamos a desejar sempre mais do que alguma vez poderemos vir a alcançar. As utopias desfizeram-se em areia depois de milhões de mortos tal e qual como o capitalismo, o zénite da morte programada por esta espécie. Acabamos de ler o livro e sentimo-nos incomodados por sermos Sapiens. Mas como começou tudo, segundo este autor? Pela criação dos mitos e do boato, do dizer bem ou mal do tipo dentro da tribo. Pela maledicência. Só assim, o Sapiens «prosperou» e desenvolveu a linguagem, essa forma torpe de poder. Haverá outros que nascerão dele? O autor hesita entre o Homo Theologicus e o Homo Aeconomicus. Entre um e outro, oremos aos deuses para que não se cruzem!

António Luís Catarino, 21 julho 2017