No seu blog As Folhas Ardem, Manuel Margarido escreve sobre Filipa Leal mais uma vez. Agora sobre A Inexistência de Eva. Ambos conhecemo-la bem, como o leitor queira entender esta expressão: conheço, tal como Manuel Margarido, a sua poesia iniciada muito cedo e que tantas atenções mobilizaram (lembro-me de uma crítica sobre A Cidade Líquida de Eduardo Prado Coelho no saudoso Mil Folhas do Público); ambos conhecemos esse entusiasmo perante a descoberta de uma nova poeta e perante o silêncio que se impõe depois de uma sua leitura atenta, mistério de toda a poesia, esse jogo por vezes indecifrável que só alguns têm conhecimento. Conhecêmo-la pessoalmente e vimo-la em várias ocasiões apresentando e dizendo poesia, dela e de outros, como só a Filipa sabe fazer. Hoje, deparo-me com estas palavras de Manuel Margarido sobre A Inexistência de Eva, um dos mais belos livros que editei. Só me resta agradecer as palavras e sentir que, por vezes, o trabalho compensa. Aqui ficam alguns dos poemas escolhidos por Manuel Margarido de A Inexistência de Eva:
ESTE LIVRO FOI ESCRITO HÁ MUITO TEMPO.
Era uma mulher que estava dentro de uma sala muito branca.
Ouviu: – Não fujas. Não esqueças.
Era uma mulher lívida de medo de não conseguir esquecer
*
À volta da sala, havia um pomar redondo que a envolvia de maçãs
avermelhadas, difusas. Ela estava lívida e suja, entre a castidade
e o remorso.
Ouviu: – Esquece o arrependimento. Fica.
*
Ao redor do pomar, existira um rio que secara nos últimos
anos. Se o seguisse, junto à margem, em linha curva e longa,
encontraria uma cidade desconhecida. Embora nenhuma cidade
seja desconhecida se soubermos onde está.
Ouviu: – Perder-te-ás na ausência
de água do rio.
*
Não havia um único espelho na sala. Ela não sabia o que era o
princípio e o fim. Desconhecia os conceitos de vida e de morte.
Nunca medira a sala, nem o pomar, nem o terror. Se desejasse,
abriria a porta.
Ouviu: – Assustar-te-á a existência
de dia e de noite
*
Sabia o seu nome. Chamava-se Eva. Nunca questionara. Porque
haveria de questionar um nome simples e breve? Desconhecia o
texto bíblico, e o simbolismo das palavras. Se se chamasse mar,
ou cálice, ou manhã, não o questionaria.
ESTE LIVRO FOI ESCRITO HÁ MUITO TEMPO.
Era uma mulher que estava dentro de uma sala muito branca.
Ouviu: – Não fujas. Não esqueças.
Era uma mulher lívida de medo de não conseguir esquecer
*
À volta da sala, havia um pomar redondo que a envolvia de maçãs
avermelhadas, difusas. Ela estava lívida e suja, entre a castidade
e o remorso.
Ouviu: – Esquece o arrependimento. Fica.
*
Ao redor do pomar, existira um rio que secara nos últimos
anos. Se o seguisse, junto à margem, em linha curva e longa,
encontraria uma cidade desconhecida. Embora nenhuma cidade
seja desconhecida se soubermos onde está.
Ouviu: – Perder-te-ás na ausência
de água do rio.
*
Não havia um único espelho na sala. Ela não sabia o que era o
princípio e o fim. Desconhecia os conceitos de vida e de morte.
Nunca medira a sala, nem o pomar, nem o terror. Se desejasse,
abriria a porta.
Ouviu: – Assustar-te-á a existência
de dia e de noite
*
Sabia o seu nome. Chamava-se Eva. Nunca questionara. Porque
haveria de questionar um nome simples e breve? Desconhecia o
texto bíblico, e o simbolismo das palavras. Se se chamasse mar,
ou cálice, ou manhã, não o questionaria.
A Inexistência de Eva, de Filipa Leal, Deriva, 2009