«O Infinito num Junco», livro de Irene Vallejo, Bertrand, 2021
Estou longe de ser um entusiasta desta tentativa de ensaio, até porque na cinta que o editor apôs na obra consta o nome de Valter Hugo Mãe que nos avisa da excelência da «arte de contar» de Irene Vallejo. Se Mãe o diz, a gente aceita. Se Mãe o diz numa cinta de um livro, já não é só aceitação que estará em causa: é obediência!
Nada do que é dito é novo na pretensa história do Livro. Lá vem as preocupações de Vallejo sobre a possibilidade de um biblioclasmo provocado por sismos políticos de vários matizes e terrores ideológicos sem fim, numa comparação talvez um pouco forçada entre o clássico e o contemporâneo, porque isso dá sempre bronca. Mas, mesmo dentro do clássico, a autora não esconde a preferência pela Grécia em detrimento de Roma, esta última criada por uma chusma de javardos comandados por um Rómulo cheio de sede de vingança, poder, bebidas, mulheres e ainda por cima fratricida. Gente bruta que até se deu ao luxo de ignorar a cultura etrusca, vizinha dos latinos. Mas já se sabe como os romanos eram para com os vizinhos! Nada de livros ou rolos de papiro: só espadas, suor e sangue! Não fosse Marcial, Catulo, Vergílio ou Juvenal e o capítulo de Roma não existiria. Claro que os gregos eram outra fruta: amigos do papiro e das bibliotecas, da música e da escultura merecem todos os encómios e loas, mesmo que as mulheres fossem claramente postas dentro de um gineceu para não incomodarem muito. Mesmo assim, Safo, sempre a Safo, safou-os do postulado da misoginia cultural a que ainda hoje são referenciados. Mas Alexandre, ah Alexandre Incompreendido!, esse tem direito a longas páginas no ensaio de Irene Vallejo. Foi ele que levou os livros aos confins do mundo, foi ele que fundou Alexandria e mesmo que não tivesse nada a ver com a famosa biblioteca (e não teve!) só o nome produz luz mais forte que o farol, mesmo que este nunca tivesse existido ou a biblioteca fosse um conjunto de casas soltas no meio da cidade, com corredores estreitos e algumas salas de leitura. Provavelmente a «biblioteca» considerado edifício único nunca terá existido, mas mesmo assim é central no pensamento de Irene. Quanto ao Egipto, ele que dá vida ao junco e mata o escravo, sabe a pouco as descrições da autora ficando-se quase só pelas atividades dos escribas e sacerdotes, vindo a lume a famosa carta do Papiro Anastasi de um escriba a xingar o seu filho que se andava a baldar às aulas. O problema é que 99,9% das pessoas já a conhecem dos manuais escolares do 7º ano! E mais o Homero, se existiu ou não, a existir seria cego ou não, mais o Heródoto, o Hesíodo, o Estrabão, os Ptolomeus do I ao XIII, a Cleópatra mai-lo Marco e Júlio, e o alfabeto de Tiro e Sídon. Uma receita para o enorme cansaço ao ler «O Infinito num Junco».
Após, a longa resenha da história do Livro, tal qual aconteceu, Irene Vallejo, neutral até ao tutano, senta-se connosco e confidencia que também os ditadores e totalitários (desculpem o pleonasmo, mas não fui eu que o fiz!) gostavam de livros; então não é que o Adolfo era encontrado pelos seus amigos de juventude a ler, envolto em pilhas de livros, quase todos eles de heróis medievais teutónicos e alemães? E eu a pensar que ele lia a biografia do Chaka Zulu! Já com Mao a coisa pia mais fino: o grande totalitário abriu uma livraria em Yuhnan que chegou a ter seis empregados que começou a dar lucro e seria um êxito tipo Amazon de 1949, não fosse essa data marcada por ele para fazer uma Revolução! Coisa chata esta, das revoluções, e então as culturais são as piores! Portanto nunca se fiem em quem lê muito e se dê à política, ouviram? Coisa tão mais chata quanto aos lugares-comuns repetidos páginas a fio por Irene Vallejo. Ainda se fosse num rolo, nem daríamos pela contagem das páginas, mas assim em formato livro...
O que vale é que estamos a falar de um livro que há um mês já estava na vigésima edição em Espanha e cá já só encontrei a quarta. Mas isso deve ser por constar o nome de Valter Hugo Mãe na cinta!
Dou este livro a quem provar pertencer-lhe.
António Luís Catarino