Tinha 17 anos quando conheci Sita Valles, numa reunião na sede da UEC de Coimbra, em junho de 1974. Fez-se acompanhar por Zita Seabra e escuso-me a comentar o que pensei pessoalmente das duas. Pouco interessa para o que eu quero dizer, mas Sita Valles impressionou-me vivamente pela clareza e entusiasmo que imprimia às propostas de uma organização em evidente crescimento nos liceus e universidades. Nessa ocasião a UEC ganhou muitas associações estudantis e poucas férias tivemos em dois a três anos. Fomos de imediato para o movimento Alfa e, autênticos miúdos, apontámos para o campo alfabetizar e trabalhar com os camponeses. Creio que isso moldou-me como pessoa. E talvez por causa disso em 1977, quando do seu fuzilamento, após tortura e violação por agentes da DISA, em agosto desse ano, já não me encontrava na UEC. Em breve seria uma organização dissolvida pelo PC. Muitos desses militantes afastaram-se e nunca mais voltaram à política ativa. Outros continuaram a política de outras formas e noutros lugares.
Li o livro da jornalista Leonor Figueiredo sobre a vida de Sita que o comprei há uns tempos. Evitava lê-lo e sei-o porquê. É evidente que emociona, mesmo que algumas situações não estejam suficientemente explicadas e a escrita pudesse ser um pouco melhor. É necessário que se saiba a dimensão brutal do que aconteceu nos dias após 27 de maio de 1977, em Angola. Pensa-se em 20 a 30 mil mortos, para não falar de expulsões e torturas generalizadas numa autêntica orgia de sangue e violência que fez sossobrar a melhor juventude, aquela que tentou denunciar a corrupção nascente em Angola. O próprio modus operandi dos torturadores e dos carrascos lembra o Chile de Pinochet que quatro anos antes se tinha dado, com enterramentos e lançamentos de helicópteros de pessoas vivas. E há várias nebulosas ainda: conhecer o relatório de Eduardo dos Santos sobre o tal «fracionismo» de Nito Alves, José Van-Dunen e Sita Valles, nunca apresentado e que esclareceria o seu papel na repressão; o papel do «grande» escritor Pepetela continua a gerar incertezas; e a intervenção do PCP, ou a falta dela, não é ainda clara passados estes anos. Há silêncios que podem explicar tudo, mas a memória de Sita Valles, mesmo com a ingenuidade e o voluntarismo que lhe são atribuídos merecia melhor. E quer se queira, ou não, ela tornou-se um símbolo.