No século XVII, quase dois séculos depois da inicial
«descoberta» das Índias por caminho marítimo, os portugueses depois de
consolidado os negócios de «cabedais» entre a Ásia e a Europa, nos quais
incluía ainda o Japão e a China, enveredaram pela não menos aventurosa causa da
conversão dos infiéis. Coube aos Jesuítas essa missão não isenta de alguns
pecados e violências como atestam alguns documentos coevos e uma epistolografia
que tem sido objeto de estudo. António de Andrade deve ser particularmente estudado,
até porque foge ao cânone. Nascido em Oleiros, em 1580, início da União Ibérica
dos Filipes, faleceu em 1634. Entretanto, depois de estudar em Coimbra, vai
para Goa, então capital do Império português do Oriente e entre 1626 e 1633
escreve quatro cartas sobre a sua procura de Cataio, região utópica que povoava
as mentes conversoras de um reino longínquo que seguiria o cristianismo. Estamos
a falar de um jesuíta que, com o irmão, Manuel Andrade, chegou ao Reino do
Tibete primeiro que qualquer outro ocidental. Quem estudou a história dos
jesuítas saberá que esta procura do Cataio, tal como o do Reino de Prestes
João, não era mais do que uma quimera. Não existindo Cataio, António de Andrade
empreende a viagem para o Tibete, a partir de Agra e é o primeiro a passar a
cordilheira dos Himalaias, não sem agruras várias que quase o levaram à morte.
Não se intimida e escreve que foi a fé que o salvou, assim como salvará todos
os indígenas que encontrará à sua frente. Entrará no Reino do Tibete disfarçado
de peregrino hindu. Em 1624 chega a Chaparangue, onde faz amizade e converte o
rei do Guge, Tashi Drakpa De. As suas cartas transpiram um desprezo enorme pela
religião budista e hindu e um ódio figadal aos muçulmanos, fonte de todas as
intrigas contra os cristãos. É aqui que reside alguma diferença para com outros
jesuítas. Numa das cartas, exulta pela tortura de um homem santo hindu a quem,
por castigo e com a sua concordância, lhe cortam o longo cabelo e as unhas,
sinal exterior da pureza. Consegue transformar, por conversão do rei e da
rainha de Guge, a maior parte dos lamas dos mosteiros do Tibete em seculares e
não está isento (aliás, está bem presente) nas guerras então travadas com os
exércitos vizinhos e rivais e que levarão à derrota impiedosa do reino de Guge.
António de Andrade é o rosto da intolerância religiosa bem soletrada nas cartas
que envia ao Provincial da Companhia de Jesus em Goa. Razão pela qual, depois
dele, todas as missões falharam. É o que dá. Este jesuíta morrerá nesta cidade
indiana, envenenado… por um seu fiel criado.
António Luís Catarino
4 de junho de 2017