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A propósito do lançamento de Para que Serve a Literatura?, de Antoine Compagnon, na colecção PULSAR, fruto de uma parceria com o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, da Faculdade de Letras do Porto, onde foram já editados Jean ‑Pierre Sarrazac (com A Invenção da Teatralidade seguido de Brecht em Processo e O Jogo dos Possíveis), Pascal Quignard (com Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos), não resistimos a partilhar um excerto de um texto Rosa Maria Martelo que pode ser lido na íntegra aqui.
É certo que a literatura “pode” muita coisa: pode proporcionar um contacto único com a complexidade do discurso; pode associar discurso e emoção estética; pode promover o conhecimento do outro no tempo e no espaço; pode facultar ao leitor um auto-conhecimento. E é certo que o que chamamos “literatura” é um conjunto de práticas discursivas de tal modo heterogéneo e diversificado que seria possível desenvolver aqui listagens imensas e cheias de especificidades, distinguindo o papel da poesia do da narrativa, distinguindo a função da literatura mais culturalista e de circulação restrita daquela que obtém largos sucessos de mercado, distinguindo a literatura para a infância e a juventudecomo uma área de criação específica, etc. Mas, hoje, talvez o mais importante seja transmitir aos estudantes de literatura, e de poesia em particular, que o seu trabalho incide sobre tipos de discurso que são extremamente abertos ao diálogo com outras artes, com outros discursos, com outras práticas culturais. Se no século XIX emerge, fortíssima, a relação entre Literatura e Nação, hoje o que sobressai é o modo como a Literatura põe em relação identidade linguística, cultural e social com a experiência intercultural que caracteriza o mundo em vivemos. Não há como recusar o breve diagnóstico de Antoine Compagnon, quando descreve o lugar da literatura na sociedade actual:
(...) le lieu de la littérature s’est amenuisé dans notre société depuis une génération:à l’école, où les textes documentaires mordent sur elle, ou même l’on dévorée;dans la presse, où les pages littéraires s’étiolent et qui traverse elle-même une crise peut-être funeste; durant les loisirs, où l’accélération numérique morcelle le temps disponible pour les livres. Si bien que la transition n’est plus assurée entre la lecture enfantine (...) et la lecture adolescente, jugée ennuyeuse parce qu’elle requiert de longs moments de solitude immobile.
Se pensarmos na exiguidade das actuais tiragens de livros de poesia, na sua reduzida visibilidade nas páginas da imprensa, onde facilmente “perde” diante das artes que exploram a imagem visual, se pensarmos na reputação de “difícil” que lhe atribuem os estudantes, no lugar geralmente periférico que os livros de poesia ocupam nas livrarias, esse diagnóstico não pode senão agravar-se.