Vergonha da poesia?
Mas a «miséria» da poesia não é só caso de marginalidade económica e social. Ela resulta, talvez mais fundamentalmente, das dificuldades que tem hoje, mais do que outras artes, em desfazer-se dos clichés que não só mancham a representação que dela se tem comummente, como a atulham a si própria nas suas tentativas de evoluir. Daí um mal-estar que pode ir até à auto-repulsa: já ninguém se atreve a afirmar-se poeta, como se se tivesse vergonha da imagem que a corporação projecta muitas vezes de si própria. E, de facto, pieguice, velharia, sentimentalismo, grandiloquência, afectação de uma pose recolhida, logomaquia, excesso de obscuridade com vista à intimidação do leigo: tantos defeitos que contribuem para esse mal-estar que, mais cedo ou mais tarde, qualquer um pôde experimentar ao assistir a leituras de poesia.
Jean-Claude Pinson, in PARA QUE SERVE A POESIA HOJE?