domingo, junho 09, 2013

Sobre as intervenções de Maria João Cantinho e Ricardo Gil Soeiro


Maria João Cantinho e Ricardo Gil Soeiro na apresentação de Bartlebys Reunidos

Penso ainda na intervenção de Maria João Cantinho na apresentação de Bartlebys Reunidos de Ricardo Gil Soeiro e acredito que é assim, de um modo límpido, que a poesia tem de ser entendida. A menos que a tenhamos de a viver quotidianamente, mas isso será uma outra conversa para termos, com outra predisposição e tempo. À volta de Bartlebys e da ideia «I would prefer no to» Maria João Cantinho interpretou e ligou teias formadas por derivas de negação pela criação literária. Falou-se portanto de Célan, de Rimbaud, de Steiner, de Borges, de Wittegenstein e de muitos outros para quem a solicitação de deixar de escrever foi forte e, por exemplo no caso de Rimbaud, foi determinante para a sua vida. Não será preciso ler Melville, portanto, para entender a poesia de Ricardo Gil Soeiro, mas é condição muito importante. E é isso que faz a beleza de uma vida poética: a procura incessante de um tema unificador que faz e refaz experiências, as teias e labirintos da negação (expressão muito usada por Maria João Cantinho) em que se transforma a leitura de um poema. Ricardo Gil Soeiro avançou com uma noção mais concreta destes labirintos, na possibilidade da declaração de Bartleby ser, ela própria, uma contradição em si mesma. Como se pode dizer que se pode deixar de escrever ao mesmo tempo que se escreve esta intenção? E disse-o, concretizando com o desejo recente de Lobo Antunes em deixar de escrever. Será interessante perceber se o consegue, ou não. De qualquer maneira, a óptima intervenção de Maria João Cantinho fez-me pensar na Deriva como editora de poesia e nos labirintos que criou desde há dez anos. Aliás, a «nossa» deriva é a de Quincey e do mapa oculto da cidade de Londres onde se procurava ópio em zonas não declaradas no mapa oficial da cidade. Todo um programa de experiência, de aventura e de procura constante da felicidade, portanto. As outras derivas, essas, deram-nas os dadaístas de Zurique, os surrealistas de Londres e Berlim, os situacionistas  de Paris. Há coisas assim.