Sheila Fitzpatrick, autora de «A Revolução Russa» (Tinta da China)
Dois anos
após o centenário da Revolução Russa a literatura é vasta e ainda a procissão
laica vai no adro. Sheila Fitzpatrick editou «A Revolução Russa» e, se
esperavam algum tema novo, alguma nova tese, algum documento inédito,
relatórios intermináveis das catacumbas da Tcheka, da GPU ou do KGB, ou do
PCUS, desenganem-se. É cansativo ler mais um livro sem que haja uma simples
mais-valia sob o tema. Se Lenine se apoiou em Estaline para afastar a Oposição
Operária, ou não. Se o seu testamento ordenou o afastamento de secretário-geral
do Partido Bolchevique por ter sido «rude» com Kupriskaya e não serviria para
as pontes que teriam de ser (ou não) construídas entre as várias sensibilidades
comunistas no partido, ou com os socialistas revolucionárias de esquerda e
mesmo com mencheviques. Se Molotov afirmou que Lenine era mais inflexível que
Estaline (sendo ele um homem de mão deste último). Se o «terror» foi engendrado
já no tempo de Lenine e se o Exército Vermelho e os bolcheviques se basearam ou
não na Guerra Civil, ou cimentaram as expropriações da terra e das indústrias.
E Lenine estaria de acordo com as perspetivas da NEP, apoiando a sua
continuidade e esclarecendo (coisa que nunca o fez) que o verdadeiro socialismo
residiria nesta solução? E Bukarine, o tal da Oposição de direita reuniu-se ou
não em segredo com a nova troika de Trotsky, Zinoviev e Kamenev, antes
desavindos? Quereria o partido bolchevique imitar o Terror de 1793/94 francês?
E o medo do Termidor levou-os às execuções em massa? E a relação muito
discutível com os camponeses e com os Kulaks seria uma forma de criar uma
proletarização rápida nas cidades? E a Grande Fome foi provocada
deliberadamente, para que houvesse um êxodo rural igual ao movimento das
enclosures britânicas? Teriam as massas não compreendido totalmente as
reivindicações de Trotsky e da Oposição de esquerda, ostracizando-as não pelo
medo, mas remetendo-as para o «caixote de lixo da história» termo
paradoxalmente dito por este? Estaline defendeu com unhas e principalmente com
os dentes o primeiro plano quinquenal que se baseava na industrialização forçada
de ferro e aço, ideia original de Trotsky que o defendeu igualmente, sendo
copiado pelo burocrata-mor. Talvez isso explique, segundo alguns historiadores
e pela autora, que Trotsky, já depois da «Revolução Traída» e das tarefas de
formação da IV Internacional, nunca tenha ousado criticar a dimensão económica
da URSS, motivo de querelas dentro do movimento. Este ficou-se somente pela
crítica da burocracia que, segundo a autora, seria incompreensível pelas massas
revolucionárias russas que viam nesta burocracia a subida de escalão social do
proletariado!! Santa ingenuidade.
Esta enorme
quantidade de «ses» nunca afirmando ou esclarecendo factos históricos que
poderia ter à mão é tão mais estranho porque Sheila Fitzpatrick, professora,
teve acesso facilitado e privilegiado a documentos importantes da história
soviética chegando mesmo a publicar um livro titulado de «A spy of soviet
archives» não traduzido em Portugal. Pois o que encontramos em «A Revolução
Russa» (Tinta da China) é mais do mesmo. Violência, a raíz do comportamento
humano, as revoluções comem os seus melhores filhos...etc.etc.
O livro
lê-se com agrado e com uma facilidade diretamente proporcional às dúvidas
alimentadas.
António Luís Catarino
Coimbra, 11 de junho de 2019
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