quinta-feira, janeiro 30, 2025

«O Contrário de Nada», de Tess Gunty

 

Alfaguara, 2024. Tradução de Eugénia Antunes
Uma millennial a escrever sobre a América. É o primeiro livro de Tess Gunty e asseguro-vos que vale a pena lê-lo por alguns motivos. Em primeiro lugar, porque é bem estruturado, embora algo solto onde se cruzam episódios que só mais tarde reparamos terem algo em comum o que cria um jogo interessante com o leitor. A autora sabe do que escreve, sabendo-o fazer bem. Depois, porque é a América que necessitamos urgentemente de compreendê-la nos tempos que correm e finalmente porque teremos sempre de ler quem escreve assim e porquê, principalmente quem ainda vive os seus vinte anos tardios, algo entre a maravilha despreocupada e a depressão permanente. É uma verdadeira odisseia esta viagem por vidas aparentemente vazias, plenas de consumo, onde se interliga a necessidade contraditória desse mergulho e o seu inconformismo e desconforto pelas mercadorias e desejos hedonistas. Mas o que sobressai mais é, sem dúvida, a recusa. A recusa de viver em solidão e o não saber ou poder viver acompanhado/a, a necessidade de amar e fugir do amor, a vontade de seguir uma carreira e odiar quem se assenta numa. É interessante ler esta jovem que viu ser recusado inúmeros manuscritos durante cinco anos e que, prestes a desistir, ganhou o National Book Award de 2022 e que foi traduzida em quinze países. 

«Ninguém tem uma vida fácil no sistema Vacca Vale, mas a Blandine teve uma vida ainda pior, sendo tão inteligente e mulher, ainda por cima. As pessoas querem coisas das Blandines do sistema, e por certo que o cérebro dela não ajudava. Pensar demais pode ser a nossa morte, e a Blandine... bem, ela fecha-se em divisões e pensa. Pensa e pensa e pensa em toda a sorte de desgraças, e chegado o anoitecer tem medo da maçaneta da porta. Foi a única de nós que não terminou o liceu, mas também a única de nós que teria entrado numa universidade. Certa vez, encontrei uma carta no quarto dela de uma orientadora vocacional - era um email que ela terá imprimido - a incentivá-la a candidatar-se às universidades da Ivy League. A orientadora dizia que ela tinha fortes possibilidades de ser aceite. Não fazemos ideia do motivo por que a Blandine desistiu do liceu. Era aluna bolseira de um dos liceus finórios da cidade. Só lhe faltava um ano para acabar. Nunca aborda o assunto. Se alguém lhe falar de alguma escola, ela lança-se num sermão sobre a merda que é o sistema educativo americano ou então dá de frosques..»

De resto, a tortura e a vida animal, as alterações climáticas, o veganismo, as inundações e vagas de calor, a saúde e as drogas, a desconstrução social, tudo isto transparece na escrita de Tess Gunty. Ler para conhecê-la, para conhecê-los.

alc

sábado, janeiro 25, 2025

«Elon Musk», Darryl Cunningham

 

Editora Jean Vacquet, 2024
Este homem é uma fraude. Uma fraude cara e perigosa, mas ele anda aí com a certeza que o dinheiro quer dos americanos, quer dos múltiplos contratos da administração pública num mundo que deseja em ruínas e em permanente guerra, aumentará ainda mais a sua enorme conta bancária. O mais impressionante, nesta biografia de uma banda desenhada extremamente sóbria e plenamente informada, pela mão de Darryl Cunningham, é assistir a um percurso de vida em que o oportunismo, a inexistência de qualquer valor humano, a indecência e a falta de escrúpulos em doses industriais, foram a pedra de toque da vida deste senhor, cuja saudação nazi na tomada de posse de Trump, só surpreendeu os mais distraídos.

Nascido em Pretória, na África do Sul do apartheid, foi vítima de bullying em várias escolas por onde passou e assistiu a um pai escabroso que violentava a mãe física e psicologicamente, sendo obrigado a afastar-se da mulher por ordem judicial sem que antes lhe tivesse prometido uma morte a tiro. O avô, de quem Elon Musk se sentia próximo, era a sua referência máxima. Este, ironia das ironias, emigrava constantemente entre a África do Sul, Austrália, Canadá e EUA até se estabelecer neste último país como quiropata. No meio disto, funda um partido, antes da II Guerra Mundial, o «Partido Tecnocrata» que pretendia unir, sobre um liberalismo selvagem, sem políticos, o Canadá, os EUA, o México, toda a América Central e parte da América do Sul. A grande referência do jovem Musk assistiu à erradicação federal do partido por simpatias nazis em 1946! Depois da violenta separação dos pais, dir-se-ia que Elon e Kimbal, seu irmão, escolheriam viver com a sua mãe. Nada disso: optaram pelo pai violento, mas cheio de dinheiro que comercializava pedras preciosas da África do Sul. Ele e o irmão, na primeira viagem que fazem a Nova Iorque e depois de se terem apropriado de esmeraldas do pai, vendem-nas à Tiffany. Começou a Era Musk! 

Então na Universidade, o seu percurso estudantil não é isento de problemas de concentração e do sucesso que se propala, ainda hoje, como um génio então em formação. Depois, não vos canso mais: sabemos ao que veio e em que empresas ele esteve ligado e, até certa medida, fundado. Hesito na expressão porque não há uma só empresa dele que não tenha afastado quem com ele trabalhou, ou através da ameaça, da chantagem ou da justiça que lhe foi relativamente favorável. Esta Banda Desenhada é pródiga em demonstrar a fraude que é Elon Musk, não só como «empreendedor», mas igualmente como um «génio da tecnologia». Desde a Tesla até à SpaceX e agora no X, ex-Twitter, o homem soma contas astronómicas de fracassos e de mega prejuízos que só não deram em estrepitosas falências com a mão atenta e solidária de George W. Bush, Biden e Trump. Como? Com contratos multimilionários da NASA com a SpaceX através de somas de dinheiros públicos astronómicas, e com o apoio à Tesla de programas de especiais de descarbonização (por acaso, na sua maior parte, de estados democratas!). 

Sobre a SpaceX e a privatização do espaço estamos mais que conversados e assiste-se às explosões dos Falcon 9 a todo o vapor, tal como as mortes rodoviárias no modelo Tesla com o sistema de navegação autónoma Autosteer e que Musk teve de abandonar não sem antes culpar os engenheiros que o tinham avisado do risco. Mais preocupante, contudo, é o seu projecto Neuralink que quer ligar o cérebro humano a computadores, adivinhando antecipadamente o pensamento humano e respondendo aos seus desejos ou solicitações. Não que a internet não o faça já, mas (ainda) sem intervenção directa no cérebro, esse órgão ainda livre do capitalismo liberal (digo eu!). Todos os protestos de inúmeros cientistas caíram em saco roto, tal como o silêncio da CIA e do FBI, evidentemente. Outra: o Starlink, ligado à SpaceX, vai colocar 42 mil satélites em órbita terrestre. Problema: deixarmos de ver as estrelas com a enorme luminosidade no céu que obrigaria a um projecto destes. Solução de Musk: uns painéis de carbono negros que, no espaço, absorveriam, essa mesma luz! Comboios rápidos ou TGV's? Não, nem pensar. Ele propõe um Hiperloop: um tubo transatlântico, ou transoceânico (como os cabos submarinos), onde se metiam as pessoas em fila indiana atingindo a velocidade de 1200km/h. Ao ultrapassar a velocidade do som, azarito para os ouvidos. Fossem a pé! Nesta equação não se fala da possível compra da OpenAI e da colonização de Marte. Os impostos públicos pagarão tudo isso. 

Lindo, não é? Só lendo. Mas em banda desenhada que dá mais realismo, em comparação com o Flash Gordon, por exemplo. Esse, ao menos, era lido em papel, aos quadradinhos; este, tem um presidente do EUA por trás. Faz toda a diferença.

alc

quarta-feira, janeiro 22, 2025

«A Coisa mais Próxima da Vida», James Wood

 

Zigurate, 2024. Tradução de Joana Jacinto
Querem mesmo ler «A Coisa mais Próxima da Vida»? Diz o editor, desgraçadamente conhecido por todos nós e um verdadeiro cabotino, que James Wood é «...na actualidade o mais influente crítico literário de língua inglesa e porventura de todo o mundo.» Mundo esse que não conta ainda com a colonização de Marte, bem-entendido! Para isso, seria necessário a edição de «Na cabeça de Elon Musk» pago em bitcoins, coisa que Carlos Vaz Marques ainda não almejou, mas cuja colecção «Na Cabeça de...» conta com figuras proeminentes como André Ventura, Montenegro, Putin, Xi e Pedro Nuno Santos. Também analisou e editou um livro sobre a biblioteca de Estaline, em conjunto com obras, todas elas, que encheram o nosso imo, para além de livros de cozinha de ditadores. Voltando ao livro que falamos: ele não pára por aqui. Informa-nos igualmente na contracapa  que os trabalhos de James Wood, na New Yorker lhe valeram a alcunha de «elegante assassino» e de «estripador cortês.» Não faz o caso por menos. O problema é que abrimos o livro (sim, perdi uns euros nesta coisa!) e sai-nos um caldo de inutilidades várias, confissões pueris da sua vida e da de outros (nasceu com educação católica rígida e tornou-se ateu, que rebeldia extraordinária, ó estripador!), citações a esmo e uma chamada à colação da literatura do mundo, pós-colonial, que nem sim, nem não. E análise de prémios atribuídos, pois claro. Um longo bocejo para quem, desconfio, pretenderá criar um novo cânone literário num livro que não o deveria ter sido. Provavelmente, uma súmula de artigos da New Yorker, talvez com lugar no Expresso revista. Talvez editando «Na Cabeça de Balsemão» consiga que a saga continue. Fiquem com esta verdade insofismável de James Wood, o «elegante assassino»: «Graças ao estilo indirecto livre, vemos coisas através dos olhos e da linguagem do personagem, mas também através dos olhos e da linguagem do autor.» Lili Caneças tem um pensamento igual, mas para quem está morto.

alc

domingo, janeiro 19, 2025

Elfriede Jelinek

 

Desenho de Elfriede Jelinek
Tinta-da-china sobre papel 

«O Fim do Império», Ribeiro Cardoso

 

Por vezes, estas leituras deviam ser-nos apresentadas como obrigatórias para necessária catarse individual, já que a colectiva tarda e cá para mim nunca será feita convenientemente por um povo (essa entidade de conceito trôpego) que acredita piamente numa coisa chamada luso-tropicalismo. Não se espere uma narrativa literária, mas antes uma peça jornalística bem fundamentada por um então alferes, Ribeiro Cardoso, que na ocasião estava em comissão em Moçambique. O autor era igualmente jornalista do malogrado Diário de Lisboa que eu comprava diariamente à tarde. Os factos são descritos, em depoimentos, pelos protagonistas do 7 de Setembro de 1974 na então Lourenço Marques, em que a extrema-direita tenta evitar os Acordos de Lusaka que deram à Frelimo o poder em Junho de 1975. O jornalista sabe distanciar-se convenientemente de algumas posições políticas tão alucinadas, quanto perigosas. E que o foram verdadeiramente, contando-se aos milhares as vítimas desse fim anunciado do Império que ainda incha o peito de tanta gente.

O desespero é tramado, mas antes de descrevermos muito brevemente o que aconteceu e se seguiu à data de 7 de Setembro de 74, vale a pena dizer que a curiosidade histórica me levou a ler um diário de um soldado que esteve em Mueda, no norte de Moçambique, nos anos de 1966 e 67, sob fogo cerrado dos independentistas moçambicanos da Frelimo. Publicado, em 2024, por uma Biblioteca Municipal, alguns episódios descritos são terríveis e perante a morte de camaradas seus, em que se incluía igualmente o seu alferes da Companhia de que fazia parte, ele chega a suspender a sua escrita diarístíca. Parecia que este soldado não queria viver mais uma realidade que o transcendia, que lhe levava os amigos, os camaradas, que o impedia de estar com a família, a namorada da terra lá longe, num país que o obrigou a matar a troco de um pré miserável e de uma eventual medalha por serviços prestados à Pátria. Pagaria também um caixão que o trouxesse para o país, dito metrópole. Provavelmente, ao suspender a escrita do seu diário seria uma forma de tentar salvar-se. O que conseguiu. Já na idade dos setentas e muitos lá acabou as páginas finais do tal diário que li e que contrasta visivelmente com a narrativa oficial das instituições militares. Daí ser importante ler estes testemunhos para se perceber a chamada «moral» das tropas e o que os soldados sentiam antes das chamadas «missões» no interior em que eram mortos inocentes, queimadas aldeias, feitos prisioneiros sujeitos à tortura e a «interrogatórios». Para ver a dimensão da violência que grassava, entre 1966 e 1974, morreram, na prisão de Machava, 857 prisioneiros independentistas, como nos conta Ribeiro Cardoso em «O Fim do Império». Não estão nestes números, as dezenas de milhares que morreram em combate de um lado e de outro.

Quando se culpa a descolonização de crimes «atrozes» para a população branca de Lourenço Marques, era bom que lêssemos esta peça jornalística de Ribeiro Cardoso que foi testemunha presente nos acontecimentos que levaram ao 7 de Setembro de 1974 com a ocupação do Rádio Clube de Moçambique, do aeroporto e de outros locais públicos que são essenciais na lógica de um golpe de estado civil e militar. Os brancos de Lourenço Marques não aceitavam os Acordos que davam à Frelimo a possibilidade de independência efectiva da ex-colónia. O tão propalado e propagandeado luso-tropicalismo «suave» de miscigenação feito, deu lugar, demasiado depressa, ao violento ódio racista que levou ao massacre de milhares de negros nos bairros do caniço que delimitavam a cidade de cimento onde a população branca estava habituada a viver com os seus privilégios intactos. A tal «suave miscigenação» deu lugar, dizia, ao apelo branco à Rodésia e à África do Sul, países do apartheid, que lhes virou as costas, abandonando pides (200 foram libertados da Machava nesses dias), gente ex-ANP do antigo regime, mercenários, organizações fascistas paramilitares de «defesa civil» que ainda operavam livremente, os comandos estacionados em Montepuez, a PSP, os «Dragões da Morte» e por aí fora. É evidente que a resposta africana não se fez esperar e agora os massacres foram de cariz contrário. Até dia 12 de Setembro, e por interferência de Machel, de Chissano e dos guerrilheiros da Frelimo, foi posto fim à retaliação massiva. A fuga da extrema-direita branca e negra para a Rodésia e África do Sul seguiu-se em revoadas. Foi esta gente que, vinda mais tarde para Portugal, anunciava os «crimes da descolonização» e do «comunismo» e que foi fértil em estar ao lado dos spinolistas do ELP e MDLP. Spínola, aliás, cuja posição política contra o programa do MFA e hesitação criminosa perante a independência total das colónias, preferindo uma solução governativa «branca» e federalista, foi um dos factores determinantes no eclodir da violência que se instalou na descolonização e posteriores guerras civis. O 28 de Setembro de 1974 em Portugal está profundamente ligado a estes factos. Mas isso é outra história. O que é contado neste livro é essencial para perceber a irrealidade de um Império com pés de barro, que provavelmente nunca o foi verdadeiramente, mas sim um arremedo de experiências baseadas em conceitos vazios. Infelizmente, as inúmeras vítimas que o Império provocou não se encontram entre nós. Salve-se a memória que este trabalho nos apresenta.

quarta-feira, janeiro 08, 2025

segunda-feira, janeiro 06, 2025

«Viva L' Anarchie!», Tomos 1 e 2. Bruno Loth e Corentin Loth

 

«Viva L'Anarchie!», Tomos 1 e 2. Bruno Loth (argumento e desenho) e Corentin Loth (côr)
Subtítulo: «O Encontro entre Makhno e Durruti. La Boîte à Bulles, 2020

Um regresso feliz à BD com este «Viva L'Anarchie!» pelo argumento e desenho de Bruno e Corentin Loth. Revivo, com esta forma popular que adquiriu o nome pomposo de «novela gráfica» nos dias de hoje, uma relação íntima com esta forma de arte. Claro que a BD pode ser lida em conjunto, mas não é de modo nenhum uma forma muito agradável de o fazer. Tal como a leitura de um livro, quando é feita a dois é já uma multidão, o que, como sabemos, não acontece com a pintura, o cinema, a música, a performance, ou o teatro. Daí, considerar a Banda Desenhada uma arte (a nona?) com um carácter muito particular. 

«Viva L' Anarchie!» é História. Os factos, documentados e cujas personagens são biografadas, relatam a luta travada por Nestor Makhno e Buenaventura Durruti, nos anos 20 e 30 do século passado, respectivamente na Ucrânia e na Catalunha para a construção de uma terra verdadeiramente livre e partilhada por todos. Mas as geografias utópicas não ficam só nessas regiões, não fosse o projecto anarquista ser assumidamente internacionalista. O mundo era um lugar sem fronteiras, tal como o dinheiro e o capitalismo não as têm, igualmente. A clarividência e a exigência do impossível foram sempre atributos anarquistas. Principalmente, quando acompanhados por milhões de camponeses e operários sem nada, explorados até ao tutano, morrendo de fome, reprimidos e humilhados em todos os continentes como foi presenciado também na América do Sul por Durruti e Ascaso. Esta história pode e deve ser contada, mas infelizmente não há editores portugueses que o façam. Na França, na Grã-Bretanha, na Bélgica, nos Países Baixos e em Espanha, não há receio de assumir uma história de luta que está entranhada no adn do país ou da região. Aqui em Portugal, que temos uma enorme história de construção do anarco-sindicalismo e no comunismo libertário, temos parece que uma amnésia, um véu, que desce sobre as lutas dos operários e camponeses por vidas mais dignas. 

Pouco antes da Guerra Civil de Espanha de 1936-39, Durruti encontra-se em Paris com Makhno (este já «derrotado» e a trabalhar, com várias doenças entre as quais a tuberculose que o vai matar, na Renault) e com a sua mulher Galina e Yelena, a filha. Durruti faz-se acompanhar por Ascaso, Louis Lecoin e Yakov, entre outros e outras companheiras. É essa conversa de recordações e de projecções de futuros que a história se desenvolve com um ritmo argumentativo de assinalar. Nessas recordações vimos a violência extraordinária de Guerra Civil de 1918 a 21 na Rússia e, principalmente, na Ucrânia, visto que foi lá que a força da Makhnovchtchina (expressão que Makhno não aceitava, aliás) se fez sentir derrotando os nacionalistas ucranianos aliados dos austro-húngaros e alemães ocupantes após Brest-Litovsk, esmagando igualmente os Brancos de Denikine e, depois, de Wangrel. Contudo, o mais importante, o que levou ao ao apoio entusiástico das populações ucranianas em torno de Makhno, foi o projecto igualitário e colectivista levado a cabo pelos comunistas libertários no campo e na cidade. Reconhecemos demasiado bem, hoje, diria que infelizmente, o mapa da Ucrânia e lá vem as zonas libertadas, o rio Dniepre, o Donbass, a Crimeia sempre fonte de conflito e de acesso ao Mar Negro. As vitórias de Makhno só se poderiam dar com o apoio da população, visto que o número e as forças em presença eram gritantes tal a sua diferença. De vitória em vitória, até à derrota da Makhnovchtchina pelos bolcheviques de Trotsky, já quando desgastados depois da campanha da Crimeia e este não considerando sequer a sua antiga inclusão no Exército vermelho. Quase todos foram presos, alguns desaparecidos e muitos eliminados, executados por ordem de Estaline, como aconteceu com Galina e Yelena, presas mais tarde em Berlim Oriental após a II Guerra Mundial. 

Quanto a Durruti, morreu, como sabemos, em plena Guerra de Espanha em circunstâncias estranhas em que não há certezas de onde vieram os tiros. Aliás, como Ascaso e tantos outros e outras da CNT-FAI que morreram, não só metaforicamente, com tiros nas costas. Uma história verdadeira onde se misturam traições, ódios, amores e principalmente a enorme vontade de edificar algo que ainda não temos. Talvez um dia. Para já, em plena regressão humana, é sempre bom ter estes livros bem perto.

alc