É um livro inédito em Portugal, saído agora mesmo, em Abril de 2022, não vá a D.Quixote perder a «mensagem» que lhe está subjacente nos tempos que correm - a guerra. O original é de 1954. Como tudo o que é pertença de Italo Calvino, lê-se num instante, tendo este homem o condão de dizer muito mais do que aparenta a técnica literária que usa, ou seja, o depuramento da sua escrita que nos faz estar agarrados à leitura e estarmos livres das hipérboles, metáforas que nos enfadam em certo tipo de literatura.
Italo Calvino, nasceu em 1923, convém dizê-lo para explicar uma questão: conheceu a ascensão do fascismo de Mussolini na Itália, sendo muito novo para ir para a primeira mobilização em 1938 e demasiado «velho» para não se safar a vestir o uniforme das Juventudes Fascistas do PNF. Aconteceu a muito boa gente. Mas em 1943 adere ao PCI e luta de armas na mão contra o fascismo de Mussolini e Hitler. Torna-se um resistente. E para todos os efeitos é assim que eu vejo um resistente. Um tipo que combate de armas na mão contra as ditaduras, mas com um devir revolucionário presente. A resistência pela resistência deu mostras que não vai longe a menos que tenha por detrás apoios desmesurados.
Neste livro, «A Entrada na Guerra» Italo Calvino descreve-nos como se apercebeu da guerra demasiado cedo. Primeiro os desfiles marciais, os uniformes, a masculinidade e a virilidade que muitas vezes levavam jovens como ele a não saber o seu lugar nesta estirpe guerreira: ou são sensíveis e vergonhosamente afastados ou são viris e têm de o demonstrar a todo o momento, mesmo que os factos exigidos pela hierarquia o obriguem. O sexo, atinge o rubro e o inimigo está em todo o lado, as mulheres tornam-se objectos quer na prostituição, quer violadas, o que está implícito em descrição de cenas que o jovem Calvino nos conta.
O saque a Menton, em que ele esteve presente como jovem fascista (que não era), teve raias de loucura. Menton era uma cidade francesa, derrotada pelos nazis alemães e aproveitada pelos italianos para a configuração fascista das novas fronteiras, para vingar a «vitória desonrosa» de 1918. Menton estava deserta porque a população francesa fugiu a tempo em vagas de refugiados. O saque às casas é das descrições mais pungentes do livro. Tudo serve para ser pilhado, partido, incendiado. O vazio, o cheiro, a mutilação, a fuga, sente-se em cada palavra escrita de Calvino. «A viagem a Menton era um caso muito diferente: estava curioso de ver agora aquela cidadezinha, vizinha e parecida com a minha, tornada território conquistado, devastado e deserto; aliás: a única simbólica conquista da nossa guerra de Junho. Tínhamos visto recentemente no cinema um documentário que mostrava a luta das nossas tropas nas ruas de Menton; mas nós sabíamos que era falso, que Menton não tinha sido conquistada por ninguém, mas apenas abandonada pelo exército francês na altura do ataque e depois ocupada e pilhada pelos nossos. (pág.39)»
Uma foto, um jornal, cartas de amor, são destroçadas, enquanto se procura coisas mais valiosas com o incitamento dos chefes nas casas abandonadas. O nosso Italo Calvino, envergonhado por nada saquear, rouba as chaves do Clube francês que agora era a sede do Fascio. Nem se apercebe o que fez: roubou a casa do fascismo local e entretanto, como um rasto de loucura, rouba todas as chaves que encontra enchendo os bolsos que chocalhavam ao som do bater das botas. Entretanto os refugiados aumentavam de dia para dia sem saber o seu fim, o seu destino, homens do campo e da cidade velha que morrem de fadiga ou porque nada mais lhes resta para viver.
A mais inquietante frase do livro está aqui para todos lerem: «Ao ouvir este relatos, a minha mãe dizia já não reconhecer o rosto familiar do nosso povo; e não sabíamos chegar a outra conclusão senão esta: que para o soldado cada terra conquistada era inimiga, até a sua. (pág.42)»