terça-feira, julho 06, 2021

«O Infinito num Junco» de Irene Vallejo

 

«O Infinito num Junco», livro de Irene Vallejo, Bertrand, 2021
Estou longe de ser um entusiasta desta tentativa de ensaio, até porque na cinta que o editor apôs na obra consta o nome de Valter Hugo Mãe que nos avisa da excelência da «arte de contar» de Irene Vallejo. Se Mãe o diz, a gente aceita. Se Mãe o diz numa cinta de um livro, já não é só aceitação que estará em causa: é obediência! 
Nada do que é dito é novo na pretensa história do Livro. Lá vem as preocupações de Vallejo sobre a possibilidade de um biblioclasmo provocado por sismos políticos de vários matizes e terrores ideológicos sem fim, numa comparação talvez um pouco forçada entre o clássico e o contemporâneo, porque isso dá sempre bronca. Mas, mesmo dentro do clássico, a autora não esconde a preferência pela Grécia em detrimento de Roma, esta última criada por uma chusma de javardos comandados por um Rómulo cheio de sede de vingança, poder, bebidas, mulheres e ainda por cima fratricida. Gente bruta que até se deu ao luxo de ignorar a cultura etrusca, vizinha dos latinos. Mas já se sabe como os romanos eram para com os vizinhos! Nada de livros ou rolos de papiro: só espadas, suor e sangue! Não fosse Marcial, Catulo, Vergílio ou Juvenal e o capítulo de Roma não existiria. Claro que os gregos eram outra fruta: amigos do papiro e das bibliotecas, da música e da escultura merecem todos os encómios e loas, mesmo que as mulheres fossem claramente postas dentro de um gineceu para não incomodarem muito. Mesmo assim, Safo, sempre a Safo, safou-os do postulado da misoginia cultural a que ainda hoje são referenciados. Mas Alexandre, ah Alexandre Incompreendido!, esse tem direito a longas páginas no ensaio de Irene Vallejo. Foi ele que levou os livros aos confins do mundo, foi ele que fundou Alexandria e mesmo que não tivesse nada a ver com a famosa biblioteca (e não teve!) só o nome produz luz mais forte que o farol, mesmo que este nunca tivesse existido ou a biblioteca fosse um conjunto de casas soltas no meio da cidade, com corredores estreitos e algumas salas de leitura. Provavelmente a «biblioteca» considerado edifício único nunca terá existido, mas mesmo assim é central no pensamento de Irene. Quanto ao Egipto, ele que dá vida ao junco e mata o escravo, sabe a pouco as descrições da autora ficando-se quase só pelas atividades dos escribas e sacerdotes, vindo a lume a famosa carta do Papiro Anastasi de um escriba a xingar o seu filho que se andava a baldar às aulas. O problema é que 99,9% das pessoas já a conhecem dos manuais escolares do 7º ano! E mais o Homero, se existiu ou não, a existir seria cego ou não, mais o Heródoto, o Hesíodo, o Estrabão, os Ptolomeus do I ao XIII, a Cleópatra mai-lo Marco e Júlio, e o alfabeto de Tiro e Sídon. Uma receita para o enorme cansaço ao ler «O Infinito num Junco». 

Após, a longa resenha da história do Livro, tal qual aconteceu, Irene Vallejo, neutral até ao tutano, senta-se connosco e confidencia que também os ditadores e totalitários (desculpem o pleonasmo, mas não fui eu que o fiz!) gostavam de livros; então não é que o Adolfo era encontrado pelos seus amigos de juventude a ler, envolto em pilhas de livros, quase todos eles de heróis medievais teutónicos e alemães? E eu a pensar que ele lia a biografia do Chaka Zulu! Já com Mao a coisa pia mais fino: o grande totalitário abriu uma livraria em Yuhnan que chegou a ter seis empregados que começou a dar lucro e seria um êxito tipo Amazon de 1949, não fosse essa data marcada por ele para fazer uma Revolução! Coisa chata esta, das revoluções, e então as culturais são as piores! Portanto nunca se fiem em quem lê muito e se dê à política, ouviram? Coisa tão mais chata quanto aos lugares-comuns repetidos páginas a fio por Irene Vallejo. Ainda se fosse num rolo, nem daríamos pela contagem das páginas, mas assim em formato livro...
O que vale é que estamos a falar de um livro que há um mês já estava na vigésima edição em Espanha e cá já só encontrei a quarta. Mas isso deve ser por constar o nome de Valter Hugo Mãe na cinta!

Dou este livro a quem provar pertencer-lhe.

António Luís Catarino