terça-feira, agosto 24, 2010

Antoine Compagnon: Para que Serve a Literatura? [col. PULSAR]

(imagem daqui)

A propósito do lançamento de  Para que Serve a Literatura?, de Antoine Compagnon, na colecção PULSAR, fruto de uma parceria com o  Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, da Faculdade de Letras do Porto, onde foram já editados Jean ‑Pierre Sarrazac (com A Invenção da Teatralidade seguido de Brecht em Processo e O Jogo dos Possíveis), Pascal Quignard (com Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos), não resistimos a partilhar um  excerto de um texto   Rosa Maria Martelo que pode ser lido na íntegra aqui.



É  certo  que  a  literatura  “pode”  muita  coisa:  pode  proporcionar  um  contacto único com a complexidade do discurso; pode associar discurso e emoção  estética;  pode  promover  o  conhecimento  do  outro  no  tempo  e  no  espaço;  pode  facultar  ao  leitor  um  auto-conhecimento.  E  é  certo  que  o  que  chamamos  “literatura”  é  um  conjunto  de  práticas  discursivas  de  tal  modo  heterogéneo  e diversificado  que  seria  possível  desenvolver  aqui  listagens  imensas  e  cheias  de especificidades,  distinguindo  o  papel  da  poesia  do  da  narrativa,  distinguindo  a função da  literatura mais culturalista e de circulação  restrita daquela que obtém largos sucessos de mercado, distinguindo a literatura para a infância e a juventudecomo uma área de criação específica, etc.  Mas, hoje, talvez o mais importante seja transmitir  aos  estudantes  de  literatura,  e  de  poesia  em  particular,  que  o  seu trabalho  incide sobre  tipos de discurso que são extremamente abertos ao diálogo com  outras  artes,  com  outros  discursos,  com  outras  práticas  culturais.  Se  no século XIX  emerge,  fortíssima,  a  relação  entre  Literatura  e Nação,  hoje  o  que sobressai  é  o  modo  como  a  Literatura  põe  em  relação  identidade  linguística, cultural  e  social  com  a  experiência  intercultural  que  caracteriza  o  mundo  em vivemos. Não há como  recusar o breve diagnóstico de Antoine Compagnon, quando descreve o lugar da literatura na sociedade actual:
(...) le lieu de la littérature s’est amenuisé dans notre société depuis une génération:à  l’école,  où  les  textes  documentaires mordent  sur  elle,  ou même  l’on  dévorée;dans la presse, où les pages littéraires s’étiolent et qui traverse elle-même une crise peut-être funeste; durant les loisirs, où l’accélération numérique morcelle le temps disponible  pour  les  livres.  Si  bien  que  la  transition  n’est  plus  assurée  entre  la lecture  enfantine  (...)  et  la  lecture  adolescente,  jugée  ennuyeuse  parce  qu’elle requiert de longs moments de solitude immobile.

Se pensarmos na exiguidade das actuais tiragens de livros de poesia, na sua reduzida visibilidade nas páginas da imprensa, onde facilmente “perde” diante das artes que exploram a  imagem visual, se pensarmos na  reputação de “difícil” que lhe atribuem os estudantes, no lugar geralmente periférico que os livros de poesia ocupam nas livrarias, esse diagnóstico não pode senão agravar-se.