Está bem que não foi um concerto memorável e não se exigia isso; no fundo, ninguém se despedia de ninguém, nem a isso obrigaria as circunstâncias. Também é verdade que os parques de estacionamento em redor do Coliseu do Porto estavam plenos de méganes, safranes e dedras e que o pessoal era portador de um espírito revivalista igual ao das suas já um pouco proeminentes barrigas. O cabelo ralava, embora teimosamente comprido. Os blusões de cabedal sairam por um instante do guarda-fato lá de casa. Mas isso não nos impede de dizer que foi inesquecível o momento em que estes três velhos samurais pisaram o palco e começaram a dedilhar as violas para nos dizer o que lhes vai e ao que vêm. E isso ninguém nos pode tirar: a incomodidade (o José Mário Branco chama-lhe inquietação) perante uma política e uma vida que não votámos e um sentimento de desconforto que não se escondeu ali naquelas horas de trabalho, como lhes chamou o Sérgio Godinho. Para nós foi muito mais que isso. Temos as chaves dos carros nos bolsos, mas temos os filhos precários; poderemos ter plasmas em casa, mas já não suportamos a televisão; desistimos dos ppr, mas temos as propinas e os empréstimos que nos entram em casa; assinamos protestos, mas ninguém nos ouve; comprámos a casa, mas temos a sensação de que ela poderá ser engolida pelo banco à primeira falha da prestação; compramos lâmpadas de baixa energia, mas eles estão a marimbar-se para quioto. Talvez por isso, a Rosalinda ou o Charlatão tenha sido acompanhados à letra e a uma só voz. Como, talvez por isso, aplaudimos demoradamente as velhas canções do GAC/Vozes na Luta. Saiu um pouco fora de moda? Talvez, mas é mesmo assim.