domingo, julho 25, 2021

Otelo

 

Otelo. Desenho a tinta da china e aguarela

terça-feira, julho 20, 2021

Mário-Henrique Leiria e as «Obras completas». Um bocado triste, isto

 

Estudo: Mário-Henrique Leiria

Tenho comigo dois volumes da chamada «Obra Completa» de Mário-Henrique Leiria (M-HL) coordenado, se assim se pode dizer para quem se apresenta com uma «introdução, organização e notas», por Tania Martuscelli. O volume I é a ficção de M-HL e o volume III é composto por «manifestos, textos críticos e afins». O volume II apresenta a sua poesia publicada. Debrucei-me mais sobre o último volume já que a ficção e poesia conheci-as e devorei-as a partir de 1973. Aliás, deve dizer-se ''devorámos'', assim na primeira pessoa do plural, visto que houve uma geração inteira que leu, comentou, riu e lutou com os «Contos do Gin Tonic» e o sucedâneo «Novos Contos do Gin» debaixo do braço.

O volume III é uma tristeza que quero partilhar convosco. Se ousamos vibrar com os manifestos de 1949, data da Exposição Surrealista de Lisboa, e ir por aí fora com os textos de irreverência absoluta, pelo menos até 1952, destacando-se precisamente Mário-Henrique Leiria por ser particularmente violento e verrinoso para com o SNI fascista e companhia, em que dispara para todos os lados inclusive para os neo-realistas, não se compreende que neste volume se coloque, no mesmo pé, as suas cartas de amor. Não dá, assim como não compreendemos a falta de datação das várias missivas que podem ser consultadas logo no índice: a grande maioria apresenta o frio «s/d» quando uma investigação mais aprofundada poderia ser relativamente fácil a inclusão de uma data aproximada e a conjuntura necessária para certos factos relatados pelo autor e que são do conhecimento de todos. Pelo menos no plano da política e da História. Faltam as notas necessárias.

Sou, em princípio, contra a publicação de cartas privadas de autores conhecidos. Por muitos motivos, mas principalmente porque é um pouco velhaca, esta prática. Ainda há pouco estive a consultar numa livraria as cartas de Paul Celan e Ingeborg Bachmann, mulher de Max Frisch. Completa falta de interesse ou de emoção. O mesmo para tantas outras epistolografias célebres, sendo a de Fernando Pessoa a Ofélia a mais conhecida. Quanto a Mário-Henrique Leiria as suas cartas são de uma tortura imensa que bem podia não ser revelada. Para quê saber o que a escrevia à Isabelinha, a Maruska, a «menina do sorriso bonito»? Ou ainda, as cartas que revelavam uma completa depressão perante o seu divórcio com Dietlind? Absolutamente nada. Ficamos com um sabor amargo na boca e ainda mais quando reparamos que os herdeiros e família de M-HL não foram sequer consultados como vem registado em nota introdutória. Por mim dispensava o conhecimento das cartas. Tenho a certeza que o autor também não aprovaria, mas isso é outra história mais etérea e nada terra a terra.

Por outro lado, já ficamos com a pulga atrás da orelha com alguns factos que podiam ser motivo para uma exaustiva biografia de M-HL, nomeadamente a sua relação com o PCP e com Manuel Sertório, a relação com Álvaro Guerra, por exemplo, e com os comunistas brasileiros que o levou à prisão e tortura no Brasil., tal como a sua relação com Cuba dos «guerrilheiros barbudos», sabendo nós que ele esteve na ilha a convite da Associação de Amizade Brasil - Cuba, isto em 1962. Há igualmente um vislumbre de dissensões e lutas internas dentro do surrealismo/abjeccionismo português que podemos sentir nas cartas, principalmente a sua relação com António Maria Lisboa e com Mário Cesariny, mas principalmente com o primeiro deles. E Londres, Paris, Bruxelas, Checoslováquia, na Marinha Mercante e mais as minas de carvão, somando-se o Brasil e São Paulo, a fome, a falta de dinheiro, as relações fátuas. Depois, há certas passagens em cartas que, à falta de uma biografia séria, nós só podemos supor; assim é com a referência à guerrilha da Guerra Civil de Espanha (acho-o demasiado novo para ter participado nela) ou no «maquis» da Resistência francesa em que diz ter participado. De qualquer maneira, sentimos que esteve envolto em armas e que chegou a estar preso em Caxias, também. A sua raiva à PIDE e a Salazar é bem notória em certas passagens, mas tudo entremeado com juras de amor à Isabelinha a «Maruska de olhos tristes» e a depressões brutais. É uma grande salganhada é o que é. Precisa-se, pois, de um biógrafo à altura.

Seria muito bom para todos que, ao menos, estes volumes sirvam para um conhecimento mais aprofundado pela vida extraordinária deste homem e deste escritor surrealista (que o deixou de ser em 1953) e tudo!

quarta-feira, julho 14, 2021

Cuba: não é uma ''teoria''. É uma conspiração

Foto: Público

Não é uma ''teoria'' da conspiração. É uma conspiração. Cuba tem resistido a invasões, a tentativas de assassinatos, a propaganda mentirosa, a serviços secretos poderosíssimos, a um embargo económico de largas dezenas de anos. Dizer que o governo cubano sobrevive devido ao embargo americano é tão falso como falsa é a afirmação de que vai tudo bem em Cuba. Sabemos que não vai. Falta muita coisa diariamente, a pandemia agravou a situação económica, o desemprego aumentou e não é qualquer país, ou qualquer povo, que aguenta o que Cuba tem suportado nestes anos todos. Ouvir e ver Biden a defender a liberdade em Cuba é um enorme contrasenso que só a sociedade do espectáculo pode criar. Como igualmente mete dó ver Santos Silva a defender o direito de manifestação quando não o fez com a repressão brutal em França e na Catalunha onde a polícia disparava balas de borracha para os olhos dos manifestantes, para não falar desde logo no regime racista de Israel e no comportamento dos seus militares para com os palestinianos. E isto não acabava... mas Cuba é uma linha vermelha, sim. Aos meus amigos que levantam dúvidas legítimas sobre o que se está a passar na ilha que resiste ao imperialismo americano que invade, violenta, mata por inanição povos inteiros deslocando-os em filas intermináveis de refugiados, só peço que pensem um pouco antes de tecerem críticas a Cuba. Primeiro, seria necessário que colocassem nos pratos da balança da honestidade intelectual e que olhassem para a sociedade da maioria dos América do Sul, com séculos de exploração desenfreada colonial e pós-colonial, com intervenções do «amigo» americano em golpes sangrentos descritos por Galeano e Kapuschinsky, no liberalismo mais selvagem que o mundo conheceu na saúde, na educação, na pobreza extrema em que se sobrevive com menos um dólar por dia, na taxa de mortalidade infantil altíssima, na decrescente média de esperança de vida de populações, no ataque à cultura indígena e na violência política e social quotidianas. Mas para legitimar uma crítica a Cuba era também necessário que se houvesse expresso o mesmo peso e medida para com as centenas de mortos e desaparecidos na Colômbia em levantamento popular, na ameaça de golpe no Perú não dando posse ao presidente que ganhou as eleições, às manobras desestabilizadoras americanas na Venezuela e na Bolívia. Tem sentido o apoio a Cuba? Para mim, sim. Faz todo o sentido que os povos da América do Sul decidam livremente os seus destinos sem interferências externas. E faz parte do direito internacional, mesmo que os americanos o tenham transformado em lixo e muita gente se ria quando este é lembrado.

domingo, julho 11, 2021

Morreu o Vasco! (1935-2021)

Foto LusoJornal
Um dos melhores cartoonistas europeus, só porque não conheço os do mundo todo. Acompanhou-me desde que me lembro de gostar de BD e de cartoons. Ele era o maior de todos. Um dia vi-o no «Bolero», em Lisboa, numa noite de copos memorável e com Virgílio Martinho. Quis a coincidência de eu estar a ler a obra deste último e dar com a notícia do falecimento de Vasco. Que perda. Mas se há algum modo de travar a tristeza é perceber que cá ficaram os seus desenhos. Vou hoje folhear o álbum que tenho dele.

Acerca de «O Grande Cidadão» de Virgílio Martinho


A literatura portuguesa tem pouco de distopias. Os nossos autores ou não deram grande atenção a esta corrente literária ou o país, ele próprio distópico, tirou qualquer veleidade de construir uma ultrapassagem da riquíssima realidade que nos envolve desde há séculos. Considerando Portugal uma distopia, isso pode limitar imenso a imaginação de um escritor que se queira aventurar numa ficção deste tipo. Vem isto a propósito porque acabo de ler «O Grande Cidadão» de Virgílio Martinho, vindo a público no ano de 1963 e com 2ª edição no ano de 1975. Não brinco quando digo que é um romance digno de figurar em lugar de destaque na nossa literatura e claramente conseguido. 

E fico perplexo quando leio numa crítica de Miguel Real na revista «A Ideia», número 81 a 83, de 2017 (portanto actual), a este mesmo romance a afirmação muito doutoral e anacrónica de que era uma inflexão do autor para o neo-realismo coisa, no mínimo, de se esconjurar de imediato, não tivesse Virgílio Martinho, e para sustentar tal pecado, convivido com Alves Redol, Aquilino, Joaquim Benite, Manuel da Fonseca e outros culpados. Ou seja, tendo amigos neo-realistas e tendo o desplante de serem subalternas, marginais e proletárias as suas personagens nos variados livros publicados, o autor não se livra do epíteto «neo-realista», quando não ligado umbilicalmente ao Partido Comunista Português, como afirma Miguel Real no artigo, autor este também conhecido pela publicação de romances históricos, estes muito menos distópicos, evidentemente. E para mais, com personagens históricas impolutas, neutrais, fruto dos seus tempos, ou seja, dos passados evos. A jogar pelo seguro. Sinceramente julgava isto ultrapassado...mas não, a coisa continua.

Miguel Real fala desta inclinação pecadora devido a uma carta de Pedro Oom a Mário Cesariny, datada desse mesmo ano de 1963, em que dá conta de um «desvio» de Virgílio Martinho para o neo-realismo. Sabendo nós que Virgílio Martinho foi surrealista com António José Forte, António Maria Lisboa, Mário Cesariny e Pedro Oom, entre muitos outros, frequentador do Café Gelo e Royal, não nos admiramos do teor desta carta se a circunscrevermos a uma provocação, entre muitas outras, que eram mais que familiares entre os surrealistas. Esta afirmação de Miguel Real vale o que vale, mas não gosto de ser tomado por parvo e por mim este tema morreria logo, porque, por si só, não tem qualquer importância. Mas vejamos: é que data igualmente de 1963 a edição, pela Minotauro, da antologia «Surrealismo/Abjeccionismo» de Mário Cesariny. E o que vai ele antologiar de Virgílio Martinho? Um trecho do mesmo «O Grande Cidadão» que era mote para tal desvio. E até Miguel Real nota nesse mesmo artigo que após 1963 Virgílio Martinho participa em várias surrealidades em exposições e antologias várias e isto até 1974 e depois. Por exemplo, a sua presença em «Coisas» da & etc. antologia de Vítor Silva Tavares, juntamente com o mesmo Pedro Oom e outros também dificilmente catalogáveis (como Adelino Tavares da Silva, Baptista-Bastos, etc.).  E depois há incongruências e incorrecções no mesmo artigo: não são 10 anos de penitenciária da personagem principal, o Alquimista de «O Grande Cidadão», mas sim 20 anos por um homicídio que «valeu a pena». E «A Caça» não sai em 1973, mas sim a 1 de Abril de 1974, pela Regra do Jogo.

Dito isto, a distopia de «O Grande Cidadão» é toda ela um convite à resistência e à procura furiosa da liberdade. É um romance muito visual, dramático (foi levado ao palco por Joaquim Benite e o Teatro de Almada, logo em 1975), com personagens psicologicamente marcadas, numa realidade imaginada mas onde é possível ver um Portugal asfixiado até ao tutano; todavia, seria muito redutor encarar esta história projectada numa (sur)realidade paralela, como fosse somente uma crítica ao fascismo ou ao nazismo (existem também câmaras de gás). É mais do que isso e as personagens que desfilam à nossa frente têm consigo um gérmen de liberdade que ultrapassa em muito a resistência política a um governo. Elas são livres sexualmente, não suportam o racismo, são indesejáveis para a ordem pública, são marginais e violentas, dispostas a morrer e a matar em nome do seu livre arbítrio e donos de uma ética bem delineada. É todo um sistema económico, político e social que é posto em causa. E, por isso, é um romance intemporal. Daí, ser risível esta preocupação em encontrar um cromo de Virgílio Martinho para a colecção de uma suposta caderneta literária. Não dá: falta o quadradinho.

O Grande Cidadão, de Virgílio Martinho, Arcádia, 2ª edição, Fevereiro de 1975

sexta-feira, julho 09, 2021

«A Caça», de Virgílio Martinho

 

Editado pel'A Regra do Jogo, em 1 de Abril de 1974. Com capa e desenhos de João Bernardo

Não conheço «Festa Pública», o primeiro livro do autor e talvez o mais marcado pelo surrealismo se, por simples preguiça literária, o quisermos aqui enquadrar. No entanto, este «A Caça» é de uma enorme alegria: irónico, cruel, maldito, com cenas claramente surrealistas como quando nascem flores das mãos de Valentim, ou quando o coração lhe salta literalmente da garganta, ou mesmo quando perde um périplo que o levaria à liberdade de uma secretaria militar para ficar a ver um pássaro vermelho esvoaçante como que a dizer que aquela, a liberdade, não demorará a vir. A escrita de Virgílio Martinho é pois um conjunto de metáforas e alegorias que não se impõem, antes nos forçam ao riso ou ao sorriso cúmplice de um autor que nos brinda com possíveis fugas a uma ditadura que duraria somente mais 21 dias após a publicação de «A Caça». Portanto, tudo correrá mal à personagem de Valentim. A vida não lhe é querida e adapta-se às misérias de uma mãe falecida precocemente, de um pai morto à pancada na prisão por ser «caçador furtivo» (afinal um resistente, descobre o leitor atento), uma casa incendiada, tempestades terríveis, espancamentos, roubos, lutas a tiro, enforcamentos, suicídios. Uma espécie de Cândido, ou um país a valer tudo, porque há quem diga que antigamente é qu'era bom! 

«A Caça» deveria ser objecto de muito mais atenção do que foi até hoje. Já perdoei a quem um dia mo levou de casa, até porque arranjei outro em livreiros alfarrabistas, esses nossos amigos que nos colocam na difícil situação de velhos, todos os dias em que os consultamos, tal a quantidade de livros da nossa juventude em escaparate internético ou físico!

Uma palavra para João Bernardo, esse mesmo, o cineasta, que além de ser um óptimo realizador nos presenteou com capas incríveis durante os anos 70 e 80 do século passado e em várias editoras, com destaque para A Regra do Jogo, Afrontamento e Centelha. As ilustrações de «A Caça» lá estão para provar o que digo.

Predisponho-me a ler desde já «O Grande Cidadão», este de 1963, com 2ª edição de 1975.

«Relógio de Cuco», de Virgílio Martinho

 

Editorial Estampa, 1973. Capa de Soares Rocha

A Setúbal e o Barreiro de Virgílio Martinho entre lutas das dolorosas crises do crescimento juvenil, mais um país pobre, acabrunhado pelo regime salazarista que mandava tropas e gnr's para as ruas da cidade operária da CUF de Alfredo da Silva, hoje endeusado como empresário dos-que-já-não-há, miúdo à solta com pai ferroviário, fome, fugas e algum descanso lúdico a banhos na Praia dos Moinhos. 
O livro inicia-se com uma epígrafe de André Breton: «O espírito que mergulha no surrealismo revive com exaltação a melhor parte da sua infância.» e após verificação leitora parte-se desta premissa verdadeira para as rotas de um caminhar de tempo lento e espaço reduzido dos anos 40, anos de guerra(s), mundiais e internas.
São quatro os contos com fio condutor de uma única personagem: «Quatro Caminhos», «A Árvore», «A Praia» e «A Estátua».
Li-o em 76 ou 77 e não mais me separei dele, juntamente com «A Caça» de que falarei adiante. 

 

terça-feira, julho 06, 2021

«O Infinito num Junco» de Irene Vallejo

 

«O Infinito num Junco», livro de Irene Vallejo, Bertrand, 2021
Estou longe de ser um entusiasta desta tentativa de ensaio, até porque na cinta que o editor apôs na obra consta o nome de Valter Hugo Mãe que nos avisa da excelência da «arte de contar» de Irene Vallejo. Se Mãe o diz, a gente aceita. Se Mãe o diz numa cinta de um livro, já não é só aceitação que estará em causa: é obediência! 
Nada do que é dito é novo na pretensa história do Livro. Lá vem as preocupações de Vallejo sobre a possibilidade de um biblioclasmo provocado por sismos políticos de vários matizes e terrores ideológicos sem fim, numa comparação talvez um pouco forçada entre o clássico e o contemporâneo, porque isso dá sempre bronca. Mas, mesmo dentro do clássico, a autora não esconde a preferência pela Grécia em detrimento de Roma, esta última criada por uma chusma de javardos comandados por um Rómulo cheio de sede de vingança, poder, bebidas, mulheres e ainda por cima fratricida. Gente bruta que até se deu ao luxo de ignorar a cultura etrusca, vizinha dos latinos. Mas já se sabe como os romanos eram para com os vizinhos! Nada de livros ou rolos de papiro: só espadas, suor e sangue! Não fosse Marcial, Catulo, Vergílio ou Juvenal e o capítulo de Roma não existiria. Claro que os gregos eram outra fruta: amigos do papiro e das bibliotecas, da música e da escultura merecem todos os encómios e loas, mesmo que as mulheres fossem claramente postas dentro de um gineceu para não incomodarem muito. Mesmo assim, Safo, sempre a Safo, safou-os do postulado da misoginia cultural a que ainda hoje são referenciados. Mas Alexandre, ah Alexandre Incompreendido!, esse tem direito a longas páginas no ensaio de Irene Vallejo. Foi ele que levou os livros aos confins do mundo, foi ele que fundou Alexandria e mesmo que não tivesse nada a ver com a famosa biblioteca (e não teve!) só o nome produz luz mais forte que o farol, mesmo que este nunca tivesse existido ou a biblioteca fosse um conjunto de casas soltas no meio da cidade, com corredores estreitos e algumas salas de leitura. Provavelmente a «biblioteca» considerado edifício único nunca terá existido, mas mesmo assim é central no pensamento de Irene. Quanto ao Egipto, ele que dá vida ao junco e mata o escravo, sabe a pouco as descrições da autora ficando-se quase só pelas atividades dos escribas e sacerdotes, vindo a lume a famosa carta do Papiro Anastasi de um escriba a xingar o seu filho que se andava a baldar às aulas. O problema é que 99,9% das pessoas já a conhecem dos manuais escolares do 7º ano! E mais o Homero, se existiu ou não, a existir seria cego ou não, mais o Heródoto, o Hesíodo, o Estrabão, os Ptolomeus do I ao XIII, a Cleópatra mai-lo Marco e Júlio, e o alfabeto de Tiro e Sídon. Uma receita para o enorme cansaço ao ler «O Infinito num Junco». 

Após, a longa resenha da história do Livro, tal qual aconteceu, Irene Vallejo, neutral até ao tutano, senta-se connosco e confidencia que também os ditadores e totalitários (desculpem o pleonasmo, mas não fui eu que o fiz!) gostavam de livros; então não é que o Adolfo era encontrado pelos seus amigos de juventude a ler, envolto em pilhas de livros, quase todos eles de heróis medievais teutónicos e alemães? E eu a pensar que ele lia a biografia do Chaka Zulu! Já com Mao a coisa pia mais fino: o grande totalitário abriu uma livraria em Yuhnan que chegou a ter seis empregados que começou a dar lucro e seria um êxito tipo Amazon de 1949, não fosse essa data marcada por ele para fazer uma Revolução! Coisa chata esta, das revoluções, e então as culturais são as piores! Portanto nunca se fiem em quem lê muito e se dê à política, ouviram? Coisa tão mais chata quanto aos lugares-comuns repetidos páginas a fio por Irene Vallejo. Ainda se fosse num rolo, nem daríamos pela contagem das páginas, mas assim em formato livro...
O que vale é que estamos a falar de um livro que há um mês já estava na vigésima edição em Espanha e cá já só encontrei a quarta. Mas isso deve ser por constar o nome de Valter Hugo Mãe na cinta!

Dou este livro a quem provar pertencer-lhe.

António Luís Catarino