Foto de António Pedro Ribeiro
Não sou dado a saudosismos. Evito sempre a efeméride e a lembrança da pequena data. Há, no entanto,a de hoje que não me sai da cabeça e que me diz que o Castro Caldas se foi há 3 anos. Comprei-lhe o
Português Suave, em 1977, no Tropical em Coimbra. Bebíamos cervejas ininterruptamente e falávamos dos sonhos de quem tinha 20 e poucos anos, poesia sempre incluída. A ele acrescentava-se o teatro. Perdi-lhe o rasto durante anos e vim a encontrá-lo no Porto, já doente mas sem queixas e com um sentido de humor que não tinha perdido. Ria com os títulos dos novos «romances». ria com a «nova» poesia, daquela que recusava a declamação, a rua ou o vão dos bares. É disso que me lembro do Caldas: da vontade de viver e da realidade contraposta que os médicos impunham nas visitas que fazia ao Santo António. Nunca deu de si. Lembrava-me, nos cafés das Antas onde queimavamos tempo como só ele sabia fazer com a qualidade necessária de quem tinha todo o tempo do mundo, algumas cenas passadas com a Juliette Greco, com Leo Ferré (que o viu a declamar em Paris o
Avec le Temps, na rua) ou com Ary dos Santos. O Joaquim faz-me falta e à Deriva. Numa época onde a poesia é cada vez mais esquecida ao ponto de a termos suspendido este ano que passa, o Castro Caldas faz falta. Para dar alento. Para nos fazer acreditar que a poesia tem de ser sobretudo vivida todos os dias. De qualquer maneira, o
Mágoa das Pedras aí está editado por ambos e com a alegria de quem escolheu os poemas, como este:
Espero que haja música
no espaço mítico da morte
a água não corre na fonte
a erva não cresce no monte
não cheira a pó de Alexandria
nem áspero nem seda
os sentidos não circulam
como o sangue e a seiva
a liberdade é uma varejeira
os poemas são peidos
a citar arrotos velhos
e querem que os putos comam
a carne seca dos navios?
aprendam a vida sexual
dos abutres à mercê dos cânticos?
a intervenção mais juvenil
é o boicote à criação arrumada
só tu és o mestre da tua vontade
só tu és o aluno da tua árvore
espero que entre o bem e o mal
a tua amada musa dance dance
Poesia, in Mágoa das Pedras, Deriva, 2008