terça-feira, junho 11, 2019

Sheila Fitzpatrick e «A Revolução Russa»

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Sheila Fitzpatrick, autora de «A Revolução Russa» (Tinta da China)

Dois anos após o centenário da Revolução Russa a literatura é vasta e ainda a procissão laica vai no adro. Sheila Fitzpatrick editou «A Revolução Russa» e, se esperavam algum tema novo, alguma nova tese, algum documento inédito, relatórios intermináveis das catacumbas da Tcheka, da GPU ou do KGB, ou do PCUS, desenganem-se. É cansativo ler mais um livro sem que haja uma simples mais-valia sob o tema. Se Lenine se apoiou em Estaline para afastar a Oposição Operária, ou não. Se o seu testamento ordenou o afastamento de secretário-geral do Partido Bolchevique por ter sido «rude» com Kupriskaya e não serviria para as pontes que teriam de ser (ou não) construídas entre as várias sensibilidades comunistas no partido, ou com os socialistas revolucionárias de esquerda e mesmo com mencheviques. Se Molotov afirmou que Lenine era mais inflexível que Estaline (sendo ele um homem de mão deste último). Se o «terror» foi engendrado já no tempo de Lenine e se o Exército Vermelho e os bolcheviques se basearam ou não na Guerra Civil, ou cimentaram as expropriações da terra e das indústrias. E Lenine estaria de acordo com as perspetivas da NEP, apoiando a sua continuidade e esclarecendo (coisa que nunca o fez) que o verdadeiro socialismo residiria nesta solução? E Bukarine, o tal da Oposição de direita reuniu-se ou não em segredo com a nova troika de Trotsky, Zinoviev e Kamenev, antes desavindos? Quereria o partido bolchevique imitar o Terror de 1793/94 francês? E o medo do Termidor levou-os às execuções em massa? E a relação muito discutível com os camponeses e com os Kulaks seria uma forma de criar uma proletarização rápida nas cidades? E a Grande Fome foi provocada deliberadamente, para que houvesse um êxodo rural igual ao movimento das enclosures britânicas? Teriam as massas não compreendido totalmente as reivindicações de Trotsky e da Oposição de esquerda, ostracizando-as não pelo medo, mas remetendo-as para o «caixote de lixo da história» termo paradoxalmente dito por este? Estaline defendeu com unhas e principalmente com os dentes o primeiro plano quinquenal que se baseava na industrialização forçada de ferro e aço, ideia original de Trotsky que o defendeu igualmente, sendo copiado pelo burocrata-mor. Talvez isso explique, segundo alguns historiadores e pela autora, que Trotsky, já depois da «Revolução Traída» e das tarefas de formação da IV Internacional, nunca tenha ousado criticar a dimensão económica da URSS, motivo de querelas dentro do movimento. Este ficou-se somente pela crítica da burocracia que, segundo a autora, seria incompreensível pelas massas revolucionárias russas que viam nesta burocracia a subida de escalão social do proletariado!! Santa ingenuidade.
Esta enorme quantidade de «ses» nunca afirmando ou esclarecendo factos históricos que poderia ter à mão é tão mais estranho porque Sheila Fitzpatrick, professora, teve acesso facilitado e privilegiado a documentos importantes da história soviética chegando mesmo a publicar um livro titulado de «A spy of soviet archives» não traduzido em Portugal. Pois o que encontramos em «A Revolução Russa» (Tinta da China) é mais do mesmo. Violência, a raíz do comportamento humano, as revoluções comem os seus melhores filhos...etc.etc.
O livro lê-se com agrado e com uma facilidade diretamente proporcional às dúvidas alimentadas.

António Luís Catarino
Coimbra, 11 de junho de 2019