De Ricardo Gil Soeiro, autor de Bartlebys Reunidos, recebemos estes pensamentos/registos que apontam para a continuação do seu projecto poético. Que sim, dizemos nós:
(...) A minha opção é, todavia, outra. Se parto em busca de uma
re-humanização poética do sentido, tal não significa que me renda a uma arte de
vocação totalizadora: só compreendo a plenitude do sentido à luz das fracturas,
das sombras que se insinuam por entre as nossas aspirações mais genuínas. Na
entrevista que vai sair muito em breve explico essa questão de uma maneira
clara: por um lado, dou conta do meu fascínio pelas intersecções metamórficas
(pelas máscaras, pelas metamorfoses e pelos simulacros que marcam presença nos
meus poemas), enfim, pelo espírito irónico de uma pós-modernidade que nos veio
confirmar que as grandes narrativas se desmoronaram e que o anjo da História
nos olha com uma justificada desconfiança; por outro lado, faço igualmente
menção aos múltiplos tons que ressoam no nosso livro dos Bartlebys. Num texto
em prosa, inédito, que escrevi aqui há algumas semanas detenho-me sobre essa
problemática que me parece essencial. O texto de duas páginas intitula-se
“Signos de ninguém: gaguejar em órbitas deleuzianas”. Aí encaro o acto de
escrever como um arriscar em constante desequilíbrio: se um estilo, como diz
Deleuze, é conseguir gaguejar na sua própria língua, então o acto de escrever
deve produzir velocidade, diferentes velocidades. Os tais tons distintos que
sublinhei.
É por isso que todos os poemas do livro são profundamente
diferentes entre si – a despeito da unidade conceptual em que se ancoram. O
mesmo sucede com o primeiro volume da tetralogia, “Da vida das marionetas”, que
se centra sobre a figura inanimada. Não só esse livro é distinto deste livro
sobre os bartlebys, como nesse volume em particular se assiste a um registo
dramático, dialógico, de um eu (a marioneta em metamorfose) e um tu que se
encontra, de poema para poema, em profunda transmutação. Mais uma vez: os
múltiplos tons, as múltiplas vozes, as múltiplas máscaras. Vestir diferentes
peles, habitar diferentes “caosmos” (como queria Joyce).
É isto que me interessa fazer. Não o tal lirismo forte de
uma subjectividade que canta, mas desenhar um rosto polimórfico que se desdobra
em diferentes urdiduras textuais: e que essas urdiduras textuais possam abrir
novos horizontes de sentido. Um outro projecto que terminei há uma semana
constitui um bom exemplo do que quero dizer: chama-se A rosa de Paracelso e é
um extenso poema baseado no conto homónimo de Borges. É um único poema (35
páginas) que se inicia justamente com a alusão ao episódio final do relato
borgesiano: quando aí se concebe que Paracelso terá logrado recriar uma rosa
pela palavra. Ou seja, aqui é já uma outra voz que pretendo explorar: convoca-se
uma reflexão metapoética que aposta no poder demiúrgico da palavra, mas que,
simultaneamente, acolhe a condição inerentemente paradoxal que atravessa a
criação poética.
Ricardo Gil Soeiro, 30 de Abril de 2013
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