terça-feira, abril 26, 2011

As aventuras de Said e Sheila continuam na Antártida...

Depois do Perigo Vegetal, agora em 2.ª ed, Ameaça na Antártida. 


"Olá, jovens do passado! Sou eu, outra vez, Sheila, que vos escreve do   futuro, mais precisamente, do  ano 2077, escrevo-vos do vosso futuro que é o meu presente. Nos tempos em que vivo, a ciência avançou muito, mas mesmo assim ainda não é possível viajar no tempo para que nos possamos conhecer pessoalmente. Tenho de mesmo de  me conformar e limitar, por agora, a  contar-vos a minha vida, o que já não é pouco.
Já sabem que Said e eu somos órfãos. O meu irmão Said, a minha única família, está quase, quase  a fazer catorze anos. Eu fiz, há pouco, doze. Said cresceu e – digo-vos isto, mas fica só  entre nós, não lhe digam que eu disse , tornou-se  um pouco repelente.  Já não me liga  como dantes e, desde que conheceu Irina, nem vos digo, nem vos conto.  Passa  dias inteirinhos a falar com ela, ou através da rede informática,  ou através do videotelefone, como se não tivesse nada de melhor para fazer. Até se tem descuidado no trabalho, coisa muito estranha nele!  Bem, a verdade é que não faço ideia do que possam de ter de tão interessante para contar um ao outro… cá para mim, são quase namorados, apesar de Said não gostar nada destas minhas insinuações e até ficar zangado comigo. Enfim, não vale a pena pôr a carroça à frente dos bois, o melhor, mesmo, é contar a história do princípio.
As aventuras têm-se sucedido, qual delas a mais pitoresca e perigosa. Para não ir mais longe, vou contar-vos uma coisa que nos aconteceu há uns meses atrás, quando conhecemos a Irina e o seu pai. Vou contar-vos, porque a coisa teve o seu quê, e não foi propriamente uma brincadeira. Vamos lá, então.
Tudo começou num dia normalíssimo, era maio e estava um tempo muito agradável. Os prados que ladeiam o nosso rio estavam repletos de flores de todas cores; borboletas e libelinhas batiam as asas para saudar a primavera. Said andava a fazer desenhos de novos tecidos no computador, pois essa é a nossa forma de ganhar a vida, já que, como somos órfãos, temos de nos sustentar a nós mesmos. Eu, que estivera até então a trabalhar, parei um pouco e fui até à janela olhar o rio, para descansar um pouco. Aqueles foram dias de muito trabalho, tivemos de preparar uma coleção nova de desenhos o que nos estafou imenso e nos fez levantar muito cedo durante aquela temporada. Por isso, fui até à janela espairecer, olhando  o rio que passa mesmo  por baixo do moinho onde moramos. 
De repente, o coração saltou-me. Fiquei, estarrecida. Por quê? Perguntam vocês. Dúzias e dúzias de peixes, trutas, carpas, barbos, lúcios, enguias, e outros, passavam mortos. Centenas de peixes, que o nosso rio é abundante em água e em vida, boiavam na corrente, tesos e inchados, com a barriga para cima. Dava dó ver aquilo. O que se está a passar? Gritei por Said.
— Anda Said! Corre!
— Que se passa Sheila? Por que me interrompes? As ideias vão-me fugir!
— Olha o  rio!
Said olhou e ficou tão impressionado como eu.
—  Isto é incrível, Sheila. Nunca vi nada assim. Que mortandade!
—  O que se terá passado?
— Não sei, Sheila. Talvez alguma epidemia. Ou qualquer coisa derramada acidentalmente, apesar de não imaginar sequer de onde possa vir. Temos de recolher alguns peixes, para examiná-los.
Nunca a expressão “arrepios na espinha” teve tanto sentido. Pressentia problemas e não me enganava. Para que entendam melhor, preciso que saibam que no nosso rio – nem em Loreda, nem mais acima – não há nenhuma indústria e, na nossa época, todas as atividades poluentes são estritamente proibidas e severamente castigadas. Ninguém ousa contaminar a água, o ar ou a terra. Ninguém pode fazer nada, a não ser que seja absolutamente inofensivo para o ambiente, as plantas e os animais. E ninguém desrespeita estas normas, pois sabe que, se o fizer, irá prejudicar toda a gente; nas nossas indústrias e nas nossas cidades reciclam-se todos os produtos, ou voltam a reutilizar-se, sem necessidade de fabricá-los de novo, assim evitamos a produção de resíduos inúteis. Sei, pelos textos de História, que na vossa época têm uma forma de tratar o ambiente que nos horroriza. Estou a referir-me, concretamente, a esse vosso hábito de “usar e deitar fora”. Vocês são uns irresponsáveis…
Desculpem lá, comecei a divagar. Mas, voltando ao nosso assunto, o aparecimento de tanto peixe morto junto ao nosso moinho foi um grande susto. Aquilo não fazia nenhum sentido, algo muito estranho estava a acontecer. Antes de comunicarmos a notícia, às autoridades, decidimos investigar, por nossa conta e risco, o que se estava a passar. Said procurou uma rede e, com a ela, apanhou vários peixes. E eu recolhi amostras de água. Já no nosso laboratório, Said começou por fazer a autópsia aos peixes e, depois, analisámos a água. A mim, se querem que vos diga, ver Said a remexer as tripas daqueles pobres animais, fez-me muita impressão, apesar de perceber que aquilo tinha mesmo de ser feito. Não havia outra forma de saber como morreram. Said estava estupefacto. Verificava uma e outra vez os resultados, consultava o computador, conferia novamente os dados, incrédulo, suspirava.
— Que se passa, Said?
— Não compreendo, Sheila, estes peixes não apresentam sinais de terem morrido por contaminação de nenhum produto químico. Nem sequer por nenhuma infeção. As águas estão limpas e bem oxigenadas, têm todos os nutrientes necessários. A temperatura da água é normal. Não consigo perceber a causa desta catástrofe.
— Tens a certeza do que dizes, Said?
— Absoluta, verifiquei uma e outra vez os resultados. Todos os dados estão normais. Estes peixes deviam estar a nadar à vontade pelo rio abaixo, mas é evidente que aconteceu alguma coisa. A não ser que — interrompeu-se — É incrível! Espera, tenho de comprová-lo! Agora mesmo!
Said abandonou tudo o que tinha entre mãos e saiu a correr pelo quarto fora. Eu, surpreendida, fui atrás dele.
— Que fazes? Oh! Deves ter endoidecido?
— Deixa-me, Sheila, já te explico. Agora, não tenho tempo a perder.
O meu irmão já corria pelas escadas acima, para o sótão. Aí, começou a remexer num monte de alfaias e de quinquilharia. Falava sozinho.
— O avô tinha um, tenho a certeza. Onde estará agora?
— Said, mas o que é que procuras? Cuidado!
Um monte de trastes poeirentos estava quase a cair em cima de meu irmão, ameaçando esmagá-lo. E tudo porque ele tirou uma maquineta enferrujada daquele monte de coisas. Livrou-se da derrocada por um triz e, com a mesma convicção com que subiu as escadas, voltou a descê-las e foi, a correr,  para o laboratório.
— Aqui está! Até que enfim que o encontrei. – repetia.
— Said, de uma vez por todas, queres explicar-me o que é que se passa?
Ignorou-me, estava frenético, com aquela maquineta. Eu nunca tinha visto nenhuma igual, e mesmo que a tivesse encontrado, nem que fosse numa exposição de antiguidades, tê-la-ia ignorado. Era uma caixa quadrada de lata, uma espécie de maleta com uma asa, ao abri-la apareceram vários botões giratórios, interruptores e indicadores parecidos com relógios antigos. Uma grande esfera de vidro ocupava quase metade da caixa, com uma agulha indicadora, vermelha. Um cabo saia daquela caixa e acabava num sensor grosso e negro, parecido com um antigo microfone." Ramon Cáride / Miguelanxo Prado