terça-feira, junho 15, 2010

sexta, 18 de Junho, 18h30 | LEITURAS CRUZADAS (auditório) António Mega Ferreira, Filipa Leal



ESTE LIVRO FOI ESCRITO HÁ MUITO TEMPO.

Era uma mulher que estava dentro de uma sala muito branca.
Ouviu: – Não fujas. Não esqueças.
Era uma mulher lívida de medo de não conseguir esquecer

*
À volta da sala, havia um pomar redondo que a envolvia de maçãs
avermelhadas, difusas. Ela estava lívida e suja, entre a castidade
e o remorso.
Ouviu: – Esquece o arrependimento. Fica.

*
Ao redor do pomar, existira um rio que secara nos últimos
anos. Se o seguisse, junto à margem, em linha curva e longa,
encontraria uma cidade desconhecida. Embora nenhuma cidade
seja desconhecida se soubermos onde está.

Ouviu: – Perder-te-ás na ausência
de água do rio.
*
Não havia um único espelho na sala. Ela não sabia o que era o
princípio e o fim. Desconhecia os conceitos de vida e de morte.
Nunca medira a sala, nem o pomar, nem o terror. Se desejasse,
abriria a porta.

Ouviu: – Assustar-te-á a existência
de dia e de noite
*
Sabia o seu nome. Chamava-se Eva. Nunca questionara. Porque
haveria de questionar um nome simples e breve? Desconhecia o
texto bíblico, e o simbolismo das palavras. Se se chamasse mar,
ou cálice, ou manhã, não o questionaria.

A Inexistência de Eva, de Filipa Leal, Deriva, 2009