Desenho de Herberto Helder em post-it numa esferográfica Caran d'Ache
«(...) E já ouvi que a palavra não traduz a acção. Se a não traduz, como pode superlativamente «ser» a acção? Rimbaud despede-se, e sobretudo toda a grande jerarquia da palavra geradora desde - que sei eu? - a Kabbalah às, remontando, mais eminentes cosmogonias. Resta o jogo?
Afinal o poeta intenta uma forma onde a história se consubstancie e se transmude e miticamente ultrapasse os poderes dispersivos. Não sendo a história nem efectivando nela a revolução, a poesia refere-a no âmbito porventura incontingente, permanente, desconto feito às morfologias.
Para quem se não satisfaça no ludismo nem esgote o empenho do verbo nas gramáticas, e nenhuma alta poesia nelas se esgota, o lugar de passagem e o lugar hipotético de chegada serão sempre dramáticos. Toda a poesia é insolúvel. Não lhe falta ou sobra do mundo aquilo que a embaraça. Trata-se do vácuo criado pela história no seio do mito. O silêncio não traduz apenas a renúncia, mas a ruptura entre mundo e linguagem. O que não se exprime fatalmente pela ausência do dizer. Não será essa mesmo uma condição do dizer? O paradoxo reside nessa ambição unitária no meio da descontinuidade e fragmentarismo de tudo: o mito, a história, o eu. (...)»
Herberto Helder, em «Nota Útil» a «Uma Faca nos Dentes» de António José Forte, Antígona, páginas 17 e 18