sexta-feira, setembro 22, 2023

Arthur Cravan, poeta e boxeur

 

Mélanges éd., 2005
Um livrinho editado em 2005, baseado num poema impresso pela primeira vez em 1915 no número 5 da revista Maintenant dirigida pelo próprio Arthur Cravan, poeta, boxeur e dadaísta. Mas não só. A sua vida é extraordinária e, pelo que sabemos, confunde-se literalmente com os pressupostos Dada. Foi-me oferecido pelo Pierre, responsável da livraria/alfarrabista La Manufacture, de Montolieu. Não me atrevendo a traduzir o que quer que seja de Cravan aqui vai uma declaração de amor inscrita no poema de 8 páginas com que nos atinge de frente:
(...)
Et tandis qu'allophage
A l'amour de ton chauffage,
Nos gilets
Se câblent leurs violets,
Que, chéri et choufleur,
Je suis tes gammes
Et tes couleurs,
Et, qu'en un amalgame
De Johnson, de phoque et d'armoire
Nos merdes rallument leurs moires,
Fff! les pistons
Du veston.
Dans la finale
Abdominale!
(...)
Cravan está, contudo, publicado em português numa edição já esgotada de 1980 pela Antígona e acompanhado por Jacques Rigaut e Jacques Vaché. Suponho ser importante referir que Abel Prazer/ Silva de Viseu, seus tradutores (ou, talvez, tradutor somente), escreveram nesta antologia:
«De Cravan vai publicada, na presente colectânea, toda a sua obra, excepto os poemas e aquilo a que ele chamava ''prosopoemas''. As dificuldades de tradução destes últimos textos eram tantas (rimas, aliterações, etc.) que o prazer de divulgar um autor a nossos olhos simpatiquíssimo - e para isso basta ele ter preferido o boxe à literatura - se dissolveria completamente num tão ciclópico trabalho. Fez-se o que se pôde.» (pág.5 e 6)

A biografia de Cravan, como disse atrás, fala por si e resumo um pouco a que foi descrita na mesma antologia e com base na revista Maintenant:
1881 - Nasce o Misterioso Sir Arthur Cravan, de seu verdadeiro nome Fabian Lloyd, o poeta com os cabelos mais curtos do mundo, neto do Chanceler da Rainha, naturalmente, sobrinho de Oscar Wilde, renaturalmente, e neto de Lord Alfred Tennyson, re-renaturalmente.
Abril de 1912 a Abril de 1915 - Aparecem os cinco números da pequena revista Maintenant, dirigida por Arthur Cravan. Segundo Breton, ''por ódio às livrarias abafadiças onde tudo se confunde e tudo cai aos bocados ainda em estado de novo, Cravan transporta, ele próprio, um sortido de Maintenant numa carroça de vendedor ambulante.
Junho de 1914 - Na sola de Sociétés Savants junta-se um numeroso público que Cravan insulta e perante o qual dança e faz uma demonstração de boxe.
23 de Abril de 1916 - Em Espanha, o pugilista negro Jack Johnson, campeão do mundo de pesados, bate Cravan por KO ao primeiro assalto. Cravan foge e pede perdão ao antagonista.
25 de Dezembro de 1916 - Vai para os EUA no navio «Montserrat» onde se cruza por acaso com Trotsky.
Março de 1917 - Cravan é convidado para dar uma palestra sobre o humor moderno nos «Independesntes» de Nova Iorque. Surge embriagado, despe-se e a polícia intervém.
Abril de 1917 - Os EUA entram na guerra e Cravan vai para o Canadá onde se casa com a poetisa inglesa Mina Loy de quem terá uma filha. Depois parte para o México.
1919 - É professor de Educação Física na Academia Atlética Mexicana. Desaparece, de canoa, no Golfo do México. 

Edição portuguesa da Antígona, 1980. Cravan, Rigaut, Vaché. Tradução de Abel Prazer/Silva de Viseu

Nesta antologia vale a pena ler, se a conseguirem adquirir, uma carta endereçada a André Gide e a Apollinaire, entre outros nomes insultados... por vezes, ao ler estes poetas cuja vida se confunde com a sua poesia, penso como seria profícua a vinda de um poeta boxeur a este recanto. 

António Luís Catarino