Cartaz de Ana Catarino
A exposição Anjos do desespero
concebida no Porto e em Coimbra entre 2016 e 2018, contém um conjunto de
desenhos que pretende mostrar-nos estes anjos como mensageiros, como diria
Llansol, que fizeram a modernidade e a contemporaneidade. A sua existência reflectirá
nas pessoas interpretações que só lhes cabe a elas verem. Porque é possível
«ver» um desenho colectivamente. Não será possível «ver» um livro da mesma
forma. As escritas que enformam os desenhos são a tentativa não de uma explicação obviamente absurda,
mas uma recusa da individualização de uma única forma e o desejo de as
entrecruzar. Os Anjos do desespero
tal como Paul Klee os pintou, como Heiner Müller fez deles poemas, e Wim
Wenders os filmou em As Asas do desejo
são aqueles que, apesar de tudo, rejeitam a imortalidade porque exigem a Vida
total, exaltam uma liberdade pura e tentam enlouquecer-nos, como uma saída
possível, para que acabemos com o sofrimento contínuo de uma vida quotidiana
sem senso. Müller avisa-nos: Eu sou o
anjo do desespero, com as minhas mãos distribuo o êxtase, o adormecimento, o
esquecimento, o gozo e dor dos corpos. A minha fala é o silêncio, o meu canto o
grito. Na sombra das minhas asas mora o terror. A minha esperança é o último
sopro. Substituindo o silêncio e o ruído destes desenhos figurativos a
carvão, aguarelados e contornados a tinta-da-china, sobrelevam-se as colagens e
as palavras. Porque só as colagens interagem com o impossível, com o absurdo,
com o non-sense. Daí a sua
importância unificadora e congruente. Produzem todas, no seu cruzamento
simbólico, o vácuo. Esse grande vácuo por onde voam estes anjos desesperados,
vívidos.
António Luís Catarino
Coimbra, 27 de abril de 2018