terça-feira, outubro 19, 2010

"Estás a olhar para onde?"


Alexandra Moreira da Silva modera, no próximo sábado, uma conversa com Jorge Silva Melo, Maria João Luís, Nuno Cardoso, Patrick Sourd.

Na Deriva, Alexandra Moreira da Silva traduziu e posfaciou  A INVENÇÃO DA TEATRALIDADE, de Jean-Pierre Sarrazac.



« Início de Sobre a Arte do teatro, Contra-Regra, que acaba de mostrar o local ao Amador de Teatro com o objectivo de lhe propor um breve olhar sobre o «mecanismo» («construção geral, palco, maquinaria dos cenários, aparelhos de luz e tudo o resto»), convida o seu hóspede a sentar-se «um momento na sala» e a interrogar-se sobre «o que é a Arte do Teatro»… A lição merece ser ouvida: não deveríamos nunca abordar a mínima questão de estética teatral sem antes nos termos instalado, ainda que mentalmente, em frente ao palco. Antes de reflectirmos sobre o teatro, é importante constatarmos novamente que este palco estreito – e no entanto destinado a servir de base a todo um universo – em repouso, parece um deserto. Noutros tempos, a cortina vermelha permitia dissimular este vazio aos olhos dos espectadores; entreabria-se apenas para deixar passar as miragens preparadas nos bastidores. Puramente funcional, a cortina de ferro interpõe-se hoje, no início da representação, entre o público e os artistas, simplesmente para melhor sublinhar a abertura, o vazio da cena moderna. Por detrás das cortinas de veludo, os nossos antecessores podiam adivinhar a abundância e a plenitude de um teatro alicerçado na ilusão. Actualmente, mal vemos subir a cortina de ferro, sabemos que aquele cenário, aquela cenografia nunca conseguirão preencher o vazio do palco nem satisfazer-nos completamente, a nós público, com os benefícios da sua aparência. O palco, mesmo (e sobretudo) o mais preenchido, continua vazio; e é justamente esse vazio – o vazio de toda e qualquer representação – que ele parece estar destinado a exibir perante os espectadores.

Aliás, desconfio que Gordon Craig e o seu Contra-Regra terão confrontado o seu Amador de Teatro com esta irremediável vacuidade do palco apenas para lhe incutirem a ideia de que a Arte do Teatro[2] já nada tem que ver com a plenitude e o jorro da vida, mas muito mais com os movimentos furtivos, erráticos e desencarnados da morte - «Esta palavra morte, nota Craig, surge naturalmente na escrita, por aproximação com a palavra vida constantemente reclamada pelos realistas».

A colecção Pulsar, dirigida pelo Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, inclui textos relevantes em torno da literatura e de outras artes. Estes pequenos livros, que se podem ler numa viagem de comboio ou a uma mesa de café, pretendem emitir um sinal luminoso, sentidos de um pensamento, fulgurações de palavras. Como os enigmáticos e distantes pulsares.