domingo, agosto 14, 2011

Para que serve a poesia hoje?, Jean-Claude Pinson (tradução José Domingues de Almeida)



A segunda parte de Para que serve a poesia hoje? é constituída por uma série de perguntas/respostas que se seguiram à conferência proferida por Pinson, a 12 de Janeiro de 1999 em Nantes.

Jean-Claude Pinson
 [...]A pergunta que lhe queria colocar é a seguinte: será que a concepção que expôs não passa, ao fim e ao cabo, de uma concepção histórica, transitória, passageira, muito actual desde a queda das ilusões do surrealismo? Hoje em dia, estaríamos neste ponto, i.e. numa espécie de dúvida de si, mantida pelos jornais, pela televisão porque, no fundo, se teme o poder subversivo da poesia – pois se a filosofia ajuda a pensar com rigor, a poesia ajuda a pensar de forma diferente. Assim, não estaremos nós numa fase transitória desde há 20 anos, e poderemos nós imaginar, conceber transformações que renovem coisas mais antigas sob formas novas?
É-me muito difícil fazer prognósticos quanto ao que será a poesia de amanhã. Posso, claro, desejar uma situação em que lhe fosse dado melhor acolhimento e em que contasse mais na sociedade. Mas não estou certo de perceber bem hoje os sinais desse futuro risonho.O que observo, no entanto, é que a questão da poesia – e, julgo, será uma das questões mais vivas hoje nos debates em torno da literatura – permanece muito presente e de novo muito aberta. A poesia não é um objecto indiferente; ela continua a suscitar fortes interrogações e tomadas de posição apaixonadas, mesmo se tal diz apenas respeito a um número restrito de pessoas. Como se a poesia continuasse, apesar de tudo (mesmo quando tem pouca visibilidade social), a ser uma dimensão essencial, fundamental da nossa presença na linguagem e no mundo.Quanto aos poderes que a poesia teria, quando não de suscitar, pelo menos de anunciar transformações mais fundamentais, estou de certa forma perplexo. Não podendo «mudar a vida», a poesia estaria em condições de preservar a possibilidade de outro futuro do homem na terra, de indicar às nossas existências outra medida, outro ritmo para além do imposto, hoje em dia, pelo domínio da técnica e do mercantilismo. É uma posição que se pode encontrar num poeta como Yves Bonnefoy. Este último mantém nos seus escritos com carácter teórico a ideia de que a poesia seria portadora de uma esperança. Hoje, há uma espécie de monocultura que se foi impondo em toda a superfície do planeta, de forma cada vez mais pesada, mas na sombra, afirma sumariamente Bonnefoy, a poesia vai ficando de guarda. Talvez anuncie – há que sermos muito prudentes neste tipo de prognóstico – uma outra era da humanidade. É a velha ideia, presente já nos primeiros românticos alemães, de um «deus vindouro». Encontramo-la também em Hölderlin. Os deuses fugiram: já não há nem cosmos harmonioso, nem deus transcendente para dar sentido e fundamento à nossa existência. Tudo isso se desmoronou com o século das Luzes, mas, em segredo, a poesia trabalha na preservação da possibilidade de outro entendimento da linguagem (do logos) – um entendimento capaz de ajudar, um dia, a sair do túnel da época. Ela conserva a esperança de um novo sagrado – de um mundo em que nem tudo estaria submetido ao reinado da mercadoria.Quanto ao resto, estou bem consciente de que tudo quanto disse esta noite depende inevitavelmente de um ponto de vista e de uma história. Como escapar à própria época? Como «saltar por cima da própria sombra»? Falo a partir do que conheço: a poesia contemporânea. Quando analiso a sua paisagem, esforço-me por ser objectivo. Mas o meu ponto de vista, como qualquer outro, está situado. Tenho, como cada qual, uma história. Por exemplo, descobri com verdadeiro deleite, nos anos sessenta, no contexto do que chama de «terrorismo estruturalista», um autor como Denis Roche. Na altura, achei nele uma grande frescura, um grande vigor, em ruptura com o «ronrom» poético de então. Quando, vinte anos mais tarde, retomei os seus textos, o meu sentimento já não foi o mesmo.Tudo isto para dizer que, afinal de contas, o importante não está nos propósitos teóricos, nos manifestos ou nas proclamações de intenção. Os propósitos teóricos podem apenas contribuir para um trabalho de limpeza, de desengorduramento, das várias formas pesadas da poesia. O que importa verdadeiramente, em último recurso, são as próprias obras, a sua pertinência, o seu vigor, mas também o seu poder de permanecerem substanciais para além da emoção da novidade que suscita o seu aparecimento. [mais aqui]