Hoje, o recuo da esquerda é bem visível em relação à formulação do conceito de Estado. Um dirigente do BE dá-nos um slogan ainda mais claro desse mesmo recuo: «Estado Social ou Barbárie» contrapondo esta expressão, evidentemente, aos anos 50/60 da revista «Socialismo ou Barbárie». Entretanto, o Estado Social tornou-se sacrossanto. Se se explana minimamente a defesa dessa tese substituindo o Socialismo pelo Estado Social, já ficamos boquiabertos, mesmo com gente acima de toda a suspeita de serem de direita, com o recuo total em formular qualquer crítica, mínima que seja, aos dirigentes desse mesmo Estado, nomeadamente à Directora da DGS e à Ministra da Saúde, confundindo-o deliberadamente com o Governo. Assim, o apoio ao tal Estado Social torna-se um apoio objectivo ao Governo PS, coisa de que já suspeitávamos há muito e que de todo, este não merece. Nem a incompetência da ministra da Saúde, dos ministros da Administração Interna e da Educação têm sido incomodada. O estado das coisas não permite grandes desaforos para com esta gente que bem merecia que a verdade lhes fosse dita.
A crítica suspende-se (se é que alguma vez existiu de facto!) e remete-se para o fim da pandemia, porque fazê-la agora seria uma machadada na luta contra o coronavírus. Que saibamos o estado de emergência não a suspendeu ainda.
Mas de que Estado Social estamos a falar? Do que nos sobrecarrega de impostos sobre o trabalho e que distribui para os que dominam desde sempre esse mesmo Estado? O das intocáveis PPP? O das Obras Públicas? O dos contractos principescos com a iniciativa privada? O dos subsídios às grandes empresas e às multinacionais? O que alimenta os Bancos? O que permite um sistema de influências individualistas e de nepotismo, seja ele familiar ou de partido?
Nunca esta esquerda, que hoje se remete para a suspensão das críticas ao Estado e ao Governo do PS, se interessou por uma alternativa onde víssemos, ao menos um mísero esqueleto, as possibilidades objectivas e subjectivas de apropriação dos meios de produção através da construção de uma rede de trabalhadores, organizados economicamente e que decidissem autonomamente no plano político. Nem bastariam somente as nacionalizações, que só por si nada valeriam, mas nem disso falam.
Dêem-lhes o termo que quiserem, mas chama-se a isto, no mínimo, uma hipótese apresentada e defendida tantas vezes ao longo dos tempos, que é património da Esquerda, reduzindo o Estado ao mínimo denominador comum que é o da coordenação das vontades e dos desejos colectivos, ou se quiserem, de novas subjectividades. Configura-se o Estado Social nisto? É evidente que não.
Se quiserem falar de utopias não se acantonem no Estado Social. É pouco, muito pouco. Mas que a breve trecho o terão de fazer, isso é quase uma certeza. Depois veremos as posições públicas que tomam.