A exposição Anjos do Desespero, concebida no Porto e em Coimbra entre 2016 e 2018, contém um conjunto de desenhos que pretende mostrar-nos estes anjos enquanto mensageiros, como diria Llansol, que fizeram a modernidade e a contemporaneidade. A sua existência reflectirá nas pessoas interpretações que só lhes cabe a elas verem. Porque é possível «ver» um desenho colectivamente. Não será possível «ver» um livro da mesma forma. As escritas que enformam os desenhos são a tentativa não de uma explicação obviamente absurda, mas de uma recusa da individualização de uma única forma e o desejo de as entrecruzar. Daí, o processo das leituras que acompanham os desenhos/colagens, realizadas por amigos, que tiveram lugar na apresentação pública da exposição no Liquidâmbar (Coimbra), em 14 de Maio de 2018. Os Anjos do Desespero, tal como Paul Klee os pintou, como Heiner Müller fez deles poemas, e Wim Wenders os filmou em As Asas do Desejo, são aqueles que, apesar de tudo, rejeitam a imortalidade porque exigem a Vida total, exaltam uma liberdade pura e tentam enlouquecer-nos, como uma saída possível, para que acabemos com o sofrimento contínuo de uma vida quotidiana sem senso. Müller avisa-nos: Eu sou o anjo do desespero, com as minhas mãos distribuo o êxtase, o adormecimento, o esquecimento, o gozo e dor dos corpos. A minha fala é o silêncio, o meu canto o grito. Na sombra das minhas asas mora o terror. A minha esperança é o último sopro. Substituindo o silêncio e o ruído destes desenhos figurativos a carvão, aguarelados e contornados a tinta-da-china, sobrelevam-se as colagens e as palavras. Porque só as colagens interagem com o impossível, com o absurdo, com o non-sense. Daí a sua importância unificadora e congruente. Produzem todas, no seu cruzamento simbólico, o vácuo. Esse grande vácuo por onde voam estes anjos desesperados, vívidos.
António
Luís Catarino
Coimbra 5de Novembro de 2020