sábado, novembro 20, 2010

Tentações - Ensaio sobre Sade e Raul Brandão, de Pedro Eiras, por Álvaro Manuel Machado [Expresso]


Tentações - Ensaio sobre Sade e Raul Brandão,
de Pedro Eiras, por Álvaro Manuel Machado
[Expresso Actual, 20 de Novembro de 2010]

Pedro Eiras, um dos mais criativos de entre os jovens ensaístas universitários, regressa neste livro a Raul Brandão, que já abordara em "Esquecer Fausto" (2005), caindo na ‘tentação’ de o comparar com Sade. Aliás, mais do que uma 'tentação', trata-se duma provocação.
Na 'Nota Introdutória', cultivando o paradoxo, Eiras reconhece que estas "tentações" de leitura são simultaneamente "evidentes" e "improváveis". De facto, não se vê bem como a dostoievskiana angústia metafísica de Raul Brandão é comparável à sistemática negação libertina da angústia metafísica em Sade, o qual reduz a literatura a uma arquivística repetição de lugares-comuns do mal relacionado com o sexo. Sem Imaginação, nem de linguagem nem de criação de personagens, meros títeres (ao contrário do genialmente imaginativo Rousseau). Sade é mais um mito literário do que um escritor. O próprio amoralismo é nele uma banalidade mecanicista, como aquele corpo-máquina de que o seu idolatrado La Mettrie falava em "L'homme-machine" (1748).  E apesar de Brandão, como Sade, ceder "a códigos retóricos datados", levando esses códigos "a extremos: enumerações e repetições esmagadoras", em Raul Brandão há o voo dum imagina rio lírico pós-romântico transposto para o simbolismo e centrado no tempo narrativo, imaginário finissecular precursor do romance moderno, enquanto em Sade a escrita fecha-se na sua própria obsessão descritiva e didática do mal. Em suma: um ensaio que, pela 'improbabilidade' do seu objetivo comparatista, levanta questões teóricas muito discutíveis, por vezes até obscuras e inconsequentes, embora fascinantes, Como diz o autor: "O ensaio é estar em perigo."

Álvaro Manuel Machado