"Ramos Rosa chamou à antologia das suas obras A palavra e o lugar. É verdade: ele é por excelência o poeta do lugar. Kenneth White seria mais o poeta da ausência ou, como ele diz, do não-lugar, ou seja da busca perpétua de um lugar. «Os poetas viajam» dizia Michaux. Kenneth White, poeta escocês que acabou por fixar residência em França, primeiro no sopé dos Pirenéus e depois na Bretanha, não cessou nunca de vagabundear através da Europa, da Ásia e da América. Escreve em inglês e traduz-se a si próprio para francês. Ligado à sua cultura céltica maternal, fascinado pelo Oriente, mas tendo atravessado os grandes movimentos intelectuais europeus, sente-se um «espírito sem morada». Toda a sua obra é uma espécie de anabase: a sua itinerância não é nem exploração nem conquista. Segue o preceito do mestre Eckhart: «avança no teu próprio território». O que procura não é o lugar do mundo. «Estou sempre em marcha, indo a parte nenhuma, em casa. A viajar assim, onde vou? A nenhum sítio. É difícil, mas chegarei um dia. Parte nenhuma é toda a parte, é por mim»).
Não que Kenneth White não sinta a realidade do mundo.Pelo contrário, existem poucas obras tão sensoriais e tão sensuais. Mas o poeta não se deixa nunca fechar, colar à sensação. Paisagens, comidas, corpos femininos, tudo é signo, tudo remete para outra coisa. Kenneth White afronta o mundo com o seu corpo, mas a experiência que tem dele é cosa mentale. Nenhum escritor, tanto quanto me parece, soube a este ponto fazer convergir as duas vias da arte moderna, a de Théophile Gautier («Sou um homem para quem o mundo exterior existe») e a de Novalis («O caminho vai para o interior»).
Tant de choses ne sont plusil ne reste que le soleil
que le soleil là-hautblanc or,et nu
pas libre sans doutemais plein de sa propre nécessité
c'est le matin d'un mondeet je suis là comme un roc à respirer
à respirer vers le soleil.
(Yoga du Soleil)
«A present l'espaceimmense est tout autour de moiet toi fleur d'or tu es en moi
l'art d'Orient dont j'ai fait mon étudec'est ta chair et tes osla courbe de ton oeilta langue et sa musique
en facede tes seins nusla religion perd toute réalité
et la beauté lissede ton ventre amoureuxaccomplit la philosophie»
(Fille de connaissance)
O não-lugar que Kenneth White procura, o supremo, essencial, de que todos os outros são apenas o reflexo ou o resto, é por ele chamado o mundo branco ou a terra diamante. É ao yoga que vai buscar a via que aí conduz.
Mas Kenneth White é um yoghi em estado selvagem, sem disciplina, sem método, sem outras técnicas além das da poesia. E é também ao Oriente que vai buscar a forma poética que constitui a via para o mundo branco. Essa forma, que está para a grande poesia ocidental como um jardim japonês está para o parque à francesa, é feita de jorros, de estilhaços, de rupturas e de silêncios. O seu modelo é o haiku japonês ou o sidjo core ano. O poema já não é um continente mas um arquipélago. E lerei, para ilustrar esta estética, aquele dos seus poemas onde, tanto quanto me parece, a economia de meios é levada ao extremo; é o poema intitulado Matin de neige à Montréal:
«Certains poemes n'ont pas de titreCe titre n'a pas de poemeTout est là dehors»
(it's all out there)
Existe em Ramos Rosa qualquer coisa de luminoso, existe em Kenneth White qualquer coisa de aéreo. Nada disso acontece em Alain Morin. Ele é o poeta da clausura ou, o que vem dar ao mesmo, do exílio. Ele é, como diz o poema de Saint-John Perse com o mesmo título, «Etranger sur toutes les greves de ce monde... Hôte précaire à la lisière de nos villes». O mundo terraqué de Ramos Rosa, o mundo branco de Kenneth White, por muito «pobres» que sejam, são ricos ao lado do de Morin. A própria natureza está aí ausente; o homem também. Na consciência devoluta não subsistem mais que alguns objectos que vão ocupar todo o espaço e proliferar como um cancro mental." ( «Para uma poesia Pobre», de Robert Bréchon», in Poéticas do século XX, (Coord. Maria Alzira Seixo), Lisboa, Livros Horizonte, 1985)
A Deriva editou O Espírito Nómada, de Kenneth Whit:
«Desde há alguns anos para cá, a palavra “nómada” anda no ar. De um modo vago e que necessita apenas de tornar-se preciso, designa o movimento que se esboça no sentido de um novo espaço intelectual e cultural. Mas nas nossas culturas mediatizadas, cada palavra, de imediato sub-traduzida torna-se pretexto para uma moda. Do que aqui se trata não é de um assunto de moda mas de mundo.»
«O nómada que existe em cada um de nós como uma nostalgia, como uma potencialidade, não tem a noção de identidade pessoal, a «consciência de si» é-lhe estranha. Sem dizer «penso» ou «sou», põe-se em movimento e a caminho faz melhor do que «pensar», no sentido denso da palavra, enuncia, articula um espaço-tempo de múltiplas focalizações que é como que um esboço do mundo.
O movimento nómada não segue uma lógica rectilínea, com um princípio, um meio e um fim. Tudo aqui é meio. O nómada não segue para qualquer lugar, e para mais em linha recta, mas evolui num espaço e regressa muitas vezes às mesmas pistas, iluminando-as e talvez, se for um nómada intelectual, com novas luzes.
Neste livro onde se encontrarão portanto mais peregrinações que problematizações, mais mapas que retratos, o prazer de peregrinar acaba por levar a melhor sobre o desejo de saber (aumentar e renovar o campo do saber) e no final da viagem será menos importante a questão de saber do a de ver no vazio.»
Kenneth White (do Prefácio)
«O nómada que existe em cada um de nós como uma nostalgia, como uma potencialidade, não tem a noção de identidade pessoal, a «consciência de si» é-lhe estranha. Sem dizer «penso» ou «sou», põe-se em movimento e a caminho faz melhor do que «pensar», no sentido denso da palavra, enuncia, articula um espaço-tempo de múltiplas focalizações que é como que um esboço do mundo.
O movimento nómada não segue uma lógica rectilínea, com um princípio, um meio e um fim. Tudo aqui é meio. O nómada não segue para qualquer lugar, e para mais em linha recta, mas evolui num espaço e regressa muitas vezes às mesmas pistas, iluminando-as e talvez, se for um nómada intelectual, com novas luzes.
Neste livro onde se encontrarão portanto mais peregrinações que problematizações, mais mapas que retratos, o prazer de peregrinar acaba por levar a melhor sobre o desejo de saber (aumentar e renovar o campo do saber) e no final da viagem será menos importante a questão de saber do a de ver no vazio.»
Kenneth White (do Prefácio)