Vasily Pukirev - O casamento da Bela Jovem
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Na Galeria Tretyakov, o olhar persegue-nos. Com Pukirev, Tropinin, Perov, Kiprensky e outros mestres russos que pintaram tantos olhares com vida dentro... Mikhail Vrubel, que não conseguiu fugir à tormentosa expressão humana, demasiado humana do seu “Demónio sentado”, um jovem sentado com o seu demónio dentro, se demónio é essa tristeza imensa de não conseguir ter o brilho que dá vida aos olhos. Olhar possuído pela incompreensão e pelo abandono, reconhecíveis sentimentos que davam a imagem do seu diabo. Outros surgem, como Repin, Bryullov, Vastenov, que nos deixaram quadros com o mesmo obscuro olhar pintado em humanos que pareciam teimar em possuir o absoluto.
No casamento da bela jovem, V. Pukirev eleva a subtileza do traço para reduzir a pintura a um jogo de olhares. O noivo, um velho com idade para colocar juízo na sua imprudência, não querendo perceber que na velhice o único elixir para ludibriar a juventude é a fama e a riqueza, segura uma vela acesa e olha, desconfiado, de soslaio, para a sua bela noiva, uma jovem que aceita o casamento por imposição dos pais.
Atrás da noiva, o jovem da sua paixão, seu amor impossível, assiste a tudo de braços cruzados, assim resistindo com a impotência silenciosa de quem não tem poder, mirando com forte intensidade assassina o velho que lhe rouba a mulher só porque é rico e teima em pensar que é capaz de poder substituir a sua grande fortuna pelo carácter dos jovens atraentes. Junto a eles, o padre ortodoxo, coberto por ricos paramentos, pede a mão da noiva para lhe passar o testemunho da aliança que quer religiosamente apadrinhar. Os olhos inquisidores do pai da noiva miram, como polícia corrompido e por isso vigilante, o jovem sem fortuna que vê a sua amada passar para as mãos de um velho que facilmente poderia espezinhar com a força dos seus braços.
Atrás do velho noivo desconfiado, um rosto vigia com raiva e inadequada dor. Um olhar gigante de uma mãe que mira a nuca careca do seu vetusto futuro genro, olhar tão grande que talvez olhe para lado nenhum ou para algum lugar em forma de trevas. Talvez por saber que ali se repete o desmesurado infortúnio da condição feminina. Mulher que também terá sido obrigada a calar o amor por outro e a seguir o desejo imperioso do pai, que noutros tempos tão iguais a casou com quem quis.
Nesse fabuloso quadro de olhares, V. Pukirev conta uma história do seu tempo. Comprova de forma sublime como a pintura também serve para descobrir ou realçar as imperfeições e os contrastes da vida. Dando-lhes rigor, harmonia e beleza, mesmo que a história que querem contar seja tão triste e infecunda. Fazendo com que o somatório dessas histórias com a forma de obras de arte liguem a História da Arte à História de um país.
Foi isso que Carlos Palhal viu mas não deu grande importância quando visitou, pela primeira vez, a galeria Tretyakov, com Irina. Foi isso que passou a ver, com mais importância, sempre que ia a Moscovo; umas vezes, à procura de Irina; noutras, para ter a memória mais perto dos lugares e dos momentos que passou com aquela bela eslava; e, noutras, simplesmente para saborear uma cidade com mil encantos. Irina que estava a seu lado quando olhou para o famoso retrato pintado por Vasily Perov. O Mundo desconhece-o mas imortalizou quem ele pintou.
Na Galeria Tretyakov, o olhar persegue-nos. Com Pukirev, Tropinin, Perov, Kiprensky e outros mestres russos que pintaram tantos olhares com vida dentro... Mikhail Vrubel, que não conseguiu fugir à tormentosa expressão humana, demasiado humana do seu “Demónio sentado”, um jovem sentado com o seu demónio dentro, se demónio é essa tristeza imensa de não conseguir ter o brilho que dá vida aos olhos. Olhar possuído pela incompreensão e pelo abandono, reconhecíveis sentimentos que davam a imagem do seu diabo. Outros surgem, como Repin, Bryullov, Vastenov, que nos deixaram quadros com o mesmo obscuro olhar pintado em humanos que pareciam teimar em possuir o absoluto.
No casamento da bela jovem, V. Pukirev eleva a subtileza do traço para reduzir a pintura a um jogo de olhares. O noivo, um velho com idade para colocar juízo na sua imprudência, não querendo perceber que na velhice o único elixir para ludibriar a juventude é a fama e a riqueza, segura uma vela acesa e olha, desconfiado, de soslaio, para a sua bela noiva, uma jovem que aceita o casamento por imposição dos pais.
Atrás da noiva, o jovem da sua paixão, seu amor impossível, assiste a tudo de braços cruzados, assim resistindo com a impotência silenciosa de quem não tem poder, mirando com forte intensidade assassina o velho que lhe rouba a mulher só porque é rico e teima em pensar que é capaz de poder substituir a sua grande fortuna pelo carácter dos jovens atraentes. Junto a eles, o padre ortodoxo, coberto por ricos paramentos, pede a mão da noiva para lhe passar o testemunho da aliança que quer religiosamente apadrinhar. Os olhos inquisidores do pai da noiva miram, como polícia corrompido e por isso vigilante, o jovem sem fortuna que vê a sua amada passar para as mãos de um velho que facilmente poderia espezinhar com a força dos seus braços.
Atrás do velho noivo desconfiado, um rosto vigia com raiva e inadequada dor. Um olhar gigante de uma mãe que mira a nuca careca do seu vetusto futuro genro, olhar tão grande que talvez olhe para lado nenhum ou para algum lugar em forma de trevas. Talvez por saber que ali se repete o desmesurado infortúnio da condição feminina. Mulher que também terá sido obrigada a calar o amor por outro e a seguir o desejo imperioso do pai, que noutros tempos tão iguais a casou com quem quis.
Nesse fabuloso quadro de olhares, V. Pukirev conta uma história do seu tempo. Comprova de forma sublime como a pintura também serve para descobrir ou realçar as imperfeições e os contrastes da vida. Dando-lhes rigor, harmonia e beleza, mesmo que a história que querem contar seja tão triste e infecunda. Fazendo com que o somatório dessas histórias com a forma de obras de arte liguem a História da Arte à História de um país.
Foi isso que Carlos Palhal viu mas não deu grande importância quando visitou, pela primeira vez, a galeria Tretyakov, com Irina. Foi isso que passou a ver, com mais importância, sempre que ia a Moscovo; umas vezes, à procura de Irina; noutras, para ter a memória mais perto dos lugares e dos momentos que passou com aquela bela eslava; e, noutras, simplesmente para saborear uma cidade com mil encantos. Irina que estava a seu lado quando olhou para o famoso retrato pintado por Vasily Perov. O Mundo desconhece-o mas imortalizou quem ele pintou.
(...)
Cap. I de Morto com Defeito, de Vítor Pinto Basto.
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