Nos finais de julho, desloquei-me a um concelho irredutível
que teima em falar a sua «lhéngua» apesar do domínio cultural de Portugal e de
Espanha: Miranda do Douro. O título desta pequena crónica vai, pois, para o
«probo» (orgulhoso) mirandês de raiz proto-latina, latina e asturo-leonesa,
resistentes à força centrípeta de Castela. A razão pela qual viajei até lá, foi
para assistir ao Festival Itinerante da Cultura Tradicional «l burro i l
gueiteiro» e ouvir as vozes femininas das «Segue-me à Capela» e dos mirandeses
dos «Galandum Galundaina». Se o primeiro grupo se baseia na recolha das vozes
populares minhotas, beirãs, sefarditas e transmontanas, o segundo grupo canta
somente em mirandês. Foi formidável. Só se dá valor à maravilha que é ouvir
cantos, alguns já perdidos nos tempos, quem os ouve ao vivo. Mas a estória foi
esta: enquanto esperávamos pelo espetáculo noturno e ao calor abrasador do
planalto eu tinha várias hipóteses de sobrevivência: beber cerveja numa taberna
de Palaçoulo, aldeia que recebeu o festival este ano e ver o Benfica, ou
escolher entre dois «workshops» promovidos simultaneamente: um, sobre o burro
mirandês em perigo de extinção, outro sobre a «lhéngua mirandesa». Sem pôr de
lado a opção cerveja, optei por este último. Bingo! Três horas e meia de
aprendizagem da língua liderado por Alfredo Cameirão. Entre palavras
verdadeiramente poéticas como cinta de la
raposa (arco-íris), caramonos
(bonecos) paixarina, (borboleta),
etc. ou mais algumas regras ortográficas que os leitores podem consultar na
Biquipédia (a Wikipédia mirandesa), veio o desânimo sobre as linhas políticas
adotadas para esta língua: como será possível que num universo de 7500 a 10000
falantes de mirandês em todo o país e imigração e após o reconhecimento oficial
da língua mirandesa pelo governo (Dec. Lei 7/99) não se aumente o número de
três professores (!!) de todo o concelho (7500 almas) para 475 alunos por ano.
Pior: desde 1998 que a Unesco criou a Carta Europeia das Línguas Regionais ou
Minoritárias onde se inscreve o mirandês, sem que Portugal a tenha sequer
assinado (a Espanha obviamente assinou-a). O que leva a este boicote de um
«Pertual ye hoije un paíç zambolbido, eiquenomicamente próspero, social i
politicamente stable i cun Índice de Zambolbimiento Houmano eilebado.
Ancontra-se antre ls 20 países de l mundo cun melhor culidade de bida, anque l
sou PIB per capita ser l mais pequeinho antre ls países de la Ouropa
Oucidental. Ye nembro de las Naciones Ounidas i de la Ounion Ouropeia (na
altura de la sue adeson an 1986, CEE), i nembro-fundador de la NATO, de la
OCDE, de la Zona Ouro (€) i de la CPLP»(1) ? Sim, digo eu, somos «pequeinhos», embora, paradoxalmente, na
«zona ouro», claro!
(1)
–
in Biquipédia, Páigina Percipal
António Luís Catarino 21/08/2017