quarta-feira, junho 19, 2019

«Quimeras», ou as crisálidas de Cristo de Sanmartino

Quimeras
«Quimeras». Foto: Teatro Nacional S. João
Entrar no claustro de S. Bento da Vitória no Porto e sair de lá sem poder expressar uma só palavra que destruiria toda a emoção criada com o espetáculo único do TNSJ e da Karnart. Recuperar mais tarde. Sentir mais tarde. Compreender a transformação dos corpos, mais tarde. Não há lugares sentados. Deambulamos pelo claustro agora fechado por entre corpos femininos fechados sobre si próprios e uma luz contrastante. No meio do claustro, uma cama funerária com um corpo masculino nu envolto num sudário transparente branco e uma rede negra. Luís Castro e Vel Z lembram, na apresentação escrita do projeto, que é uma reconstituição vívida do Cristo jacente de Giuseppe de Sanmartino, de Nápoles. À sua volta os corpos femininos envoltos igualmente num tecido branco transparente. Os seus olhos têm uma íris branca, num ricto imperscrutável. Ouve-se uma música longínqua. Num dos cantos do quadrado formado pelas mulheres, logo atrás do Cristo jacente, uma figura diferente, a rainha das crisálidas, vestida de negro e máscara de luz, aquela que ao som da música observa os corpos das servas a elevarem-se até estarem erectos. Leva uma hora os seus nascimentos. As crisálidas estão prontas e juntam-se, leves e ondulantes, à cama funerária de Cristo. A rainha negra gira o sudário negro no seu corpo, rodando em si própria até que o destapa totalmente. A música barroca e a luz atingem o seu auge. As crisálidas dão vida à vida numa ressurreição subentendida. Os autores chamam a este exercício de perfinst ou body art. Sim, mas eu chamei-lhe na ocasião, uma experiência plástica, musical e teatral entre o maravilhoso ou a pura e crua beleza.

António Luís Catarino
14 de junho de 2019