BAILIAS,
de Catarina Nunes de Almeida Deriva, 2010, 68 págs., | Poesia
Pedro Mexia
Em vez de um discurso ‘feminista’, crítico, sarcástico ou desconstrutivo, Catarina Nunes de Almeida (n. 1982) tem escolhido um tom aparentemente anacrónico para proceder, por dentro e de mansinho, a uma revisão empática e irónica do ‘feminino’ em poesia. Veja-se como em “Prefloração” (2006), mas também em “A Metamorfose das Plantas dos Pés” (2008), recuperou um universo vegetal, mais diáfano ou mais sensual, conforme os casos, mas voluntariamente antigo. O recente “Bailias” prossegue esse caminho, convocando desta vez a memória das cantigas de amigo. Os poemas são folguedos, bailes, barcarolas, miniaturas bucólicas, e nem faltam vocábulos arcaicos e outras remissões para a poesia galaico-portuguesa. Uma poesia inicial e canónica, que ecoa em contemporâneos como Eugénio de Andrade (que é por isso citado). Tal como em Eugénio, o erotismo vigiado das cantigas de amigo é aqui chamado para primeiro plano. As “meninas”, correndo pelos bosques e pinhais, pelas noites e as ermidas, descalças até aos ombros, vão ter com os “amigos”, numa sucessão ritualista de anseios, hesitações e glórias. O imaginário medieval apenas nomeava, em chave simbólica, os cabelos e as tranças, mas agora surgem também o “ventre” e a “vulva”, além de subtis deslocações de sentido, corruptelas, alusões. E assim somos guiados de volta a esse tempo genesíaco, tempo de cântico das criaturas: “Dai-me só mais este passo, meu amigo,/ às escuras às curvas/ pelas ervas abaixo./ Dai-me desse certeiro espinho desse derradeiro laço/ às escuras às escuras:/ só mais esse poço primitivo (...)// Alguém atire a primeira perna./ Alguém diga/ desta espádua beberei.” Um cântico violentamente delicado. Pedro Mexia